STJ. REsp 1.971.316-SP

Enunciado: A controvérsia consiste em definir o termo inicial do prazo de prescrição para ação de indenização por danos materiais e morais, sofridos em decorrência de suposto ilícito concorrencial, mais especificamente prática de atos potencialmente configuradores de cartel. A doutrina preleciona que as ações de indenização por dano concorrencial podem ter como fundamento condutas anticoncorrenciais relatadas diretamente pelas vítimas ou condutas que foram investigadas pelas autoridades de defesa da concorrência. No primeiro caso, têm-se uma ação judicial stand alone, em que a vítima apresenta as provas do ato alegado, assim como o dano sofrido. O segundo caso é o da ação judicial follow on, "em que a vítima apoia todo seu pedido nas provas e decisões produzidas pela autoridade que julgou e condenou o cartel". No entanto, uma vez que a causa de pedir não é a formação do cartel, ocorre a ação stand alone. No caso, a causa de pedir da ação de indenização é a prática de atos anticoncorrenciais no mercado de compra de caixas de laranja, controlando os preços, impondo ao autor prejuízos financeiros, assim como sua exclusão do setor. Afirmou-se que as empresas do ramo de fabricação e comercialização de sucos de laranja desenvolveram suas atividades industriais e comerciais com inequívoca unidade de propósitos, a partir da formação de acordos, convênios e alianças, como ofertantes, visando à fixação artificial de preços e quantidades vendidas e produzidas, ao controle do mercado nacional, em detrimento da concorrência, da rede de distribuição e fornecedores, relativo a suco de laranja industrializado. É de se anotar que a ação ajuizada na origem não se pautou em descumprimento contratual, por isso que é certo que o prazo prescricional das ações reparatórias por responsabilidade extracontratual, nos termos do Código Civil, é de três anos (art. 206, CC/2002). No que respeita ao dies a quo da prescrição para ação de responsabilidade extracontratual, consoante já antes assinalado, o prazo prescricional só se inicia com o efetivo conhecimento do dano, devendo considerar-se a "data em que se verifica o dano-prejuízo". Isso porque o surgimento da pretensão indenizatória ocorre com a ciência da lesão e de sua extensão, afastando-se a data do dano como marco temporal da prescrição. Nessa linha de ideias, para se estabelecer o momento em que verificado o dano-prejuízo deve-se retornar à disciplina concorrencial, para delimitação necessária a partir de seus institutos. Quanto à operação de cartel, observa-se que ela se inicia logo após a celebração do acordo entre os envolvidos, consubstanciando-se neste momento o início da produção dos danos. De fato, na hipótese, inexiste decisão do CADE reconhecendo a existência de cartel, sequer há confissão da empresa, em relação a este fato. A empresa ré firmou com a autoridade administrativa investigadora Termo de Cessação de Conduta, como condição de suspensão do processo administrativo instaurado contra ela e que teria sido posteriormente extinto, tendo em vista o cumprimento das obrigações estipulados naquele Termo. Sendo assim, o início do prazo prescricional, nessas hipóteses, não pode ser a data da decisão condenatória proferida pelo CADE, simplesmente porque decisão condenatória não há. Em situações como essa, o início do prazo prescricional (tratando-se de responsabilidade extracontratual) é o momento em que o prejudicado teve ciência da conduta que afirma ser ilícita, conforme a regra geral prevista no diploma material civil e o entendimento desta Corte Superior.

Tese Firmada: Em ação indenizatória que se origina de alegado ilícito concorrencial, uma vez verificada inexistência de decisão do CADE sobre a formação de cartel, o prazo prescricional é de três anos - art. 206, § 3º, V, CC/2002 - e o termo inicial para sua contagem é a data da ciência do fato danoso.

Questão Jurídica: Condutas anticompetitivas. Infração contra a ordem econômica. Lei n. 12.529/2011. Cartel. Ação de indenização por danos morais e materiais. Responsabilidade extracontratual. Não reconhecimento do cartel pelo CADE. Prescrição. Termo inicial. Ciência da conduta causadora dos danos alegados. Princípio da actio nata. Art. 206, § 3º, V, do CC/2002.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. CONDUTAS ANTICOMPETITIVAS. INFRAÇÃO CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. LEI N. 12.529/2011. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. NÃO RECONHECIMENTO DO CARTEL PELO CADE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DA CONDUTA CAUSADORA DOS DANOS ALEGADOS. ART. 206, § 3º, V, do CC/2002. 1. A CF/1988 prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (§ 4º do art. 170) e determina, no art. 174, que "o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento". 2. A Lei n. 12.529/2011 disciplina a estrutura jurídica do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo rol exemplificativo das infrações contra a ordem econômica (art. 36), suas respectivas penalidades e os instrumentos de persecução administrativa em face dos agentes infringentes. 3. O cartel é conduta anticoncorrencial, definindo-se como um acordo implícito ou explícito entre agentes econômicos que atuam num mesmo mercado com o objetivo principal de eliminar a concorrência e obter para si vantagens econômicas que lhes garantam aumento de poder de mercado e maiores lucros. 4. O art. 47 da Lei n. 12.529/2011 (art. 47) garante aos titulares de direitos violados por ilícito concorrencial o ajuizamento da ação para que cessem as práticas de infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização pelos danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação. 5. No âmbito da obrigação contratual, o termo inicial da prescrição é o momento da lesão ao direito, da qual decorre a pretensão, conforme o art. 189 do CC/2002, que consagrou a tese da actio nata no ordenamento jurídico pátrio. 6. Nos casos de responsabilidade extracontratual, compreende-se que, ao ser conferida primazia à segurança jurídica, considerar o momento da lesão como termo inicial da prescrição tende a ser extremamente injusto, acabando por punir a vítima por negligência que pode ser apenas aparente, uma vez que eventual inércia do prejudicado pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano. Nessas circunstâncias, o evento que marca o início da contagem do prazo prescritivo é a ciência do fato ilícito. 7. No caso dos autos, cuida-se de responsabilidade extracontratual, tendo a ação de indenização se fundado na prática de condutas abusivas pela ré, que teria se valido, juntamente com outras empresas do setor citrícola, de atos anticoncorrenciais no mercado de compra de caixas de laranja, controlando os preços, impondo ao autor prejuízos financeiros e sua exclusão do setor. 8. Na hipótese, as condutas consideradas abusivas não foram caracterizadas como formação de cartel pelo CADE, autoridade responsável pelo processo administrativo, tendo sido firmado Termo de Cessação de Conduta como condição de suspensão do processo instaurado, posteriormente extinto, haja vista o cumprimento das obrigações estipuladas no documento. 9. Verificada a inexistência de decisão do CADE sobre a formação de cartel, o prazo prescricional é o estabelecido no art. 206, § 3º, V, do CC/2002 - três anos -, e o termo inicial de sua contagem é a data da ciência do fato danoso - no caso dos autos, o momento da celebração dos contratos. 10. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.971.316-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022 - Publicado no Informativo nº 756)