STJ. RMS 52.896-PR

Enunciado: No caso, é "incontroverso o fato de o recorrente ter entrado em exercício na função de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná", pelo que dotado ele da garantia da vitaliciedade, prevista no art. 95, I, da CF/1988, só podendo perder o cargo mediante sentença judicial transitada em julgado, norma aplicável aos membros do Tribunal de Contas da União e estendida aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, nos termos dos arts. 73, § 3º, e 75 da CF/1988. Cumpre destacar que o impetrante tem garantida a vitaliciedade desde a posse, de vez que o requisito constitucional de dois anos do exercício do cargo é exigível apenas no primeiro grau, na forma do art. 95 da CF/1988. Ademais, o art. 77, § 3º, da Constituição do Estado do Paraná dispõe que "os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos desembargadores do Tribunal de Justiça", norma reiterada no art. 128 da Lei Complementar estadual n. 113/2005 - Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que, no seu art. 135, dispõe que "o Conselheiro e o Auditor, depois de empossados, somente perderão o cargo por sentença judicial transitada em julgado". De modo consentâneo, ainda, com o art. 22, I, e, da Lei Complementar n. 35/1979, que garante a vitaliciedade, a partir da posse, aos desembargadores, aos quais são equiparados, em garantias e prerrogativas, os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (art. 77, § 3º, da Constituição do Estado do Paraná e art. 128 da Lei Complementar estadual n. 113/2005). Por outro lado, depreende-se do processo que os atos de autotutela, impugnados no mandamus (Ato do Presidente n. 006/2011 e o Decreto 1.325/2011), foram publicados em 05/05/2011, aproximadamente 2 (dois) anos depois de o Pleno do STF, pela liminar deferida na Rcl 6.702/PR, suspender os efeitos da nomeação da parte recorrente. Isto é, enquanto a questão estava sob o crivo judicial, as autoridades impetradas, invocando parte dos fundamentos adotados, em juízo precário, na referida Rcl 6.702/PR, assim como "dificuldades e prejuízos" para o funcionamento do TCE, desfizeram a investidura do impetrante unilateralmente, quando a vaga poderia ter sido temporariamente suprida pela convocação de auditores, tal como estabelecem, inclusive na hipótese de vacância, os arts. 129 e ss. da Lei Orgânica do TCE/PR (Lei Complementar n. 113/2005). Por essas razões, é correto o entendimento de que "a anulação da nomeação já se evidencia como ato inválido, porque não precedida por devido processo legal judicial". Além disso, deve-se observar a regulação da Lei estadual n. 6.174/1970 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Paraná). Segundo o art. 108 da aludida Lei estadual, reintegrado judicialmente o agente, quem lhe ocupava o lugar será exonerado ou reconduzido ao cargo anteriormente ocupado. Contudo, os arts. 107, parágrafo único, e 147, II, da mesma Lei estabelecem que, não sendo possível exonerar ou reconduzir o atual ocupante do cargo, fica assegurado ao servidor reintegrado o direito de permanecer em disponibilidade. Estes últimos dispositivos - e não o art. 108 - é que devem orientar a solução da controvérsia. Isso porque a cláusula aberta - impossibilidade de exoneração ou recondução, a que aludem os citados arts. 107, parágrafo único, e 147, II, da Lei estadual n. 6.174/1970 - encontra, no peculiar caso dos autos, o seu sentido concreto: a parte recorrida também assumiu o cargo com garantia de vitaliciedade, de modo que, conforme as normas constitucionais de regência, não é possível que venha a perder o cargo, senão - tal como se está ora assegurando à parte recorrente - mediante ação própria. Dessa forma, considerando que o inciso II do art. 147 da referida Lei estadual confere ao servidor reintegrado, quando impossível a sua recondução ao cargo, o direito de permanecer em disponibilidade deve ser aplicado, no caso, em favor da parte recorrente, porquanto não é possível destituir a parte recorrida do cargo que ocupa, também com vitaliciedade, há mais de 11 (onze) anos, sendo, atualmente, Vice-presidente da Corte de Contas.

Tese Firmada: O Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, quando não puder ser reintegrado imediatamente, deve permanecer em disponibilidade, conforme legislação estadual, haja vista que a perda do cargo ocupado com garantia de vitaliciedade necessita de decisão judicial transitada em julgado, em ação própria.

Questão Jurídica: Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual. Perda do cargo ocupado com garantia de vitaliciedade. Necessidade de decisão judicial transitada em julgado, em ação própria. Arts. 73, §3º, e 75 da CF/1988. Reintegração imediata do impetrante. Impossibilidade. Cargo ocupado por outro conselheiro vitalício. Colocação em disponibilidade. Inteligência da legislação estadual do Paraná.

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. DESTITUIÇÃO DO CARGO. PRERROGATIVAS RECONHECIDAS PELO STF. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. VÍCIOS, NA NOMEAÇÃO E NA POSTERIOR DESTITUIÇÃO DO IMPETRANTE, DISCUTIDOS NO JULGAMENTO DE AÇÕES POPULARES. FUNDAMENTOS NÃO ACOBERTADOS PELA COISA JULGADA. PERDA DO CARGO OCUPADO COM GARANTIA DE VITALICIEDADE. NECESSIDADE DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO, EM AÇÃO PRÓPRIA. ARTS. 73, § 3º, E 75 DA CF/88. ADI 4.190-MC. IMPOSSIBILIDADE DE REINTEGRAÇÃO IMEDIATA DO IMPETRANTE. CARGO OCUPADO POR OUTRO CONSELHEIRO VITALÍCIO. COLOCAÇÃO EM DISPONIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. I. Trata-se de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, interposto por Maurício Requião de Mello e Silva, contra acórdão que, denegando a ordem, manteve os atos do Presidente da Assembleia Legislativa e do Governador do Estado do Paraná, que resultaram na anulação de sua nomeação para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. II. Preliminar de nulidade do acórdão recorrido rejeitada, uma vez que "a decretação de nulidade de atos processuais depende da necessidade de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio pas de nulitte sans grief" (STJ, EREsp 1.121.718/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, DJe de 01/08/2012), o que não ocorreu, no caso. No mesmo sentido: STJ, AgInt no AREsp 393.085/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 08/11/2021; REsp 1.099.724/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/07/2022; AgInt nos EDcl no REsp 1.721.690/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 09/04/2021. III. A coisa julgada que se formou na Ação Popular 52.203/2008 e na Ação Popular 34.227/2008, nas quais a parte ora recorrente figurou como réu, restringe-se ao procedimento de escolha, realizado pela Assembleia Legislativa, e à nomeação da parte recorrente, pelo então Governador, não se estendendo aos posteriores atos de autotutela, que anularam a nomeação do impetrante e que se discutem neste processo. Ainda que algumas das questões debatidas naqueles e nestes autos sejam as mesmas, a jurisprudência do STJ, com fundamento no art. 504 do CPC/2015 (art. 469 do CPC/73) "é assente no sentido de que os motivos e a verdade dos fatos não são alcançados pelos efeitos da coisa julgada" (STJ, AgInt no AgInt no REsp 1.617.597/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 04/12/2018). Na mesma direção: STJ, EDcl no AgInt no REsp 1.721.713/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/10/2021; RMS 16.499/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJU de 02/08/2007. De igual forma, os pronunciamentos do STF, nas Reclamações 6.702/PR e 9.375/PR, não fizeram coisa julgada, porquanto em nenhuma delas se proferiu decisão exauriente e definitiva, ante o reconhecimento da perda superveniente de seu objeto. IV. Não merece acolhimento a alegação, feita pela parte recorrida apenas perante o STJ, de que o acórdão que decidiu, conjuntamente, as Ações Populares 001245-56.2012.8.16.0179, 0042381-10.2011.8.16.0004 e 0035662-12.2011.8.16.0004, teria tornado imutáveis e indiscutíveis a legitimidade dos atos de autotutela que destituíram o impetrante do cargo de Conselheiro. Isso porque o impetrante, ora recorrente, não participou dos três processos mencionados, e, no acórdão que os solucionou, expressamente se adotou o entendimento de que a questão referente à ampla defesa e ao contraditório, porquanto de interesse particular, não poderia ser discutida no processo coletivo. Se, no processo coletivo, a questão do contraditório foi reputada impertinente, não há como se entender, depois, que a coisa julgada nele produzida impeça o debate da mesma questão, no processo individual - caso dos autos -, sob pena de se inviabilizarem todas as vias para o enfrentamento da matéria. Não se pode reconhecer, assim, que, sobre o ponto, se estendeu a coisa julgada, à luz, inclusive, do art. 103 do CDC. V. A alegação de ofensa ao devido processo legal merece acolhimento, uma vez que "os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado-membro dispõem dos mesmos predicamentos que protegem os magistrados, notadamente a prerrogativa jurídica da vitaliciedade (CF, art. 75 c/c o art. 73, § 3º), que representa garantia constitucional destinada a impedir a perda do cargo, exceto por sentença judicial transitada em julgado" (STF, ADI 4.190-MC, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, TRIBUNAL PLENO, DJe de 11/06/2010). No mesmo sentido: STF, AgRg na Rcl 38.366/SE, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2020. Inválido, assim, o ato de anulação da nomeação do impetrante, à mingua do devido processo legal judicial. VI. Incontroverso o fato de o impetrante ter entrado em exercício no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, tem ele a garantia da vitaliciedade, prevista no art. 95, I, da CF/88, só podendo perder o cargo mediante sentença judicial transitada em julgado, norma aplicável aos membros do Tribunal de Contas da União e estendida aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, nos termos dos arts. 73, § 3º, e 75 da CF/88. Ademais, o art. 77, § 3º, da Constituição do Estado do Paraná dispõe que "os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos desembargadores do Tribunal de Justiça", norma reiterada no art. 128 da Lei Complementar estadual 113/2005 - Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que, no seu art. 135, dispõe que "o Conselheiro e o Auditor, depois de empossados, somente perderão o cargo por sentença judicial transitada em julgado", de modo consentâneo, ainda, com o art. 22, I, e, da Lei Complementar 35/79, que garante a vitaliciedade, a partir da posse, aos desembargadores, aos quais são equiparados, em garantias e prerrogativas, os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. VII. Na efetivação deste julgado, devem ser observadas as balizas fixadas pela Lei estadual 6.174/70 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Paraná). Segundo o art. 108 da aludida Lei estadual, reintegrado judicialmente o agente, quem lhe ocupava o lugar será exonerado ou reconduzido ao cargo anteriormente ocupado. Contudo, os arts. 107, parágrafo único, e 147, II, da mesma Lei estabelecem que, não sendo possível exonerar ou reconduzir o atual ocupante do cargo, fica assegurado ao servidor reintegrado o direito de permanecer em disponibilidade. Estes últimos dispositivos - e não o art. 108 - é que devem orientar a solução da controvérsia. Isso porque a cláusula aberta - impossibilidade de exoneração ou recondução, a que aludem os citados arts. 107, parágrafo único, e 147, II, da Lei estadual 6.174/70 - encontra, no peculiar caso dos autos, o seu sentido concreto: a parte recorrida (Ivan Lelis Bonilha) também assumiu o cargo com garantia de vitaliciedade, de modo que, conforme as normas constitucionais de regência, não é possível que venha a perder o cargo, senão - tal como se está ora assegurando à parte recorrente - mediante ação própria. VIII. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança parcialmente provido, a fim de anular o ato que, sem o mencionado devido processo legal judicial, anulara a nomeação do recorrente para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, assegurando à parte impetrante o direito de permanecer em disponibilidade remunerada, computado o tempo para efeito de aposentadoria, e o direito a ser aproveitado na primeira vaga constitucionalmente reservada à Assembléia Legislativa paranaense, nos termos dos arts. 112, 147 e 148 da Lei estadual 6.174/70. (STJ. RMS 52.896-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por maioria, julgado em 23/08/2022, DJe 17/10/2022 - Publicado no Informativo nº 757)