STJ. AREsp 1.883.314-DF

Enunciado: Dispõe o art. 482, parágrafo único, in fine, do CPP, que o juiz presidente elaborará os quesitos levando em conta os termos da pronúncia, do interrogatório e das alegações das partes. De rigor, inexistindo tese desclassificatória, seriam realizados os três quesitos obrigatórios a respeito da materialidade, da autoria e da absolvição (art. 483, I, II e III, do CPP). No caso concreto, a Defesa apresentou a tese desclassificatória, atraindo o disposto no art. 483, § 4º, do CPP, que dispõe o dever de ser formulado quesito correspondente. E, consoante incontroverso, foram formulados dois quesitos para abarcar a alegação defensiva de desclassificação de homicídio consumado para lesão corporal seguida de morte, quais sejam, o primeiro a respeito do dolo direto, tendo os jurados respondido negativamente, e o segundo a respeito do dolo eventual, tendo os jurados respondido afirmativamente. Tal proceder na quesitação encontra respaldo na jurisprudência desta Corte. Ressalta-se que a sistemática do Tribunal do Júri implica numa visão mais alargada do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. Nesse sentido, é o entendimento emanado no corpo do voto vista do eminente Sr. Ministro Félix Fischer no REsp 1.425.154/DF. Depreende-se de trecho do voto vista citado que o próprio Código de Processo Penal permite ao juiz reconhecer o homicídio culposo que não foi objeto de denúncia e pronúncia, razão pela qual seria incongruente vedar aos jurados, competentes que são, reconhecer o homicídio por dolo eventual. O próprio Código de Processo Penal permite ao juiz reconhecer o homicídio culposo que obviamente não foi objeto de denúncia e pronúncia, razão pela qual seria incongruente vedar aos jurados, competentes que são, reconhecer o homicídio por dolo eventual. Para os delitos de homicídio e lesão corporal seguida de morte, há idêntica materialidade, qual seja, a morte da vítima. Ainda, escoram-se em uma conduta com nexo de causalidade com o resultado morte. Distinguem-se na tipificação, portanto, no ânimo da conduta. Haverá lesão corporal seguida de morte se, e somente se, preenchidos dois requisitos: evidenciado que o agente não quis a morte (não atuou com dolo direto de homicídio) ou não assumiu o risco de produzir o resultado (não atuou com dolo eventual). Logo, considerando que a Defesa foi quem levou ao conhecimento dos jurados a tese desclassificatória de homicídio consumado para lesão corporal seguida de morte e que, a apresentação da referida tese de forma completa abarca afastamento da conduta animada pelo dolo eventual, não há que se falar em surpresa ou ofensa ao princípio da amplitude de defesa. Ou seja, se a tese do dolo eventual não foi discutida em plenário, eventual nulidade não poderia ter sido invocada pela Defesa, pois concorreu para tanto, sendo aplicável o art. 565 do CPP.

Tese Firmada: No âmbito do Tribunal do Júri, não há nulidade na formulação de quesito a respeito do dolo eventual, quando a defesa apresenta tese no sentido de desclassificar o crime para lesão corporal seguida de morte, ainda que a questão não tenha sido discutida em plenário.

Questão Jurídica: Tribunal do júri. Homicídio. Tese defensiva. Desclassificação para lesão corporal seguida de morte. Formulação de quesitos referentes ao dolo direito e ao dolo eventual. Dolo eventual não discutido em plenário. Ofensa ao princípio da amplitude de defesa. Não configuração. Questão abarcada pela tese defensiva. Nulidade. Não ocorrência.

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1) RECURSO ESPECIAL PRINCIPAL. VIOLAÇÃO AO ART. 482, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. HOMICÍDIO CONSUMADO. TESE DESCLASSIFICATÓRIA PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE (ART. 129, § 3º, DO CÓDIGO PENAL - CP). ART. 483, § 4º, do CPP. ADEQUADA FORMULAÇÃO DE DOIS QUESITOS A RESPEITO DO DOLO DIRETO E DO DOLO EVENTUAL. COMETIMENTO DO DELITO POR DOLO EVENTUAL NÃO SUSTENTADO EM PLENÁRIO. NECESSIDADE DE ABORDAGEM DO DOLO EVENTUAL QUE CUMPRIA À DEFESA AO SUSCITAR A TESE DESCLASSIFICATÓRIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 2) RECURSO ESPECIAL DEFENSIVO ADESIVO. CABIMENTO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO PRINCIPAL NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMO ÚNICO FUNDAMENTO PARA OBSTAR O APELO ESPECIAL ADESIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PRINCIPAL QUE AFASTA O ÓBICE E PERMITE A ANÁLISE DOS DOIS RECURSOS ESPECIAIS. VIOLAÇÃO AO ART. 483, CAPUT, e § 4º, AMBOS DO CPP. HOMICÍDIO CONSUMADO. INVERSÃO NA ORDEM DE QUESITOS CONSTATADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. HOMICÍDIO TENTADO. QUESITO ACERCA DA TENTATIVA QUE DEVE SER FORMULADO APÓS O SEGUNDO QUESITO. ART. 483, § 5º, DO CPP. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 3) INTEMPESTIVIDADE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DEFENSIVO. 4) AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DEFENSIVO ADESIVO (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO DE FORMA ADESIVA). AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 5) AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA ACUSAÇÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PRINCIPAL PROVIDO. RECURSO ESPECIAL ADESIVO DESPROVIDO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DEFENSIVO NÃO CONHECIDO. 1. Dispõe o art. 482, parágrafo único, in fine, do CPP, que o juiz presidente elaborará os quesitos levando em conta os termos da pronúncia, do interrogatório e das alegações das partes. De rigor, inexistindo tese desclassificatória, seriam realizados os três quesitos obrigatórios a respeito da materialidade, da autoria e da absolvição (art. 483, I, II e III, do CPP). 1.1. No caso concreto, a Acusação não alegou ser cabível a condenação por homicídio consumado a título de dolo eventual e a Defesa apresentou a tese desclassificatória para o delito de lesão corporal seguida de morte, atraindo o disposto no art. 483, § 4º, do CPP. E, consoante também incontroverso, foram formulados dois quesitos para abarcar a alegação defensiva, quais sejam, o primeiro a respeito do dolo direto, tendo os jurados respondido negativamente, e o segundo a respeito do dolo eventual, tendo os jurados respondido afirmativamente. Tal proceder na quesitação encontra respaldo em precedentes desta Corte. 1.2. Ressalta-se que a sistemática do Tribunal do Júri implica numa visão mais alargada do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. Nesse sentido, o próprio Código de Processo Penal permite ao juiz reconhecer o homicídio culposo que obviamente não foi objeto de denúncia e pronúncia, razão pela qual seria incongruente vedar aos jurados, competentes que são, reconhecer o homicídio por dolo eventual. Ainda que assim não fosse, no caso concreto, a denúncia não especifica o dolo imputado, limitando-se ao asseverar que a conduta ocorreu "com dolo de homicídio". 1.3. Haverá lesão corporal seguida de morte se, e somente se, preenchidos dois requisitos: evidenciado que o agente não quis a morte (não atuou com dolo direto de homicídio) ou não assumiu o risco de produzir o resultado (não atuou com dolo eventual). Considerando que a Defesa foi quem levou ao conhecimento dos jurados a tese desclassificatória de homicídio consumado para lesão corporal seguida de morte e que, a apresentação da referida tese de forma completa abarca afastamento da conduta animada pelo dolo eventual, não há que se falar em surpresa ou ofensa ao princípio da amplitude de defesa. Ou seja, se a tese do dolo eventual não foi discutida em plenário, eventual nulidade não poderia ter sido invocada pela Defesa, pois concorreu para tanto, sendo aplicável o art. 565 do CPP. 2. O CPP expressamente não preconiza o cabimento do recurso adesivo, mas sua interposição deve ser admitida no direito processual penal, em aplicação analógica do regramento processual civil, consoante permitido pelo art. 3º do CPP. O recurso adesivo veio ao ordenamento pátrio para solucionar o problema da parte que recorria contra a decisão com a qual concordava, embora tivesse havido a sucumbência recíproca, apenas pelo receio de ver sua situação agravada em eventual recurso da parte adversa. Lembra-se que a voluntariedade é a regra dos recursos em geral no CPP (Art. 574). Destaca-se que o recurso adesivo não é um novo recurso preconizado no CPC, mas sim uma nova sistemática que permite interposição de alguns recursos já admitidos também no direito processual penal mediante um regime jurídico próprio estatuído no art. 997, § 2º, do CPC, no qual não se observa aspecto incompatível com a interposição de recurso adesivo pela Defesa. 2.1. O recurso especial adesivo defensivo foi inadmitido no TJ porque subordinado ao recurso especial principal que também foi inadmitido no TJ. Todavia, tendo a Acusação logrado êxito na análise de seu recurso especial nesta Corte mediante agravo em recurso especial, forçoso concluir que o motivo elencado pelo TJ para inadmitir o recurso especial adesivo defensivo se encontra superado, situação que permite a análise do recurso especial adesivo nesta Corte. 2.2. Quanto à ordem dos quesitos sobre o homicídio consumado, embora fosse caso de formular o quesito a respeito da tese absolutória antes da tese desclassificatória, ausente o prejuízo necessário para reconhecimento de nulidade, pois as duas referidas teses foram respondidas pelos jurados. (Precedentes). 2.3. Quanto à ordem dos quesitos sobre o homicídio tentado, foi observado o regramento disposto no art. 483, § 5º, do CPP, estando justificada a não apresentação do quesito absolutório diante dos jurados terem negado a ocorrência da tentativa de homicídio, o que acarretou a desclassificação e fez cessar a competência deles para continuar o julgamento da causa. 3. "O agravo em recurso especial mostra-se intempestivo, uma vez que interposto fora do prazo de 15 dias, conforme o disposto nos arts. 798 do Código de Processo Penal e 994, VIII, c/c os arts. 1.003, § 5º, e 1.042, todos do Código de Processo Civil" (AgRg no AREsp n. 2.001.346/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 14/3/2022). 4. Em atenção ao rol taxativo do art. 997, § 2º, II, do Código de Processo Civil de 2015 - CPC/2015, descabido o agravo em recurso especial interposto na forma adesiva. 5. Agravo em recurso especial da acusação conhecido. Recurso especial da acusação conhecido e provido para afastar a nulidade reconhecida pelo TJ decorrente da formulação de dois quesitos a respeito do dolo direto e do dolo eventual diante da tese desclassificatória apresentada pela defesa. Recurso especial adesivo defensivo conhecido e desprovido. Agravo em recurso especial defensivo não conhecido. (STJ. AREsp 1.883.314-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 18/11/2022 - Publicado no Informativo nº 757)