STJ. REsp 1.774.649-SP

Enunciado: A Segunda Seção do STJ fixou entendimento no Tema Repetitivo n. 1051 considerando a data do fato gerador do crédito como marco para se estabelecer a sua concursalidade na recuperação judicial. No mencionado precedente, o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva esclareceu que os créditos ilíquidos decorrentes de responsabilidade civil, das relações de trabalho e de prestação de serviços, entre outros, dão ensejo a duas interpretações quanto ao momento de sua existência, que podem ser assim resumidas: (I) a existência do crédito depende de provimento judicial que o declare (com trânsito em julgado), e (II) a constituição do crédito ocorre no momento do fato gerador, pressupondo a existência de um vínculo jurídico entre as partes, o qual não depende de decisão judicial que o declare. Na ocasião, firmou-se a posição de que a segunda linha interpretativa melhor se amoldaria aos princípios e finalidades do procedimento de recuperação judicial, harmonizando os direitos dos credores em relação ao propósito de soerguimento da empresa recuperanda, assegurando tratamento paritário entre os envolvidos, na medida em que, se a existência do crédito dependesse de um provimento jurisdicional que o declarasse, a tramitação de tais procedimentos, poderia colocar pessoas que estivessem em mesma situação fática (a exemplo de vítimas de um evento danoso) submetidas aos efeitos da recuperação judicial, enquanto outras, não. No caso, os fatos geradores dos créditos decorreram de contrato de prestação de serviços de energia elétrica estabelecida com empresa em anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, razão pela qual, tais créditos, se existentes, se submeteriam aos efeitos da recuperação judicial. Contudo, o Tribunal de origem assentou que os documentos destinados à habilitação de crédito não faziam prova do crédito, entendendo pela necessidade de discussão em Juízo arbitral, ante a existência de cláusula compromissória nesse sentido, a fim de apurar a própria existência do crédito e respectivos valores. Nesse sentido, o STJ já se posicionou, acerca da irrelevância da concursalidade ou extraconcursalidade para fins de definição de competência do Juízo recuperacional, uma vez que essa se estabelece apenas quanto a prática ou o controle de atos de execução de créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial, cabendo ao Juízo cognitivo (seja ele arbitral ou judicial) a apreciação da existência, eficácia ou validade da relação jurídica estabelecida entre as partes. Assim, verifica-se que a discussão sobre a existência do débito e seus valores, por si só, não afastam a competência do Juízo recuperacional quanto à análise dos atos de execução de créditos, até porque sequer influem na competência cognitiva considerada que, no caso, é pertencente ao Juízo arbitral.

Tese Firmada: É possível suspender a habilitação de crédito até que se resolva a controvérsia quanto à existência dele, bem como a seu respectivo valor em juízo arbitral, em observância à cláusula compromissória estabelecida entre as partes.

Questão Jurídica: Pedido de habilitação de crédito. Controvérsia acerca da existência do crédito e apuração de seu quantum devido. Reconhecimento da existência de cláusula compromissória arbitral. Suspensão da habilitação do crédito sob a pendência de apuração no Juízo arbitral.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO E DIREITO A VOTO EM ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO DE CRÉDITO DE AMAPARI, DETERMINADA PELO TJSP. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 49 DA LEI 11.101/2005. INOCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. CONTROVÉRSIA SOBRE A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO E APURAÇÃO DO QUANTUM DEVIDO. ANÁLISE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº 5 E 7, DO STJ. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE AO VALOR SUPOSTAMENTE INCONTROVERSO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 282, DO STF. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A Segunda Seção desta Corte, fixou entendimento no tema repetitivo 1.051, considerando a data do fato gerador do crédito, como marco para se estabelecer a sua concursalidade na recuperação judicial. 3. Alegação de que os fatos geradores dos créditos decorreram de relação jurídica estabelecida com a empresa recuperanda nos anos de 2013 e 2014, anteriores, portanto, ao pedido de recuperação judicial que data de 28/8/2015. Possibilidade de, ao menos em tese, tais créditos se submeterem aos efeitos da recuperação judicial. 4. Controvérsia, contudo, acerca da própria existência do crédito e respectivos valores. 5. Reconhecimento pelo TJSP, soberano na análise fática-probatória, que os documentos acostados à Habilitação de Crédito ora impugnada não fazem prova do crédito, entendendo pela necessidade de discussão em Juízo arbitral, ante a existência de cláusula compromissória nesse sentido. 6. A alteração das conclusões do acórdão recorrido exige a análise do contrato firmado entre as partes e reapreciação do acervo fático-probatório da demanda, o que encontra óbice nas Súmulas nº 5 e 7, do STJ. 7. Pedido de habilitação quanto ao valor incontroverso que não foi objeto de deliberação pelo TJSP. Ausência de prequestionamento. Aplicação analógica da Súmula 282, STF. 8. Cabível, portanto, a diligente determinação de suspensão da habilitação de crédito e o indeferimento do direito ao voto de AMAPARI, na assembleia geral de credores, até que se resolva a controvérsia quanto a existência do crédito e respectivo valor, perante o Juízo arbitral, nos termos do bem lançado acórdão recorrido, de relatoria do Desembargador HAMID BDINE. 9. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.774.649-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 3/11/2022 - Publicado no Informativo nº 759)