STJ. REsp 1.796.534-RJ

Enunciado: A controvérsia consiste em definir se o advogado, titular de honorários sucumbenciais arbitrados em demanda na qual atuou como representante de uma das partes, pode penhorar parte dos valores depositados como caução pelo cliente, nos termos do art. 804 do CPC/1973 (§ 1° do art. 300 do CPC/2015). Na sistemática processual pátria, é certo que o instituto da caução, por vezes, é forma de viabilizar o exercício do direito de ação, ao mesmo tempo em que resguarda o direito da parte contrária e de seus procuradores de receberem as custas e os honorários sucumbenciais, caso seja essa última vencedora. Noutro ponto, sob o mesmo viés garantidor, nas hipóteses em que haja requerimento de uma tutela provisória cautelar, pode ser exigida a prestação de caução, a fim de preservar, nesse caso, o ressarcimento de eventuais danos advindos da execução da providência antecipada. Isso, porque, se por um lado, a proteção cautelar visa garantir utilidade ao processo principal na promoção da escorreita composição da lide, em certas ocasiões, a concessão da medida pode significar risco de prejuízo para aquele que suportará a tutela. Nesse sentido, leciona a doutrina que, para a execução de medida antecipatória/acautelatória, mesmo quando se tratar de provimento de natureza reversível, há o dever de salvaguardar o núcleo essencial do direito fundamental à segurança jurídica do réu; "não fosse assim, o perigo de dano não teria sido eliminado, mas apenas deslocado da esfera do autor para a do demandado". Em casos como o cogitado no parágrafo antecedente, a caução se revela como medida de contracautela, porque visa, essencialmente, "a ressarcir os danos que a concessão da medida acautelatória possa vir a causar ao réu ou requerido (CPC, arts. 799 e 804); nesse caso, ela possui inequívoca função de contracautela - o que já não ocorre com a referida no art. 805 do mesmo Código, que, como dissemos, é prestada pelo réu com o objetivo de substituir a providência acautelatória outorgada em benefício do autor". Acerca do assunto, em voto proferido no REsp 1.340.236/SP, em julgamento sob o rito repetitivo, foi salientado que a cautela é poder implícito da jurisdição, de modo que a prestação jurisdicional seja realizada de modo adequado, evitando sentenças tardias ou providências inócuas, que redundariam no descrédito e, em muitos casos, na inutilidade da própria justiça; por isso as medidas de natureza cautelar "servem, na verdade, ao processo e não ao direito da parte. Visam dar eficiência e utilidade ao instrumento que o Estado engendrou para solucionar os conflitos de interesse entre os cidadãos". Quanto ao ponto, no julgamento do REsp 1.548.749/RS, restou consignado que eventuais danos causados pela execução da tutela antecipada (assim também a tutela cautelar e a execução provisória) são disciplinados pelo sistema processual à revelia da indagação de culpa ou má-fé da parte. Conforme decidido no âmbito da Terceira Turma, no julgamento do REsp 55.870/SP, "A própria literalidade da norma releva a finalidade ressarcitória da caução. Vale dizer, ela não tem o propósito de saldar eventual débito objeto do litígio na hipótese de improcedência do pedido formulado pelo autor. Tanto é assim que o réu somente terá direito à indenização se comprovar o dano e o nexo de causalidade entre a execução da tutela de urgência o prejuízo alegado". Com efeito, basta a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo para que sejam aplicados os arts. 273, § 3º, 475-O, incisos I e II, e art. 811 (arts. 297, parágrafo único, 520, I e II, e 302 do CPC/2015). Cuida-se de responsabilidade processual objetiva, conforme há muito constatado por doutrinadores e entendimentos jurisprudenciais. Como já assentado pela doutrina e jurisprudência, para efeito da responsabilidade a que se refere, não se deve confundir o pleito ilícito com o pedido injusto. A obrigação de indenizar por dano causado por execução de tutela cautelar decorre somente dos ônus ou riscos inerentes à própria antecipação. Se a cautelar não se confirma devido à extinção do processo principal, surge o dever de responder pelo prejuízo. Não importa se a cautelar era pertinente e se havia requisitos autorizadores para sua concessão. Dessarte, há de se reconhecer a possibilidade de o advogado, para satisfação de seu crédito (horários sucumbenciais), penhorar valores caucionados por seu cliente como medida de contracautela, de natureza ressarcitória, mormente porque estes são reservados à satisfação dos danos eventualmente causados à parte que suportou os efeitos da medida cautelar executada.

Tese Firmada: É possível que o advogado penhore parte dos valores depositados como caução por seu cliente, a título de contracautela, para satisfação de seu crédito (honorários sucumbenciais).

Questão Jurídica: Honorários sucumbenciais. Execução. Penhora de valor depositado a título de caução pelo cliente do causídico. Depósito realizado a título de contracautela. Ressarcimento de eventuais danos advindos da execução da providência antecipada. Valores que não mais pertencem ao cliente do causídico. Possibilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. SUSTAÇÃO DE PROTESTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. EXECUÇÃO INTENTADA PELO ADVOGADO. CAUÇÃO PARA EFETIVAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. CONTRACAUTELA. FUNÇÃO RESSARCITÓRIA DOS DANOS EVENTUALMENTE SOFRIDOS PELA PARTE QUE SUPORTOU A MEDIDA. NA HIPÓTESE, POSSIBILIDADE DE PENHORA DOS VALORES CAUCIONADOS, POR INEXISTÊNCIA DE DANOS A SEREM COMPENSADOS PELA CAUÇÃO. 1. Os honorários advocatícios constituem direito do advogado e por terem natureza alimentar gozam dos mesmos privilégios dos créditos trabalhistas, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial (art. 85, § 14, CPC). 2. A sentença de mérito constitui duas relações jurídicas: a do vencedor em face do vencido e a deste com o advogado da parte adversa. Na primeira, estará o vencido obrigado a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em favor do vencedor. Na segunda, o vencido deverá arcar com os honorários sucumbenciais em favor dos advogados da parte vencedora. 3. É possível que o advogado da parte vencedora promova, de maneira autônoma, o cumprimento de sentença, ou a execução, do crédito sucumbencial de que é titular. 4. Nos casos em que há pedido de tutela provisória cautelar, a exigência de caução para o deferimento da medida requerida tem por objetivo ressarcir eventuais danos que a concessão possa causar ao requerido (natureza de contracautela), e não o de saldar eventual débito objeto do litígio, quando improcedente o pedido do autor. 5. Na sustação de protesto, se o pleito ocorrer entre o apontamento do título e a lavratura do protesto, a tutela vindicada tem natureza cautelar, servindo como garantia do resultado do processo. Assim, os valores depositados a título de caução serão reservados à satisfação dos danos eventualmente causados àquele que suportou os efeitos da medida cautelar executada. 6. No caso dos autos, não houve notícia de danos causados pela efetivação da medida cautelar e, por isso, é perfeitamente possível que os valores depositados como caução sejam penhorados para a satisfação do crédito dos horários sucumbenciais. 7. A distribuição do produto da expropriação deve respeitar a seguinte ordem de preferência: em primeiro lugar, a satisfação dos créditos cuja preferência funda-se no direito material; na sequência - ou quando inexistente crédito privilegiado -, a satisfação dos créditos comuns, que observará a anterioridade de cada penhora. 8. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.796.534-RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 13/12/2022 - Publicado no Informativo nº 761)