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STJ. REsp 1.580.446-RJ
Enunciado: No comércio atacadista de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos - produtos sujeitos à vigilância sanitária, nos termos da Lei n. 6.360/1976 -, a atividade empresarial de distribuição apresenta certas peculiaridades, notadamente em razão da intensa regulação estatal incidente sobre tais produtos e os agentes do mercado que com eles operam. Ademais, todos os agentes econômicos integrantes dessa relação comercial devem se submeter aos preços máximos de venda dos medicamentos - "preço fábrica" ou "preço máximo ao consumidor" -, o que implica a limitação do repasse de custos entre os participantes da cadeia de distribuição, assim como a redução das respectivas margens de lucro. Na cadeia de relações jurídicas que culminam com a cobrança e posterior repasse do pagamento de tarifa de emissão de boleto bancário, as distribuidoras (comerciantes atacadistas) adquirem os produtos da indústria farmacêutica (laboratórios e importadoras) e, posteriormente, atuam na logística de disponibilização - armazenagem, controle de estoque, organização e realização do fluxo de distribuição, transporte e venda - dos medicamentos para as farmácias e drogarias (comerciantes varejistas), que constituem o principal canal de acesso aos fármacos pela população brasileira. Uma vez firmado o contrato de compra e venda mercantil - integrante da relação de distribuição de produtos farmacêuticos -, a obrigação essencial das atacadistas (vendedoras) consistirá na "entrega dos medicamentos" (transferência efetiva do domínio) em determinado prazo, ao passo que incumbirá às varejistas (compradoras) o pagamento do preço avençado. Nos termos do artigo 325 do Código Civil, a obrigação das compradoras não se resume ao pagamento do preço, presumindo-se a sua responsabilidade pelas "despesas com o pagamento e a quitação", salvo em se tratando de despesa excepcional decorrente de fato imputável ao credor. À luz do Código Civil de 2002, a chamada tarifa de emissão de boleto bancário caracteriza despesa decorrente da oferta deste meio de pagamento às varejistas (compradoras), revelando-se razoável que lhes seja imputada. Além disso, a vedação de cobrança de tarifa de emissão de boleto consubstancia comando dirigido unicamente às instituições financeiras, que não podem exigir de seus clientes (pessoas, físicas ou jurídicas, com as quais mantenha vínculo negocial não esporádico) a remuneração de serviço sem respaldo em prévia contratação nem obter valores, a esse título, diretamente do sacado. Não há falar, contudo, em limitação à liberdade negocial de sociedades empresárias, que, no âmbito de relação mercantil, convencionem a transferência, para as adquirentes de produtos farmacêuticos (varejistas), do custo suportado pela vendedora (distribuidora) com a oferta de meio de pagamento favorável ao desenvolvimento eficiente das atividades das partes, ambas integrantes da cadeia de distribuição de medicamentos. Nesse mesmo diapasão, destaca-se a tese firmada, à unanimidade, pela Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.515.640/SP, no sentido de que, seja à luz do artigo 325 do Código Civil, seja em face dos limites de atuação do Conselho Monetário Nacional, não caracteriza abuso do poder econômico, violação à boa-fé ou aos bons costumes o repasse, pelas distribuidoras de medicamentos (atacadistas), da tarifa de emissão de boletos bancários às drogarias e farmácias (varejistas). Por fim, registra-se que a criação do Pix revolucionou não apenas o mercado financeiro, mas também os usos e costumes próprios das relações jurídicas empresariais, que deverão se adequar ao novo cenário, modernizando-se e aprimorando-se com vista a otimizar a busca pelo lucro e pela acumulação de riquezas, finalidade principal do sistema econômico capitalista que ora vivenciamos.
Tese Firmada: É cabível o repasse da despesa relativa à tarifa de emissão de boletos bancários feito pela distribuidora de medicamentos às drogarias e farmácias.
Questão Jurídica: Distribuidora de medicamentos. Drogarias e Farmácias. Tarifa de emissão de boleto bancário. Repasse. Legalidade.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER AJUIZADA POR SINDICATO DE VAREJISTAS DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS CONTRA AS DISTRIBUIDORAS (ATACADISTAS) VISANDO À PROIBIÇÃO DO REPASSE DA DESPESA RELATIVA AO PAGAMENTO DAS COMPRAS E VENDAS MEDIANTE BOLETO BANCÁRIO. 1. A relação jurídica instaurada entre a distribuidora de medicamentos e as farmácias e drogarias tem natureza de contrato empresarial, sendo, portanto, disciplinada pelo Direito Civil, e não pelas normas protetivas do Direito do Consumidor, por não se vislumbrar, ao menos na hipótese, parte em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional. 2. Consoante incontroverso nos autos, era prática usual (e reiterada), no âmbito da cadeia de distribuição de medicamentos, que o pagamento efetuado pelas varejistas para a aquisição dos produtos a serem revendidos ao consumidor final ocorresse por meio de boleto bancário, emitido por instituição financeira em favor da comerciante atacadista. 3. Mediante a utilização de software eletrônico que, de forma instantânea, possibilitava o recebimento de pedidos de compras on-line , a distribuidora emitia uma "duplicata virtual", com o preenchimento de formulário disponibilizado pela instituição financeira, que gerava um boleto bancário, posteriormente remetido (acompanhado dos produtos) às farmácias e drogarias para o devido pagamento. 4. Nos boletos, a atacadista figurava como "cedente" (credora da obrigação) e as varejistas como "sacadas", sendo exigido, destas últimas, o valor de R$ 1,39 (um real e trinta e nove centavos) a título de "tarifa de cobrança". A distribuidora, portanto, transferia parte do custo convencionado com a instituição financeira para liquidação de cada boleto (R$ 1,55 - um real e cinquenta e cinco centavos), sobejando-lhe a obrigação de arcar com R$ 0,16 (dezesseis centavos) por documento. 5. À luz do disposto no artigo 325 do Código Civil incidente em relações jurídicas paritárias como a dos autos , a obrigação das compradoras não se resume ao pagamento do preço, presumindo-se a sua responsabilidade pelas "despesas com o pagamento e a quitação", salvo em se tratando de despesa excepcional decorrente de fato imputável ao credor. 6. Nesse quadro, a chamada tarifa de emissão de boleto bancário caracteriza despesa decorrente da oferta desse meio de pagamento às varejistas (compradoras), revelando-se razoável que lhes seja imputada. Precedente da Terceira Turma. Superação de julgado anterior (em sentido contrário) no qual não se debateu a citada norma do Codex Civil por falta de prequestionamento. 7. Tal exegese não confronta com resoluções do Conselho Monetário Nacional, cujas normas se dirigem, unicamente, às instituições financeiras, que não podem exigir de seus clientes (pessoas, físicas ou jurídicas, com as quais mantenham vínculo negocial não esporádico) a remuneração de serviço sem respaldo em prévia contratação nem obter valores, a esse título, diretamente do sacado. 8. Outrossim, ressalvada situação flagrante de onerosidade excessiva não constatada no caso em que a regulação estatal do setor atinge de forma mais intensa a distribuidora , deve-se prestigiar a liberdade negocial (corolária da autonomia privada) de sociedades empresárias que, no âmbito de relação mercantil, convencionem a transferência, para as adquirentes de produtos farmacêuticos (varejistas), do custo suportado pela vendedora com a oferta de meio de pagamento favorável ao desenvolvimento eficiente das atividades das partes, ambas integrantes da cadeia de distribuição de medicamentos. 9. Na espécie, tendo em vista os usos e costumes do segmento empresarial e as práticas adotadas, de longa data, pelas partes, encontram-se presentes os requisitos para que o silêncio reiterado das varejistas sobre a adoção dos boletos bancários e o repasse do respectivo custo seja considerado manifestação de vontade apta a produção de efeitos jurídicos, vale dizer: seja atestada a existência de consenso em relação à forma de pagamento das "mercadorias" e à cobrança de tarifa. 10. Isso porque: (i) configurado o comportamento negativo das farmácias e drogarias, que, por mais de dez anos, pagaram os boletos bancários sem manifestar qualquer insurgência contra tal modalidade de adimplemento e a respectiva tarifa que lhes era cobrada; (ii) inexiste controvérsia sobre o fato de ser prática corriqueira do segmento empresarial a comercialização mediante boletos bancários com o escopo de otimizar a logística de distribuição de medicamentos, cuja relevância pública decorre da Constituição de 1988 e da Portaria 802/98 do Ministério da Saúde; (iii) também é incontroversa a habitualidade das negociações celebradas entre a atacadista e as varejistas com a utilização da citada forma de pagamento; (iv) cabia às compradoras sociedades empresárias cuja vulnerabilidade não se reconheceu nos autos apresentar resistência contra o modo de adimplemento ofertado durante os longos anos da relação contratual, merecendo destaque o fato de ter sido pleiteada na inicial a manutenção do pagamento via boleto bancário, havendo apenas objeção acerca do repasse da tarifa; e (v) revela-se evidente a convicção da atacadista sobre a adesão das varejistas quanto às cobranças efetuadas, na medida em que beneficiadas com a agilidade da forma de pagamento e a consequente pronta entrega dos produtos, entre outras facilidades que lhes eram ofertadas. 11. Em resumo, portanto, não há falar em abuso de poder econômico da atacadista cuja margem de lucro é bem inferior à das varejistas, sobre as quais não recai obrigação excessivamente onerosa nem violação à cláusula geral de boa-fé objetiva. 12. Recurso especial provido para julgar improcedente a pretensão deduzida na inicial. (STJ. REsp 1.580.446-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/02/2021. - Publicado no Informativo nº 686)