STJ. REsp 1.913.236-MT

Enunciado: Vale ressaltar que para reconhecer a impenhorabilidade nos termos do art. 833, VIII, do CPC/2015, é imperiosa a satisfação de dois requisitos, a saber: (i) que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei, e (ii) que seja explorado pela família. Até o momento, não há uma lei definindo o que seja pequena propriedade rural para fins de impenhorabilidade. Diante da lacuna legislativa, a jurisprudência tem tomado emprestado o conceito estabelecido na Lei n. 8.629/1993, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária. Em seu artigo 4º, II, alínea "a", atualizado pela Lei n. 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural "de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento". A Terceira Turma desta Corte, na vigência do CPC/1973, orientava-se no sentido de que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor tinha o ônus de comprovar que além de pequena, a propriedade destinava-se à exploração familiar. Ademais, como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC/2015) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado. Demais disso, o art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família. Com efeito, a ausência de comprovação de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade. Além disso, a Lei n. 7.513/1986, responsável pela inclusão do inciso X ao art. 649 do CPC/1973, exigia expressamente que o imóvel rural constrito fosse o único bem do devedor. Ocorre que a Lei n. 11.382/2006, responsável pela alteração do antigo diploma processual, já não mais previa esse requisito. As legislações constitucional e infraconstitucional que se seguiram nada referem, também, acerca da necessidade de o bem penhorado ser o único imóvel de propriedade do executado. Disso se extrai que ser proprietário de um único imóvel não é pressuposto para o reconhecimento da impenhorabilidade com base na previsão do art. 833, VIII, do CPC/2015. Por fim, a orientação consolidada desta Corte é no sentido de que o oferecimento do bem em garantia hipotecária não afasta a proteção da impenhorabilidade, haja vista se tratar de norma de ordem pública, inafastável pela vontade das partes.

Tese Firmada: Para a proteção da impenhorabilidade da pequena propriedade rural é ônus do executado comprovar que o imóvel é explorado pela família, prevalecendo a proteção mesmo que tenha sido dado em garantia hipotecária ou não se tratando de único bem do devedor.

Questão Jurídica: Pequena propriedade rural. Impenhorabilidade. Art. 833, VIII, do CPC/2015. Bem explorado pela família. Ônus da prova do executado. Única propriedade. Desnecessidade. Garantia hipotecária. Não afastamento da proteção.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE. ÔNUS DA PROVA DO EXECUTADO DE QUE O BEM CONSTRITO É TRABALHADO PELA FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EXPLORAÇÃO FAMILIAR. DESNECESSIDADE DE O IMÓVEL PENHORADO SER O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO EXECUTADO. JULGAMENTO: CPC/2015. 1. Ação de execução de título extrajudicial proposta em 24/09/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 22/06/2020 e atribuído ao gabinete em 25/11/2020. 2. O propósito recursal consiste em definir sobre qual das partes recai o ônus da prova de que a pequena propriedade rural é trabalhada pela família e se a proteção da impenhorabilidade subsiste mesmo que o imóvel tenha sido dado em garantia hipotecária. 3. Para reconhecer a impenhorabilidade nos termos do art. 833, VIII, do CPC/2015, é imperiosa a satisfação de dois requisitos, a saber: (i) que o imóvel se qualifique como pequena propriedade rural, nos termos da lei, e (iii) que seja explorado pela família. Até o momento, não há uma lei definindo o que seja pequena propriedade rural para fins de impenhorabilidade. Diante da lacuna legislativa, a jurisprudência tem tomado emprestado o conceito estabelecido na Lei 8.629/1993, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária. Em seu artigo 4ª, II, alínea "a", atualizado pela Lei 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural "de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento". 4. Na vigência do CPC/73, esta Terceira Turma já se orientava no sentido de que, para o reconhecimento da impenhorabilidade, o devedor tinha o ônus de comprovar que além de pequena, a propriedade destinava-se à exploração familiar (REsp 492.934/PR; REsp 177.641/RS). Ademais, como regra geral, a parte que alega tem o ônus de demonstrar a veracidade desse fato (art. 373 do CPC/2015) e, sob a ótica da aptidão para produzir essa prova, ao menos abstratamente, é certo que é mais fácil para o devedor demonstrar a veracidade do fato alegado. Demais disso, art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família. 5. A ausência de comprovação de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade. 6. Ser proprietário de um único imóvel rural não é pressuposto para o reconhecimento da impenhorabilidade com base na previsão do art. 833, VIII, do CPC/2015. A imposição dessa condição, enquanto não prevista em lei, é incompatível com o viés protetivo que norteia o art. 5º, XXVI, da CF/88 e art. 833, VIII, do CPC/2015. 7. A orientação consolidada desta Corte é no sentido de que o oferecimento do bem em garantia não afasta a proteção da impenhorabilidade, haja vista que se trata de norma de ordem pública, inafastável pela vontade das partes 8. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico e a demonstração da similitude fática entre o acórdão recorrido e os acórdãos paradigmas. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (STJ. REsp 1.913.236-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/03/2021 - Publicado no Informativo nº 689)