STJ. REsp 1.909.451-SP

Enunciado: A apelação visa à obtenção de novo pronunciamento sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. Nessa extensão, conforme a doutrina, "as questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal". Esse recurso é interposto contra sentença (art. 1.009,caput, CPC/2015), podendo compreender todos, ou apenas alguns, itens ou capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente na interposição do apelo, limitando, assim, a atuação do órgãoad quemna solução do mérito recursal. O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo o órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (art. 1.013, § 1º, do CPC/2015). Assim, o efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem. Dentro do âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o acórdão deverá se limitar a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante, para que não haja ofensa ao princípio da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido. Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, e que eventualmente a reforma pudesse significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa julgada. Assim, não há se pensar em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata. Ademais, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora estabelecido pelo recorrente - mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem pública -, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a efetividade do contraditório. Cumpre acrescentar, por oportuno, outro viés impeditivo do julgamento pelo órgão ad quem fora dos limites apresentado pelo autor do recurso, sem que haja respeito ao contraditório. É que, ainda que se pretenda valer-se da teoria da causa madura, prestigiada de modo explícito no § 3º do art. 1.013 do CPC/2015, a falta do contraditório acerca da questão decidida se apresentaria como barreira ao próprio cumprimento daquela teoria. Conforme nos ensina a doutrina, para considerar-se madura a causa não basta, por exemplo, que a questão de mérito a ser decidida seja apenas de direito. "Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o Tribunal enfrenta-lo no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada de debater a questão de mérito. Estar o processo em condições de imediato julgamento significa, em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório"

Tese Firmada: A extensão do efeito devolutivo da apelação é definida pelo pedido do recorrente e qualquer julgamento fora desse limite não pode comprometer a efetividade do contraditório, ainda que se pretenda aplicar a teoria da causa madura.

Questão Jurídica: Apelação. Art. 1.013 do CPC/2015. Efeito devolutivo. Extensão. Pedido recursal. Capítulo não impugnado. Trânsito em julgado. Proibição de reformatio in pejus. Contraditório. Indispensabilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. ART. 1.013. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO DA DEVOLUTIVIDADE DETERMINADA PELO PEDIDO RECURSAL. CAPÍTULO NÃO IMPUGNADO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. CONTRADITÓRIO. INDISPENSABILIDADE. NÃO ACEITAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DA "DECISÃO-SURPRESA". 1. A apelação é interposta contra sentença, podendo compreender todos ou apenas alguns capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente em sua petição, que vincula a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal. 2. O efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem. 3. No âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o acórdão deverá limitar-se a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante, para que não haja ofensa aos princípios da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido. 4. O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (§ 1º do art. 1.013 do CPC/2015). 5. Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, podendo a reforma eventualmente significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa julgada. Assim, não há pensar-se em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata. 6. Ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo, desde logo, o mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau manifestação acerca das questões. Considera-se o processo em condições de imediato julgamento apenas se ambas as partes tiveram oportunidade adequada de debater a questão de mérito que será analisada pelo tribunal. 7. A utilização pelo juiz de elementos estranhos ao que se debateu no processo produz o que a doutrina e os tribunais, especialmente os europeus, chamam de "decisão-surpresa", considerada inadmissível, tendo em conta a compreensão atual do contraditório. 8. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.909.451-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/03/2021. - Publicado no Informativo nº 690)