STJ. AgInt no AREsp 1.635.968/PR

Enunciado: Registra-se, inicialmente, que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1.633.399/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/11/2016, DJe 01/12/2016). Conquanto a duplicata seja causal apenas na sua origem/emissão, sua circulação - configurada após o aceite do sacado, ou, na sua falta, pela comprovação do negócio mercantil subjacente e o protesto - rege-se pelo princípio da abstração, desprendendo-se de sua causa original, sendo por isso inoponíveis exceções pessoais a terceiros de boa-fé, como a ausência da entrega das mercadorias compradas. Ademais, o endosso-caução tem por finalidade garantir, mediante o penhor do título, obrigação assumida pelo endossante perante o endossatário, que desse modo assume a condição de credor pignoratício do endossante. Verificado o cumprimento da obrigação por parte do endossante, o título deve ser-lhe restituído pelo endossatário, por isso não havendo, ordinariamente, propriamente a transferência do crédito representado pelo título. No entanto, é preciso ressaltar que o endossatário pignoratício é detentor dos direitos emergentes do título, não podendo os coobrigados invocar contra ele exceções fundadas sobre relações pessoais com o endossante, pois esse, "apesar de ser ainda o proprietário do título, transmitiu os direitos emergentes do mesmo ao endossatário, como acontece no endosso comum". Ademais, não se pode ignorar que a "quitação regular de débito estampado em título de crédito é a que ocorre com o resgate da cártula - tem o devedor, pois, o poder-dever de exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o art. 324 do Código Civil, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor" (REsp 1.236.701/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05/11/2015, DJe 23/11/2015). Por outro lado, o art. 905 do CC, caput, estabelece que o possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor, e o parágrafo único estipula que a prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente. Portanto, é temerário para o direito cambial, para a circulação dos títulos de crédito, que se admita a quitação de crédito cambial, sem a exigência do resgate da cártula, notadamente se ensejar prejuízo a terceiro de boa-fé.

Tese Firmada: O terceiro de boa-fé, endossatário, em operação de endosso-caução, não perde seu crédito de natureza cambial em vista da quitação feita ao endossante (credor originário), sem resgate da cártula.

Questão Jurídica: Duplicata. Endosso-caução. Quitação ao endossante. Não cabimento. Resgate da cártula. Indispensabilidade.

Ementa: AGRAVO INTERNO. DIREITO CAMBIÁRIO. ENDOSSO-CAUÇÃO. AMPLA CIRCULAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO, CONFERINDO AOS TERCEIROS DE BOA-FÉ SEGURANÇA JURÍDICA. INTERESSE SOCIAL E ECONÔMICO. CONFUSÃO ENTRE O INSTITUTO CAMBIÁRIO DO ENDOSSO E O CIVILISTA DA CESSÃO DE CRÉDITO. DESCABIMENTO. ACEITE. DECLARAÇÃO CAMBIAL, TORNANDO O SACADO DEVEDOR PRINCIPAL DA DUPLICATA. ENDOSSATÁRIO PIGNORATÍCIO. DETENTOR DOS DIREITOS EMERGENTES DO TÍTULO, NÃO PODENDO COOBRIGADOS INVOCAR EXCEÇÕES FUNDADAS EM RELAÇÕES PESSOAIS. QUITAÇÃO REGULAR DE DÉBITO DE NATUREZA CAMBIAL. RESGATE DA CÁRTULA. NECESSIDADE. 1. A normatização de regência busca proteger o terceiro adquirente de boa-fé para facilitar a circulação do título crédito, pois o interesse social visa proporcionar a sua ampla circulação, constituindo a inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor a mais importante afirmação do direito moderno em favor de sua negociabilidade. 2. Na exordial dos embargos à execução, o executado aduziu que não reconhece a higidez da duplicata que aparelha a ação principal, pois o crédito referente à relação fundamental foi quitado por ele diretamente à sacadora. Contudo, à luz do art. 903 do CC, as normas especiais que regem os títulos de crédito prevalecem, e não se pode baralhar, para a solução de questão concernente ao endosso e ao aceite, esses institutos de direito cambiário com o instituto civilista da cessão de crédito, ignorando princípios caros ao direito cambiário (autonomia, abstração, cartularidade, literalidade e inoponibilidade de exceções pessoais). 3. Como a duplicata tem aceite, o art. 15 da Lei n. 5.474./1968 estabelece que a cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, não havendo necessidade de nenhum outro documento, além do título. E o art. 25 esclarece que aplicam-se à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio. 4. Havendo aceite, o aceitante se vincula à duplicata, afastada a possibilidade de investigação do negócio causal. Conquanto a duplicata seja causal apenas na sua origem/emissão, sua circulação - após o aceite do sacado ou, na sua falta, pela comprovação do negócio mercantil subjacente e do protesto - rege-se pelo princípio da abstração, desprendendo-se de sua causa original, sendo por isso inoponíveis exceções pessoais a terceiros de boa-fé, como ausência de entrega da mercadoria ou de prestação de serviços, ou mesmo quitação ao credor originário. Precedentes. 5. No tocante à operação de endosso-caução, também denominado endosso-pignoratício, o art. 19 da LUG estabelece que, quando o endosso contém a menção "valor em garantia", "valor em penhor" ou qualquer outra menção que implique uma caução, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas um endosso feito por ele só vale como endosso a título de procuração. Os coobrigados não podem invocar contra o portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais deles com o endossante, a menos que o portador, ao receber a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor. 6. O endosso-caução tem por finalidade garantir, mediante o penhor do título, obrigação assumida pelo endossante perante o endossatário, que desse modo assume a condição de credor pignoratício do endossante. Verificado o cumprimento da obrigação por parte do endossante, o título deve ser-lhe restituído pelo endossatário, não havendo, por isso, ordinariamente, a própria transferência da titularidade do crédito. No entanto, apesar de permanecer proprietário, o endossante transmite os direitos emergentes do título, como ocorre no endosso comum, aplicando-se o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao endossatário. 7. Não há insegurança para os devedores, pois não se pode ignorar que a "quitação regular de débito estampado em título de crédito é a que ocorre com o resgate da cártula - tem o devedor, pois, o poder-dever de exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o art. 324 do Código Civil, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor firma a presunção de pagamento)" (REsp n. 1.236.701/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 5/11/2015, DJe 23/11/2015). 8. Agravo interno provido. (STJ. AgInt no AREsp 1.635.968/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 06/04/2021. - Publicado no Informativo nº 691)