STJ. REsp 1.846.502/DF

Enunciado: Na hipótese de cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deve ser permitido que os empregados ou ex-empregados migrem para planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a operadora comercialize esses planos. Nesse sentido são os arts. 1º e 3º da Res. CONSU n. 19/1999, que disciplinaram a absorção do universo de consumidores pelas operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde que operam ou administram planos coletivos que vierem a ser liquidados ou encerrados. Além disso, não é ilegal a recusa de operadoras de planos de saúde de comercializarem planos individuais por atuarem apenas no segmento de planos coletivos. Com efeito, não há norma alguma que as obrigue a atuar em determinado ramo de plano de saúde. Por outro lado, ainda não pode ser aplicada, por analogia, a regra do art. 30 da Lei n. 9.656/1998, na tentativa de conciliar o dever de proteção ao consumidor com o direito da operadora de rescindir unilateralmente a avença coletiva e que não oferece, em contrapartida, plano na modalidade individual ou familiar. É que a aplicação da analogia somente é viável quando houver vácuo normativo (art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), o que não é a situação analisada. Além disso, mesmo se houvesse omissão normativa, o art. 30 da Lei n. 9.656/1998 - que regula o direito de manutenção, como beneficiário, de ex-empregado demitido sem justa causa em plano de saúde coletivo - não guarda ressonância com a hipótese sob exame. Isso porque, no caso, o plano coletivo foi extinto, não existindo mais fática e juridicamente, ao passo que na situação evidenciada pelo dispositivo legal em apreço, o ex-empregado pode permanecer na apólice grupal empresarial ainda em vigência. Ressalta-se que a exploração da assistência à saúde pela iniciativa privada também possui raiz constitucional (arts. 197 e 199, caput e § 1º, da CF), merecendo proteção não só o consumidor, mas também a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (arts. 1º, IV, 170, IV e parágrafo único, e 174 da CF). Desse modo, devem ser sopesados tanto os direitos do consumidor quanto os das empresas, não havendo superioridade de uns sobre os outros. Assim, inclusive conforme prevê o art. 35-G da Lei n. 9.656/1998, a legislação consumerista incide subsidiariamente nos planos de saúde. Logo, esses dois instrumentos normativos devem ser aplicados de forma harmônica nesses contratos relacionais, mesmo porque lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida, ou seja, visam ajudar o usuário a suportar riscos futuros envolvendo a sua higidez física e mental, assegurando o devido tratamento médico.

Tese Firmada: A operadora não pode ser obrigada a oferecer plano individual a usuário de plano coletivo extinto se ela não disponibiliza no mercado tal modalidade contratual.

Questão Jurídica: Plano de saúde coletivo empresarial. Resilição unilateral. Legalidade. Inconformismo. Usuário. Plano Individual. Migração. Impossibilidade. Modalidade não comercializada.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. OPERADORA. RESILIÇÃO UNILATERAL. LEGALIDADE. INCONFORMISMO. USUÁRIO. PLANO INDIVIDUAL. MIGRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MODALIDADE. NÃO COMERCIALIZAÇÃO. PORTABILIDADE DE CARÊNCIAS. ADMISSIBILIDADE. BENEFICIÁRIO. TRATAMENTO MÉDICO. FINALIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. NORMAS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. As questões controvertidas nestes autos são: a) se ocorreu negativa de prestação jurisdicional pela Corte de origem no julgamento dos embargos de declaração; b) se, em plano de saúde coletivo extinto, a operadora deve continuar a custear os tratamentos ainda não concluídos de beneficiários e c) se a operadora que rescindiu unilateralmente plano de saúde coletivo empresarial possui a obrigação de fornecer aos usuários, em substituição, planos na modalidade individual, mesmo na hipótese de não os comercializar. 3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 4. Quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deve ser permitido aos empregados ou ex-empregados migrarem para planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a operadora comercialize tais modalidades de plano (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU nº 19/1999). 5. A operadora não pode ser obrigada a oferecer plano individual a usuário de plano coletivo extinto se ela não disponibiliza no mercado tal modalidade contratual (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU nº 19/1999). Inaplicabilidade, por analogia, da regra do art. 30 da Lei nº 9.656/1998. 6. A exploração da assistência à saúde pela iniciativa privada também possui raiz constitucional (arts. 197 e 199, caput e § 1º, da CF), merecendo proteção não só o consumidor (Súmula nº 469/STJ), mas também a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (arts. 1º, IV, 170, IV e parágrafo único, e 174 da CF). 7. A concatenação de normas não significa hierarquização ou supremacia da legislação consumerista sobre a Lei de Planos de Saúde, até porque, em casos de incompatibilidade de dispositivos legais de igual nível, devem ser observados os critérios de superação de antinomias referentes à especialidade e à cronologia. Observância do art. 35-G da Lei nº 9.656/1998. 8. A portabilidade de carências nos planos de saúde poderá ser exercida, entre outras hipóteses, em decorrência da extinção do vínculo de beneficiário - como nas rescisões de contrato coletivo (empresarial ou por adesão) -, devendo haver comunicação desse direito, que poderá ser exercido sem cobrança de tarifas e sem o preenchimento de formulário de Declaração de Saúde (DS), afastando-se objeções quanto a Doenças ou Lesões Preexistentes (DLP). Incidência dos arts. 8º, IV e § 1º, 11 e 21 da RN nº 438/2018 da ANS. 9. A portabilidade de carências, por ser um instrumento regulatório, destina-se a incentivar tanto a concorrência no setor de saúde suplementar quanto a maior mobilidade do beneficiário no mercado, fomentando suas possibilidades de escolha, já que o isenta da necessidade de cumprimento de novo período de carência. 10. Nas situações de denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados, que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais elevados. 11. A operadora de plano de saúde, apesar de poder promover a resilição unilateral do plano de saúde coletivo, não poderá deixar ao desamparo os usuários que se encontram sob tratamento médico. Interpretação sistemática e teleológica dos arts. 8º, § 3º, "b", e 35-C da Lei nº 9.656/1998 e 18 da RN nº 428/2017 da ANS, conjugada com os princípios da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana. Precedentes. 12. É possível a resilição unilateral e imotivada do plano de saúde coletivo, com base em cláusula prevista contratualmente, desde que cumprido o prazo de 12 (doze) meses de vigência da avença e feita a notificação prévia do contratante com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, bem como respeitada a continuidade do vínculo contratual para os beneficiários que estiverem internados ou em tratamento médico, até a respectiva alta, salvo a ocorrência de portabilidade de carências ou se contratado novo plano coletivo pelo empregador, situações que afastarão o desamparo desses usuários. 13. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. REsp 1.846.502/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2021. - Publicado no Informativo nº 693)