STJ. REsp 1.583.007-RJ
Enunciado: A controvérsia está em definir se é válido ou não o registro da marca nominativa "fogo olímpico" para identificar álcool e álcool etílico, na medida em que existente previsão legal (artigo 15 da Lein.9.615/1998) conferindo ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) - e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPOB) - a exclusividade de uso de símbolos olímpicos e paraolímpicos, assim como das denominações "jogos olímpicos", "olimpíadas", "jogos paraolímpicos" e "paraolímpiadas". Nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas visa, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço. De outra banda, tem por escopo evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. A distintividade écondição fundamental para o registro da marca, razão pela qual a Lein.9.279/1996(LPI)enumera vários sinais não registráveis, tais como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, porquanto desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124, inciso VI). De outro lado, o inciso XIII do mesmo artigo 124 preceitua airregistrabilidadecomo marca de "nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento". Tal norma retratahipótese de vedação absoluta de registromarcáriode designações e símbolos relacionados a evento esportivo - assim como artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico -, que seja oficial (realizado ou promovido por autoridades públicas) ou oficialmente reconhecido (quando for de caráter privado), o que inviabiliza "a utilização do termo protegido em qualquer classe" sem a anuência da autoridade competente ou da entidade promotora do evento. Em complemento à LPI, sobreveio a Lein.9.615/1998 - apelidada de Lei do Desporto ou de Lei Pelé -, que, em seu artigo 87, conferiu às entidades de administração do desporto ou de prática esportiva a propriedade exclusiva das denominações e dos símbolos que as identificam, preceituando que tal proteção legal é válida em todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente. Ademais, importante destacar que, por ocasião dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, a Lein.13.284/2016 criminalizou o proveito econômico parasitário, estabelecendo como figuras típicas de caráter temporário o "marketing de emboscada por associação" (divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Jogos, sem autorização das entidades organizadoras ou de pessoa por elas indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pelas entidades organizadoras) e o "marketing de emboscada por intrusão" (expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos ou serviços ou praticar atividade promocional, sem autorização das entidades organizadoras ou de pessoa por elas indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais oficiais com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária). Outrossim, a teoria da diluição das marcas tem amparo no inciso III do artigo 130 da Lei de Propriedade Industrial, segundo o qual ao titular da marca ou ao depositante é assegurado o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação. Diante desse quadro, deve ser reconhecida a nulidade do registromarcário, tendo em vista: (i) a proteção especial, em todos os ramos de atividade, conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro aos sinais integrantes da "propriedade industrial Olímpica", que não podem ser reproduzidos ou imitados por terceiros sem a autorização prévia do COB; (ii) o necessário afastamento do aproveitamento parasitário decorrente do denominado "marketing de emboscada" pelo uso conjugado de expressão e símbolos olímpicos cujo magnetismo comercial é inegável; e (iii) o cabimento da aplicação da teoria da diluição a fim de proteger o COB contra a perda progressiva da distintividade dos signos olímpicos, cujo acentuado valor simbólico pode vir a ser maculado, ofuscado ou adulterado com a sua utilização em produto de uso cotidiano.
Tese Firmada: É nulo o registro de marca nominativa de símbolo olímpico ou paraolímpico.
Questão Jurídica: Registro de marca. Sinais integrantes da propriedade industrial olímpica. Nulidade. Proteção especial. Teoria da diluição. Marketing de emboscada. Não cabimento.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA AJUIZADA PELO COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO - COB. "FOGO OLÍMPICO" PARA IDENTIFICAR ÁLCOOL E ÁLCOOL ETÍLICO. 1. Como de sabença, a distintividade é condição fundamental para o registro da marca, razão pela qual a Lei 9.279/1996 enumera vários sinais não registráveis, tal como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, porquanto desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124, inciso VI). 2. De outro lado, o inciso XIII do mesmo artigo 124 preceitua que não são registráveis como marca "nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento". 3. Tal norma retrata hipótese de vedação absoluta de registro marcário de designações e símbolos relacionados a evento esportivo ? assim como artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico ? que seja oficial (realizado ou promovido por autoridades públicas) ou oficialmente reconhecido (quando organizado por entidade privada), o que inviabiliza "a utilização do termo protegido em qualquer classe" sem a anuência da autoridade competente ou da entidade promotora do evento. 4. Em complemento à LPI, sobreveio a Lei 9.615/1998 ? apelidada de Lei Pelé ?, que, em seu artigo 87, conferiu às entidades de administração do desporto ou de prática esportiva a propriedade exclusiva das denominações e dos símbolos que as identificam, preceituando que tal proteção legal é válida em todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente. 5. Em observância ao compromisso assumido pelo Estado brasileiro no Tratado de Nairóbi sobre Proteção do Símbolo Olímpico (ratificado pelo Decreto 90.129/1984), a citada Lei Pelé estabeleceu, em seu artigo 15, que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) - associação civil de natureza desportiva filiada ao Comitê Olímpico Internacional (COI) - detém a propriedade exclusiva dos símbolos olímpicos (a exemplo dos aros interligados representativos dos cinco continentes; da tocha e da pira olímpicas; do hino; das mascotes; do lema; e das medalhas), bem como das denominações "jogos olímpicos" e "olimpíadas", sendo vedado o registro e o uso, para qualquer fim, de sinal que consubstancie imitação ou reprodução dos referidos signos distintivos sem a prévia autorização do titular. 6. Consequentemente, procedendo-se à interpretação sistemática do ordenamento jurídico ? Decreto 90.129/1984; artigo 124, inciso XIII, da Lei 9.279/1996; e artigos 15, §§ 2º e 4º, e 87 da Lei 9.615/1998 (todos anteriores ao depósito do pedido de registro da marca debatida nos autos) ?, ressoa inequívoca a existência de proteção especial, em todos os ramos de atividade e por tempo indeterminado, dos sinais integrantes da "propriedade industrial Olímpica", cujo reconhecimento (ex lege) como marcas de alto renome (exceção ao princípio da especialidade) decorre da incontroversa boa reputação e do acentuado magnetismo do megaevento esportivo, consagrado mundialmente e orientado pela filosofia de vida chamada Olimpismo. 7. Diante da popularidade e da relevância socioeconômica de eventos esportivos como as Olimpíadas, a proibição do registro e do uso dos respectivos signos distintivos em qualquer ramo de atividade ? sem a anuência prévia da entidade titular do direito de propriedade imaterial ? tem por escopo evitar a associação comercial indevida (com marcas, produtos ou serviços de terceiros), potencialmente ensejadora de aproveitamento parasitário ou de diluição da distintividade dos símbolos ou nomes relacionados aos Jogos, cuja realização periódica depende, sobremaneira, da obtenção de vultosos recursos financeiros mediante contratos de patrocínio ou de licenciamento pautados na expectativa de lucros decorrentes da grande exposição midiática. 8. Na hipótese dos autos, o COB ajuizou ação de nulidade do registro da marca nominativa "FOGO OLÍMPICO" (821.741.837) para identificar álcool e álcool etílico, referente à classe NCL(8) 01 (substâncias químicas destinadas à indústria). O pedido de registro da referida marca foi depositado em 8.6.1999, tendo sido concedido pelo INPI em 16.9.2003 (fl. 203). 9. De acordo com fotografia descrita no voto vencido (fls. 299 e 415), observa-se que, além da expressão "FOGO OLÍMPICO", consta da embalagem o desenho dos aros olímpicos e da tocha olímpica, o que configura evidente imitação ideológica dos símbolos titularizados pelo COB. 10. Diante desse quadro, deve ser reconhecida a nulidade do registro marcário, tendo em vista: (i) a proteção especial, em todos os ramos de atividade, conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro aos sinais integrantes da "propriedade industrial Olímpica", que não podem ser reproduzidos ou imitados por terceiros sem a autorização prévia do COB; (ii) o necessário afastamento do aproveitamento parasitário decorrente do denominado "marketing de emboscada" pelo uso conjugado de expressão e símbolos olímpicos cujo magnetismo comercial é inegável; e (iii) o cabimento da aplicação da teoria da diluição a fim de proteger o titular contra a perda progressiva da distintividade dos signos olímpicos, cujo acentuado valor simbólico pode vir a ser maculado, ofuscado ou adulterado com a sua utilização em produto de uso cotidiano. 11. Recurso especial provido para julgar procedente a pretensão autoral, declarando nulo o registro da marca "FOGO OLÍMPICO". (STJ. REsp 1.583.007-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2021. - Publicado no Informativo nº 693)