STJ. RHC 141.737/PR

Enunciado: No caso, se a investigação foi deflagrada em virtude da adulteração de prontuários, a interpretação evidente é de que os principais objetos visados pela medida de busca e apreensão eram os prontuários dos pacientes que haviam sido submetidos a tratamento e, ao mesmo tempo, vítimas de inúmeros crimes. Não se vê a ocorrência de nulidade. Embora os prontuários possam conter dados sigilosos, foram obtidos a partir da imprescindível autorização judicial prévia, quer dizer, a prova foi obtida por meio lícito. A ausência de sua discriminação específica no mandado de busca é irrelevante, até porque os prontuários médicos encontram-se inseridos na categoria de documentos em geral, inexistindo qualquer exigência legal de que a autorização cautelar deva detalhar o tipo de documento a ser apreendido quando este possuir natureza sigilosa. Conforme já se pronunciou o STF, "dada a impossibilidade de indicação, ex ante, de todos os bens passíveis de apreensão no local da busca, é mister conferir-se certa discricionariedade, no momento da diligência, à autoridade policial" (STF, Pet 5173/DF, Min. Dias Tofoli, Primeira Turma, DJe 18/11/2014). Com efeito, "O artigo 243 da Lei Processual Penal disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não ser arrecadado" (HC 524.581/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 13/2/2020). "Suficiente à delimitação da busca e apreensão é a determinação de que deveriam ser apreendidos os materiais que pudessem guardar relação estrita com aqueles fatos [...]" (HC 537.017/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 3/2/2020). Em outro precedente, esta Corte Superior já preconizou que "O artigo 240 do Código de Processo Penal, ao tratar da busca e apreensão, apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo" (HC 142.205/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma DJe 13/12/2010). Ademais, vale frisar que o sigilo do qual se reveste os prontuários médicos pertencem única e exclusivamente aos pacientes, não ao médico. Assim, como afirmado pelo Tribunal estadual, caso houvesse a violação do direito à intimidade, haveria de ser arguida pelos seus titulares e não pelo investigado.

Tese Firmada: Inexiste exigência legal de que o mandado de busca e apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa.

Questão Jurídica: Busca e apreensão. Prontuários médicos. Documentos sigilosos. Discriminação específica no mandado. Desnecessidade. Nulidade da prova. Inocorrência.

Ementa: RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO HIPÓCRATES. CÁRCERE PRIVADO QUALIFICADO, MAUS TRATOS E FALSIDADE IDEOLÓGICA MAJORADA. BUSCA E APREENSÃO. PRONTUÁRIOS MÉDICOS OBTIDOS EM ENDEREÇO AUSENTE DO MANDADO JUDICIAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES. PARECER ACOLHIDO. 1. O consentimento por escrito do proprietário e diretor da empresa, voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação, validando o ingresso de agentes estatais na edificação anexa ao imóvel objeto da cautela, afasta qualquer alegação de ilicitude da prova obtida a partir desse acesso a endereço que não constava expressamente do mandado judicial de busca e apreensão. 2. O art. 243 do Código de Processo Penal disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não ser arrecadado; e o art. 240 apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo. 3. No caso, inexiste nulidade a ser reconhecida. De um lado, foi dada autorização pelo proprietário da clínica para que a busca e apreensão tivesse sequência no prédio contíguo ao endereço autorizado, no qual também funcionava a empresa em questão. De outro, porque, embora os prontuários possam conter dados sigilosos, foram obtidos a partir da imprescindível autorização judicial prévia por meio lícito. A ausência de sua discriminação no mandado de busca é irrelevante, até porque os prontuários médicos encontram-se inseridos na categoria de documentos em geral, inexistindo qualquer exigência legal de que a autorização cautelar deva detalhar o tipo de documento a ser apreendido quando este possuir natureza sigilosa. 4. O sigilo do qual se reveste o prontuário médico pertence única e exclusivamente ao paciente, e não ao médico. Assim, caso houvesse a violação do direito à intimidade, haveria de ser arguida pelos seus titulares (pacientes), e não pelo investigado. 5. Recurso improvido, confirmado o acórdão recorrido. (STJ. RHC 141.737/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 27/04/2021. - Publicado no Informativo nº 694)