STJ. REsp 1.711.412-MG

Enunciado: O contrato de factoring não se subsume a uma simples cessão de crédito, contendo, em si, ainda, os serviços prestados pela faturizadora de gestão de créditos e de assunção dos riscos advindos da compra dos créditos da empresa faturizada. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido à faturizada/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil em exame. A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. Por consectário, a ressalva constante no art. 296 do Código Civil - in verbis: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor" - não tem nenhuma aplicação no contrato de factoring. Ratificação do posicionamento prevalecente no âmbito desta Corte de Justiça, segundo o qual, no bojo do contrato de factoring, a faturizada/cedente não responde, em absoluto, pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora. Importante registrar que, a despeito da absoluta impossibilidade de a faturizada responder pela solvência dos títulos transferidos, em virtude da natureza da operação de factoring, a cedente (faturizada) responde, sim, pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto). Não se têm dúvidas, assim, que a faturizada se responsabiliza, por exemplo, pelo saque, fraudulento, da chamada "duplicata fria", sem causa legítima subjacente. No caso, as notas promissórias, que dão supedâneo à ação executiva, foram emitidas pela faturizada, por imposição contratual, para o propósito exclusivo de garantir a solvência dos créditos cedidos no âmbito do contrato de factoring, o que, como assentando, não se afigura possível, por vulnerar a própria natureza do ajuste. No mais, frisa-se que a obrigação assumida pelo avalista, responsabilizando-se solidariamente pela obrigação contida no título de crédito é, em regra, autônoma e independente daquela atribuída ao devedor principal. O avalista equipara-se ao avalizado, em obrigações. Sem descurar da autonomia da obrigação do avalista, assim estabelecida por lei, com relevante repercussão nas hipóteses em que há circulação do título, deve-se assegurar ao avalista a possibilidade de opor-se à cobrança, com esteio nos vícios que inquinam a própria relação originária (engendrada entre credor e o avalizado), quando, não havendo circulação do título, o próprio credor, imbuído de má-fé, é o responsável pela extinção, pela nulidade ou pela inexistência da obrigação do avalizado. É de se reconhecer, para a hipótese em análise, em que não há circulação do título, a insubsistência do aval aposto nas notas promissórias emitidas para garantir a insolvência dos créditos cedidos em operação de factoring. Afinal, em atenção à impossibilidade de a faturizada/cedente responder pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nula a disposição contratual nesse sentido, a comprometer a própria existência de eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a operação de fomento mercantil, o aval ali inserido torna-se, de igual modo, insubsistente. Esta conclusão, a um só tempo, obsta o enriquecimento indevido por parte da faturizadora, que sabe ou deveria saber não ser possível transferir o risco da operação de factoring que lhe pertence com exclusividade, e não compromete direitos de terceiros, já que não houve circulação dos títulos em comento.

Tese Firmada: A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring.

Questão Jurídica: Contrato de factoring. Cláusula de responsabilização da faturizada pela solvência dos créditos cedidos à faturizadora. Emissão de nota promissória para garantia da operação. Princípio da autonomia da vontade. Art. 296 do Código Civil. Impossibilidade. Vulneração da própria natureza do contrato. Aval aposto nas notas promissórias. Insubsistência. Interpretação do art. 899, § 2º, do Código Civil.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE FACTORING. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA ORIGEM. RECONHECIMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. AFASTAMENTO. 2. CLÁUSULA QUE ESTABELECE A RESPONSABILIZAÇÃO DA FATURIZADA, NÃO APENAS PELA EXISTÊNCIA, MAS TAMBÉM PELA SOLVÊNCIA DOS CRÉDITOS CEDIDOS À FATURIZADORA, INCLUSIVE COM A EMISSÃO DE NOTAS PROMISSÓRIAS DESTINADAS A GARANTIR TAL OPERAÇÃO, A PRETEXTO DE ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E APLICAÇÃO DO ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. VULNERAÇÃO DA PRÓPRIA NATUREZA DO CONTRATO DE FACTORING. RECONHECIMENTO 3. AVAL APOSTO NAS NOTAS PROMISSÓRIAS EMITIDAS PARA GARANTIR A INSOLVÊNCIA DOS CRÉDITOS CEDIDOS EM OPERAÇÃO DE FACTORING. INSUBSISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 899, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL. 4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O aresto recorrido, coerente com o entendimento adotado, com suficiente fundamentação, não padece do vício de julgamento apontado. No entanto, não se pode deixar de reconhecer a absoluta pertinência da oposição dos embargos de declaração, para que a parte sucumbente, sobretudo em virtude da reforma da sentença de procedência, obtivesse, na origem, a efetiva deliberação judicial acerca de matéria relevante, a fim de autorizar seu questionamento perante esta Corte Superior. Afastamento da multa imposta. 2. O contrato de factoring não se subsume a uma simples cessão de crédito, contendo, em si, ainda, os serviços prestados pela faturizadora de gestão de créditos e de assunção dos riscos advindos da compra dos créditos da empresa faturizada. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido à faturizada/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil em exame. 2.1 A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. Por consectário, a ressalva constante no art. 296 do Código Civil - in verbis: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor" - não tem nenhuma aplicação no contrato de factoring. 3. Ratificação do posicionamento prevalecente no âmbito desta Corte de Justiça, segundo o qual, no bojo do contrato de factoring, a faturizada/cedente não responde, em absoluto, pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora. Remanesce, contudo, a responsabilidade da faturizadora pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto). Divergência jurisprudencial afastada. 4. A obrigação assumida pelo avalista, responsabilizando-se solidariamente pela obrigação contida no título de crédito é, em regra, autônoma e independente daquela atribuída ao devedor principal. O avalista equipara-se ao avalizado, em obrigações. Sem descurar da autonomia da obrigação do avalista, assim estabelecida por lei, com relevante repercussão nas hipóteses em que há circulação do título, deve-se assegurar ao avalista a possibilidade de opor-se à cobrança, com esteio nos vícios que inquinam a própria relação originária (engendrada entre credor e o avalizado), quando, não havendo circulação do título, o próprio credor, imbuído de má-fé, é o responsável pela extinção, pela nulidade ou pela inexistência da obrigação do avalizado. 4.1 É de se reconhecer, para a hipótese retratada nos presentes autos, em que não há circulação do título, a insubsistência do aval aposto nas notas promissórias emitidas para garantir a insolvência dos créditos cedidos em operação de factoring. Afinal, em atenção à impossibilidade de a faturizada/cedente responder pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nula a disposição contratual nesse sentido, a comprometer a própria existência de eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a operação de fomento mercantil, o aval ali inserido torna-se, de igual modo, insubsistente. 4.2 Esta conclusão, a um só tempo, obsta o enriquecimento indevido por parte da faturizadora, que sabe ou deveria saber não ser possível transferir o risco da operação de factoring que lhe pertence com exclusividade, e não compromete direitos de terceiros, já que não houve circulação dos títulos em comento. 5. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa imposta na origem. (STJ. REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021. - Publicado no Informativo nº 695)