STJ. REsp 1.345.170-RS

Enunciado: O Código Civil prevê no art. 685: Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais. Pode-se afirmar que, quanto à natureza jurídica, a procuração em causa própria, tal como a ordinária procuração, é negócio jurídico unilateral. Trata-se, a rigor, do chamado negócio jurídico de procura, de que resulta o instrumento de procuração. A noção exata do instituto se evidencia ao se comparar a procuração e o mandato. De fato, é de toda conveniência não se confundir os institutos, notadamente por possuírem naturezas jurídicas diversas: a procuração é negócio jurídico unilateral; o mandato, como contrato que é, apresenta-se como negócio jurídico geneticamente bilateral. De um lado, há uma única declaração jurídico-negocial, de outro, duas declarações jurídico-negociais que se conjugam por serem congruentes quanto aos meios e convergentes quanto aos fins. Em suma, muito embora o nome do outorgado conste do instrumento de procuração, ele não é figurante, pois o negócio jurídico é unilateral. Nesse contexto, pode-se conceituar a procuração em causa própria como o negócio jurídico unilateral que confere um poder de representação ao outorgado, que o exerce em seu próprio interesse, por sua própria conta, mas em nome do outorgante. Quantos aos efeitos, o negócio jurídico referente à procuração em causa própria outorga ao procurador, de forma irrevogável, inextinguível pela morte de qualquer das partes e sem dever de prestação de contas, o poder formativo (direito potestativo) de dispor do direito (real ou pessoal) objeto da procuração. Em outras palavras, a rigor não se transmite o direito objeto do negócio jurídico, outorga-se o poder de transferi-lo. Assim, o outorgante continua sendo titular do direito (real ou pessoal) objeto da procuração em causa própria, de modo que o outorgado passa a ser apenas titular do poder de dispor desse direito, em seu próprio interesse, mas em nome alheio. Em sede jurisprudencial, há precedente do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do em. Min. Sidnei Beneti, que, após apontar a ampla utilização do referido instrumento no direito brasileiro, destaca que a procuração em causa própria, a rigor, não transmite o direito objeto do negócio ao procurador, mas sim outorga-lhe o poder de transferi-lo para si ou para outrem. De fato, se a procuração in rem suam operasse, ela própria, transferência de direitos reais ou pessoais, estar-se-ia abreviando institutos jurídicos e burlando regras jurídicas há muito consagradas e profundamente imbricadas no sistema jurídico nacional. Em síntese, à procuração em causa própria não pode ser atribuída a função de substituir, a um só tempo, os negócios jurídicos obrigacionais (p.ex. contrato de compra e venda, doação) e dispositivos (p.ex. acordo de transmissão) indispensáveis, em regra, à transmissão dos direitos subjetivos patrimoniais, notadamente do direito de propriedade. É imperioso observar, portanto, que a procuração em causa própria, por si só, não produz cessão ou transmissão de direito pessoal ou de direito real, sendo tais afirmações frutos de equivocado romanismo que se deve evitar. De fato, como cediço, também naquele sistema jurídico, por meio da procuração in rem suam não havia verdadeira transferência de direitos.

Tese Firmada: A procuração em causa própria (in rem suam) não é título translativo de propriedade.

Questão Jurídica: Procuração em causa própria. Art. 685 do CC. Título translativo de propriedade. Impossibilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA. NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL. PODER DE REPRESENTAÇÃO DO OUTORGADO, EM SEU PRÓPRIO INTERESSE. TRANSMISSÃO DE DIREITOS REAIS OU PESSOAIS, EM SUBSTITUIÇÃO AOS NECESSÁRIOS SUPERVENIENTES NEGÓCIOS OBRIGACIONAIS OU DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS COM USO DA PROCURAÇÃO. AFIRMAÇÃO DE ERRO, DOLO, SIMULAÇÃO OU FRAUDE. INVIABILIDADE LÓGICA. CAUSA DE PEDIR APONTANDO QUE OS NEGÓCIOS TRANSLATIVOS DE PROPRIEDADE FORAM EM CONLUIO ENTRE OS RÉUS, PARA LESIONAR A PARTE AUTORA. PEDIDO DE NATUREZA CONDENATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. RECONHECIMENTO DE INÉPCIA DA INICIAL, SEM OPORTUNIDADE DE EMENDA DESSA PEÇA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A procuração é negócio jurídico unilateral; o mandato, contrato que é, apresenta-se como negócio jurídico geneticamente bilateral. De um lado, há uma única declaração jurídico-negocial; de outro, duas declarações jurídico-negociais que se conjugam por serem congruentes quanto aos meios e convergentes quanto aos fins. Por conseguinte, muito embora o nome do outorgado conste do instrumento de procuração, ele não é figurante, pois o negócio jurídico é unilateral. 2. A procuração em causa própria (in rem suam) é negócio jurídico unilateral que confere um poder de representação ao outorgado, que o exerce em seu próprio interesse, por sua própria conta, mas em nome do outorgante. Tal poder atuará como fator de eficácia de eventual negócio jurídico de disposição que vier a ser celebrado. Contudo, até que isso ocorra, o outorgante permanece sendo titular do direito (real ou pessoal) objeto da procuração, já o outorgado apenas titular do poder de dispor desse direito, sem constituir o instrumento, por si só, título translativo de propriedade. 3. Nesse caso, há uma situação excepcional: ao procurador é outorgado o poder irrevogável de dispor do direito objeto do negócio jurídico, exercendo-o em nome do outorgante (titular do direito), mas em seu próprio interesse e sem nem mesmo necessidade de prestação de contas. É contraditório que se reconheça ter sido outorgada procuração com essa natureza ao ex-marido da autora e se aluda, no tocante às alienações com uso do instrumento, a erro, dolo, simulação ou fraude. E não pode ser atribuída a esse negócio jurídico unilateral a função de substituir, a um só tempo, os negócios jurídicos obrigacionais (por exemplo, contrato de compra e venda, doação) e dispositivos (v.g., acordo de transmissão) indispensáveis, em regra, à transmissão dos direitos subjetivos patrimoniais, notadamente do direito de propriedade, sob pena de abreviação de institutos consolidados e burla à regras jurídicas. 4. Conforme a causa de pedir e os pedidos formulados na exordial, há pretensão de reparação civil de danos, decorrentes de alegados atos dolosos "em conluio" entre os réus, por ocasião da alienação de bens da autora, mediante uso do instrumento outorgado ao ex-cônjuge. Não é adequado qualificar o pedido exordial mediato como de anulação, pois as transferências de domínio dos bens da autora envolveram uso de procuração em causa própria, havendo pedido de recomposição de direito violado, mediante restituição dos bens ou, se não for possível, do seu equivalente. 5. O pedido condenatório formulado na exordial sujeita-se a prazo prescricional. E como nenhuma das datas relativas às alienações de bens das autoras é mais antiga que 17/3/1989, e a ação foi ajuizada em 28 de maio de 2004, na vigência do CC/1916, é vintenário o prazo prescricional, porquanto se trata de direito pessoal, e observada a regra de transição do art. 2.2028 do CC/2002, também não transcorreu o prazo trienal, previsto no art. 206, § 3º, do CC, para pretensão de reparação civil de danos. 6. Malgrado o entendimento perfilhado pelas instâncias ordinárias de ser a inicial inepta por conter narração confusa - não permitindo a adequada defesa dos réus -, não foi previamente conferido prazo para promoção de emenda à inicial. Consoante a firme jurisprudência do STJ, ao receber a exordial, o juiz deve, incontinenti, examinar seus requisitos legais. Se necessário, deve discriminar o(s) vício(s) e determinar, desde logo, a regularização no prazo de 10 dias. Só na hipótese de o autor não sanar a(s) irregularidade(s) apontada(s), proceder-se-á à extinção do processo sem solução do mérito, conforme disposto no art. 284 do CPC/1973. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. REsp 1.345.170-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021. - Publicado no Informativo nº 695)