STJ. REsp 1.414.803-SC

Enunciado: A controvérsia dos autos está em definir se a proprietária, na qualidade de arrendadora de determinado avião, pode ser responsabilizada pelos danos advindos de acidente aéreo, com diversas mortes, em que houve a colisão de aeronaves por conduta culposa do piloto de outra aeronave. O transporte aéreo pode ser dividido em doméstico - regido pelo Código Brasileiro da Aeronáutica, que é aquele em que o ponto de partida, intermediário e o destino estão situados em território nacional (art. 215) - e em internacional - regulado pela Convenção de Montreal, em que o ponto de partida e ponto de destino estejam situados em território de dois Estados signatários da Convenção ou que haja escala prevista no território de qualquer outro Estado, mesmo que este não seja signatário da convenção (art. 1º, nº 2). Com relação ao transporte aéreo internacional, estabeleceu o STF que as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável o limite indenizatório estabelecido pelos normativos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material. Definiu-se, ademais, que as disposições previstas nos aludidos acordos internacionais incidem exclusivamente nos contratos de transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens ou carga. Assim, não alcançam o transporte nacional de pessoas, que está excluído da abrangência do art. 22 da Convenção de Varsóvia. Por fim, esclareceu que a limitação indenizatória abarca apenas a reparação por danos materiais, e não morais. No que toca à legislação pátria, o Codex, na seção do transporte de pessoas, fixou no art. 734 a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, pois se está diante de obrigação de resultado, salvo motivo de força maior, vedando qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Já o art. 927, parágrafo único, do Código Civil prevê cláusula geral de responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem, como sói o transporte aéreo. Somado a isso, ao menos no âmbito interno, incide o regime da responsabilidade objetiva do Código consumerista fundada na teoria do risco do empreendimento (CDC, arst. 6°, VI, 12, 14 e 17). No entanto, só há falar em responsabilidade civil se houver uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano, se a causa for abstratamente idônea e adequada à produção do resultado, não bastando ser antecedente. Ao contrário do que ocorre na teoria da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non) em que toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano pode ser considerada capaz de gerar o dano, na causalidade adequada, a ideia fundamental é a que só há uma relação de causalidade entre fato e dano quando o ato praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida. Na aferição do nexo de causalidade, "a doutrina majoritária de Direito Civil adota a teoria da causalidade adequada ou do dano direto e imediato, de maneira que somente se considera existente o nexo causal quando o dano é efeito necessário e adequado de uma causa (ação ou omissão). Essa teoria foi acolhida pelo Código Civil de 1916 (art. 1.060) e pelo Código Civil de 2002 (art. 403)". Assim, sem que ocorra efetivamente uma relação de causalidade entre fato e dano, não sendo o ato praticado pelo agente minimamente suficiente para provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, conforme a teoria da causalidade adequada, a proprietária e arrendadora da aeronave não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados, haja vista o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.

Tese Firmada: A proprietária, na qualidade de arrendadora de aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados por acidente aéreo, quando há o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.

Questão Jurídica: Acidente aéreo. Colisão de aeronaves durante voo. Arrendador. Responsabilidade civil. Ausência de nexo causal. Conduta que não influenciou imediata ou diretamente para a ocorrência do evento danoso. Afastamento do dever de indenizar.

Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. ACIDENTE AÉREO. COLISÃO DE AERONAVES DURANTE VOO. DIVERSAS MORTES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TRANSPORTADOR E DA ARRENDADORA. SINISTRO OCORRIDO DURANTE AS COMEMORAÇÕES DO 55º ANIVERSÁRIO DO AEROCLUBE DE LAGES. NEXO CAUSAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade do transportador aéreo é, em regra, objetiva. 2. Especificamente no que toca às colisões aéreas, previu o Código Brasileiro de Aeronáutica que "a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do abalroamento cabe ao explorador ou proprietário da aeronave causadora, quer a utilize pessoalmente, quer por preposto" (art. 274), tendo definido que "consideram-se provenientes de abalroamento os danos produzidos pela colisão de 2 (duas) ou mais aeronaves, em vôo ou em manobra na superfície, e os produzidos às pessoas ou coisas a bordo, por outra aeronave em vôo" (art. 273). 3. Diante da perspectiva conceitual ampla de abalroamento aéreo, poderão emergir, inclusive no mesmo evento danoso, diferentes regimes de responsabilidade: a contratual e a extracontratual. 4. Na espécie, apesar de incidir a responsabilidade objetiva - danos decorrentes de abalroamento com passageiros -, além de haver previsão específica da responsabilidade do proprietário - a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes do abalroamento cabe ao explorador ou proprietário da aeronave causadora, quer a utilize pessoalmente, quer por preposto (CBA, art. 274), a chave para a definição da responsabilização está, em verdade, na análise de seu liame causal. 5. "O ponto central da responsabilidade civil está situado no nexo de causalidade. Não interessa se a responsabilidade civil é de natureza contratual ou extracontratual, de ordem objetiva ou subjetiva, sendo neste último caso despicienda a aferição de culpa do agente se antes não for encontrado o nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Com efeito, para a caracterização da responsabilidade civil, antes de tudo, há de existir e estar comprovado o nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta comissiva ou omissiva do agente e afastada qualquer das causas excludentes do nexo causal, tais como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, o caso fortuito ou a força maior, por exemplo" (REsp 1615971/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, terceira turma, julgado em 27/09/2016, DJe 07/10/2016). 6. A Segunda Seção do STJ, no âmbito de recurso repetitivo (REsp 1596081/PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva), reconheceu que a ausência de nexo causal é apta a romper a responsabilidade objetiva, inclusive nos danos ambientais (calcada na teoria do risco integral). 7. Ao contrário do que ocorre na teoria da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non), em que qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano pode ser considerada capaz de gerar o dano, na causalidade adequada, a ideia fundamental é que só há uma relação de causalidade entre fato e dano quando o ato praticado pelo agente é de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida. 8. No caso, a recorrente, proprietária e arrendadora da aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados, haja vista o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar, já que a colisão da aeronave se deu única e exclusivamente pela conduta do piloto da outra aeronave, que realizou manobra intrinsecamente arriscada, sem guardar os cuidados necessários, além de ter permitido o embarque de passageiros acima do limite previsto para a aeronave. 9. Os fatos atribuídos à recorrente - ser proprietária da aeronave, ter realizado contrato de arrendamento apenas no dia do evento (oralmente e sem registro), ter auferido lucro, bem como ter contratado piloto habilitado para voos comerciais, mas sem habilitação específica para voos com salto de paraquedismo - não podem ser considerados aptos a influenciar imediata e diretamente a ocorrência do evento danoso, não sendo necessários nem adequados à produção do resultado, notadamente porque o avião ainda estava em mero procedimento de decolagem. Portanto, não há efetivamente uma relação de causalidade entre fato e dano, tendo em conta que o ato praticado pelo agente não é minimamente suficiente a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, conforme a teoria da causalidade adequada. 10. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.414.803-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021. - Publicado no Informativo nº 695)