STJ. REsp 1.729.550-SP

Enunciado: A controvérsia principal dos autos está em definir acerca dos limites da liberdade de imprensa em artigos jornalísticos críticos à atuação e ao estilo profissional de certa pessoa em postagens realizadas no portal eletrônico de notícias. Trata-se do instigante conflito aparente entre direitos fundamentais, consagrados na Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela legislação infraconstitucional, quais sejam a liberdade de imprensa - corolário da liberdade de informação e da liberdade de manifestação do pensamento - e os direitos da personalidade, como a privacidade, a honra e a imagem, envolvendo em ambos polos da ação experientes jornalistas. Vale ressaltar que o exercício do direito de informar apenas será digno de proteção quando presente o requisito interno da verdade, revelado quando a informação conferir ciência da realidade. Advirta-se, contudo, que não se exige, para a proteção anunciada, uma verdade absoluta, mas, sim, a chamada "verdade subjetiva" que se extrai da diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos. Assim, "para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão de falsidade". A "veracidade do fato" consubstancia um compromisso ético com a informação verossímil - o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas -, que figura como um dos parâmetros legitimadores do exercício da liberdade de informação. Por outro lado, o requisito da verdade não subordina o direito de expressão (em sentido estrito), que consiste na liberdade básica de expressar qualquer manifestação do pensamento humano, tais como ideias, opiniões, críticas e crenças. A conceituação é mesmo intuitiva: trata-se de poder manifestar-se favorável ou contrariamente a uma ideia, mediante a realização de juízo de valor e de crítica, garantindo-se a participação efetiva dos cidadãos na condução dos assuntos públicos do país. A liberdade de imprensa, nesse cenário, constitui modalidade qualificada das liberdades de informação e de expressão; por meio dela, assegura-se a transmissão das informações e dos juízos de valor pelos jornalistas ou profissionais integrantes dos veículos de comunicação social de massa, notadamente emissoras de rádio e de televisão, editoras de jornais e provedores de notícias na internet. Destaque-se que a liberdade de imprensa - também chamada de liberdade de informação jornalística - tem conteúdo abrangente, compreendendo: (i) o "direito de informar" e o "direito de buscar a informação" (ambos decorrentes da liberdade de informação que, como pontuado, tem compromisso com a verdade ainda que subjetiva); e (ii) o "direito de opinar" e o "direito de criticar", que refletem a liberdade de expressão em sentido estrito. Conquanto seja livre a divulgação de informações, conhecimento ou ideias - mormente quando se está a tratar de imprensa -, tal direito não é absoluto ou ilimitado, revelando-se cabida a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem. Assim, configurada a desconformidade, o ordenamento jurídico prevê a responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, além do direito de resposta. Nessa linha de raciocínio, não se pode olvidar que, além do requisito da "verdade subjetiva" - consubstanciado no dever de diligência na apuração dos fatos narrados (ou seja, o compromisso ético com a informação verossímil) -, a existência de interesse público também constitui limite genérico ao exercício da liberdade de imprensa (corolária dos direitos de informação e de expressão), Como de sabença, pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigados a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra; tal idoneidade não se configura, decerto, em situações nas quais imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem a criminalidade. Nesse contexto, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.

Tese Firmada: Não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.

Questão Jurídica: Responsabilidade civil. Matéria jornalística que narrou fatos verídicos ou verossímeis. Dever de informação. Liberdade de imprensa. Direito à crítica e à opinião. Limites. Interesse público e direitos da personalidade. Abuso de direito. Não configuração.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. LIBERDADE DE IMPRENSA. CONTROVÉRSIA ENTRE JORNALISTAS. ARTIGOS CRÍTICOS À ATUAÇÃO PROFISSIONAL. COMPROMISSO ÉTICO COM A INFORMAÇÃO VEROSSÍMIL ("VERDADE SUBJETIVA"). RELEVÂNCIA SOCIAL (INTERESSE PÚBLICO). NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI NO CASO CONCRETO. 1. A liberdade de informação e a liberdade de expressão (em sentido estrito), ao fornecerem meios de compreensão da realidade - e, consequentemente, propiciarem o desenvolvimento da personalidade -, conectam-se tanto à noção de dignidade humana quanto à de democracia, pois o livre fluxo de informações e a multiplicidade de manifestações do pensamento são vitais para o aprimoramento de sociedades fundadas no pluralismo político, a exemplo da brasileira (FAVERO, Sabrina; STEINMETZ, Wilson Antônio. Direito de informação: dimensão coletiva da liberdade de expressão e democracia. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 16, n. 3, set./dez. 2016, pp. 639-655). 2. A liberdade de imprensa, nesse cenário, constitui modalidade qualificada das liberdades de informação e de expressão; por meio dela, assegura-se a transmissão das informações e dos juízos de valor pelos jornalistas ou profissionais integrantes dos veículos de comunicação social de massa, notadamente emissoras de rádio e de televisão, editoras de jornais e provedores de notícias na internet. 3. Conquanto seja livre a divulgação de informações, conhecimento ou ideias - mormente quando se está a tratar de imprensa -, tal direito não é absoluto nem ilimitado, revelando-se cabida a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem. Assim, configurada a desconformidade, o ordenamento jurídico prevê a responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, além do direito de resposta. 4. Nessa linha de raciocínio, não se pode olvidar que, além do requisito da "verdade subjetiva" - consubstanciado no dever de diligência na apuração dos fatos narrados (ou seja, o compromisso ético com a informação verossímil) -, a existência de interesse público também constitui limite genérico ao exercício da liberdade de imprensa (corolária dos direitos de informação e de expressão). 5. Ademais, sempre que identificada, no caso concreto, a agressão injusta à dignidade da pessoa - vale dizer: conduta causadora de angústia, dor, humilhação ou sofrimento que extrapolem a normalidade da vida cotidiana, interferindo intensamente no equilíbrio psicológico do indivíduo -, o exercício do direito à informação ou à expressão deverá ser considerado abusivo, sendo permitida a intervenção do Estado-Juiz a fim de estabelecer medida reparatória da lesão a direito personalíssimo. 6. Na espécie, não se constata o alegado animus injuriandi vel diffamandi dos réus, mas sim animus narrandi e animus criticandi, tendo em vista o caráter informativo e opinativo dos artigos, que, malgrado extremamente ácidos e irônicos, não desbordaram os limites do exercício regular da liberdade de expressão - em sentido lato - compreendida na informação, na opinião e na crítica jornalística. 7. A apreciação dos artigos publicados no "Brasil 247" - à luz dos fatos descritos na inicial e delineados na sentença - não revela ruptura dos jornalistas com o compromisso ético com a informação verossímil, que não reclama precisão. Outrossim, apesar do tom jocoso e contundente das matérias, não se observa um grau de agressividade apto a gerar danos à honra, à imagem ou à privacidade do autor; vale dizer, não se vislumbra conteúdo que extrapole o mero aborrecimento do jornalista que desempenhava, à época, função de grande influência na opinião pública do País (redator-chefe da revista Veja), donde se extrai a relevância social de informações ou críticas à sua atuação profissional e/ou política, bem como a eventuais vieses que o orientavam, dados essenciais ao debate democrático e à viabilização de uma certa accountability do chamado "quarto poder". 8. Aliás, é de sabença que pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigadas a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra. Tal idoneidade não se configura, decerto, em situações nas quais é imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem na criminalidade, o que não ocorreu na hipótese. 9. Controvérsia que se revela um chamado, um grito, uma imagem no espelho de dupla face, para que a atividade jornalística seja levada a sério, elaborada com ética e com cuidado, de modo a não se desacreditar diante do excesso, conquanto não se constate, no caso, a prática de atos ensejadores de dano moral. 10. Recurso especial provido a fim de julgar improcedente a pretensão indenizatória deduzida na inicial. (STJ. REsp 1.729.550-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/05/2021. - Publicado no Informativo nº 696)