STJ. REsp 1.609.701-MG

Enunciado: A controvérsia reside em saber se há interesse processual no ajuizamento de ação de alimentos, considerando a existência de anterior acordo extrajudicial com o mesmo objeto, considerado válido e eficaz pela instância ordinária, formalizado no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUS. Como é sabido, as condições da ação, dentre elas, o interesse processual, definem-se da narrativa formulada na inicial, não da análise do mérito da demanda, motivo pelo qual não se recomenda ao julgador, na fase postulatória, se aprofundar no exame de tais preliminares. É o que diz a teoria da asserção, adotada pela jurisprudência desta eg. Corte Superior, que já proclamou que os fatos narrados na inicial constituem meras alegações de modo que, nesse momento, as condições da ação, dentre elas o interesse processual, devem ser avaliadas in status assertionis, ou seja, de forma abstrata, à luz exclusivamente da narrativa constante na inicial, sem o aprofundamento na matéria de mérito e dispensando qualquer atividade probatória. No caso, a pretensão deduzida na ação de alimentos fundou-se especificamente no argumento de que o valor acordado a título de alimentos não atendia às necessidades básicas e era prejudicial à alimentada, não se questionando sobre a validade formal do acordo. Tal afirmativa se coaduna com o leitura dos fundamentos da petição inicial de alimentos, cuja causa de pedir e pedido estão relacionados diretamente com a insuficiência do valor da pensão alimentícia paga pelo genitor para atender as necessidades do infante (binômio necessidade/possibilidade), com o acréscimo de que a genitora deste recusou o acordo antes da sua homologação. Deve-se buscar conferir efetividade aos princípios do melhor interesse e da proteção integral do menor e do adolescente, e, principalmente da dignidade da pessoa humana consagrados na ordem constitucional de maneira que o trabalho interpretativo do magistrado, na solução de causa dessa natureza, seja guiado pelas linhas mestras do sistema constitucional, pelos seus princípios, suas garantias e suas normas valorativas. Nesse trilhar, é de se ter em mente que a questão envolve, não somente o interesse patrimonial, mas também a dignidade da infante, que é sujeito de direitos, e não objeto, deve receber alimentos, ao menos, suficientes para o atendimento das suas necessidades básicas, que são presumidas, considerando a sua pouca idade (atualmente com 10 anos). Nesta toada, conclui-se que o arrependimento e a insatisfação com os termos da avença realizada no CEJUSC, porque não atenderia interesse indisponível e a ela teria sido prejudicial, em tese, caracterizou, sim, potencial interesse processual. Ademais, o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, que se mostra adequada para a pretensão buscada.

Tese Firmada: É cabível o ajuizamento de ação de alimentos, ainda que exista acordo extrajudicial válido com o mesmo objeto, quando o valor da pensão alimentícia não atende aos interesses da criança.

Questão Jurídica: Alimentos. Prévio acordo extrajudicial. Validade. Posterior ação de alimentos. Cabimento. Interesse processual. Existência. Teoria da asserção. Melhor interesse da criança. Prevalência.

Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. FAMÍLIA. ANTERIOR ACORDO EXTRAJUDICIAL DE ALIMENTOS FIRMADO NO CENTRO JUDICIÁRIO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA (CEJUSC) DA COMARCA LOCAL. AÇÃO NOVA DE ALIMENTOS EXTINTA POR CARÊNCIA DE AÇÃO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. SENTENÇA MANTIDA PELO TJ/MG. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. NOS TERMOS DO DEDUZIDO NA INICIAL, HÁ INTERESSE DE CRIANÇA EM RECEBER ALIMENTOS PROPORCIONAIS ÀS SUAS NECESSIDADES. RETRATAÇÃO MANIFESTADA TEMPESTIVA E FORMALMENTE AO AJUSTE FEITO NO CEJUSC, FUNDADO NA ALEGAÇÃO DE SER PREJUDICIAL AOS INTERESSES DA CRIANÇA. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA, COM OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DE MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL. DIREITO INDISPONÍVEL. POSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO DO ACORDO. PRECEDENTE DO STJ. NECESSÁRIA INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ANTES DA HOMOLOGAÇÃO DO AJUSTE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Inaplicabilidade do NCPC, neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1971 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 1016), devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. As condições da ação, dentre elas, o interesse processual, definem-se da narrativa formulada na inicial, e não da análise do mérito da demanda (teoria da asserção), motivo pelo qual não se recomenda ao julgador, na fase postulatória, se aprofundar no exame de tais preliminares. 3. O arrependimento e a insatisfação com os termos da avença realizada no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania - CEJUSC, porque não atenderia interesse indisponível e teria sido prejudicial, em tese, para a criança, caracteriza, sim, potencial interesse processual e o alegado prejuízo se confunde com o próprio mérito da ação, mostrando-se adequada a pretensão buscada. 4. O STJ já decidiu que o acordo estabelecido e subscrito pelos cônjuges no tocante ao regime de bens, de visita e de alimentos em relação ao filho menor do casal assume o viés de mera proposição submetida ao Poder Judiciário, que haverá de sopesar outros interesses, em especial, o preponderante direito da criança, podendo, ao final, homologar ou não os seus termos e que, em se tratando, pois, de mera proposição ao Poder Judiciário, qualquer das partes, caso anteveja alguma razão para se afastar das disposições incialmente postas, pode, unilateralmente, se retratar (REsp nº 1.756.100/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 11/10/2018). 5. Acordo de alimentos firmado em sede extrajudicial, cujo direito a eles é de caráter indisponível, demanda a necessária intervenção do órgão do Ministério Público para resguardar os direitos da criança, ainda que a alimentada estivesse representada por sua genitora. 6. No mister de tutelar e de proteger os interesses indisponíveis da criança e do adolescente, cabe ao Ministério Público alertar o Juiz na causa que diz respeito a alimentos, que antes de homologar eventual acordo, deve verificar se o valor acordado entre os genitores prejudica a subsistência do menor envolvido, considerando sempre o binômio necessidade/possibilidade, de modo a impedir e velar para que o processo não acarrete perdas desvantajosas ao menor. 6. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.609.701-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/05/2021, DJe 20/05/2021. - Publicado no Informativo nº 697)