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STJ. REsp 1.892.941-SP
Enunciado: Cinge-se a controvérsia a saber se é admissível, sob a ótica da legitimidade ativa, do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido, a petição inicial de ação declaratória de reconhecimento do vínculo biológico de irmandade, em que os irmãos unilaterais pretendem o reconhecimento de vínculo biológico com a irmã pré-morta cuja relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não foi pleiteada ou reconhecida em vida. Os irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, ainda que a relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não tenha sido reconhecida em vida, pois a ação veicula alegado direito próprio, autônomo e personalíssimo em ver reconhecida a existência da relação jurídica familiar e, eventualmente, concorrer na sucessão da irmã falecida. O fato de o hipotético acolhimento da pretensão deduzida revelar a existência de outros vínculos biológicos não desvendados em vida por outros familiares não pode obstar o exercício de direito próprio e autônomo dos irmãos, que apenas seriam partes ilegítimas se pretendessem o reconhecimento, em caráter principal, do suposto vínculo biológico entre a falecida irmã e o pai comum. Quanto ao interesse processual, percebe-se que a pretensão de natureza declaratória deduzida pelos recorrentes se bastaria em si mesma, na forma do art. 19, I, do CPC/2015, independentemente de quaisquer outras postulações ou finalidades que com ela se quisesse atingir, pois possuem o direito autônomo de investigar os seus próprios vínculos familiares, a sua origem genética e a sua própria história. Daí se conclui que os recorrentes necessitam da prestação jurisdicional para ver reconhecida a existência da relação jurídica de parentesco, valendo-se da via adequada - a ação declaratória - para tal finalidade. Para além disso, sublinhe-se que a necessidade do reconhecimento da existência da relação jurídica de irmandade também decorre de propósito específico, a saber, concorrer, se porventura acolhido o pedido, na sucessão da suposta irmã falecida. Trata-se de questão que deve mesmo ser examinada e definida em ação autônoma, de índole declaratória e prévia ao efetivo ingresso no inventário em virtude das restrições cognitivas lá existentes, na medida em que o reconhecimento do vínculo biológico de parentesco exige atividade probatória distinta da documental, por isso mesmo incompatível com o rito especial do inventário (art. 612 do CPC/2015), razão pela qual não há dúvida acerca da adequação da via eleita. A impossibilidade jurídica do pedido, que era considerada condição da ação no CPC/1973, passou a ser considerada uma questão de mérito a partir da entrada em vigor do CPC/2015, como se depreende da exposição de motivos do novo Código, da doutrina majoritária e da jurisprudência desta Corte. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação expressa ou implícita à pretensão de direito autônomo à declaração de existência de relação de parentesco natural entre pessoas supostamente pertencentes à mesma família, calcada nos direitos personalíssimos de investigar a origem genética e biológica e a ancestralidade (corolários da dignidade da pessoa humana) e do qual pode eventualmente decorrer direito de natureza sucessória, não se aplicando à hipótese a regra do art. 1.614 do CC/2002.
Tese Firmada: Irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa e interesse processual para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, ainda que a relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não tenha sido reconhecida em vida.
Questão Jurídica: Ação declaratória de existência de relação de parentesco entre irmãos. Legitimidade ativa. Existência. Irmãos unilaterais. Parentesco natural com irmã pré-morta. Direito personalíssimo. Exercício de direito sucessório. Interesse processual. Existência. Ação declaratória adequada. Inviabilidade de exame da questão no bojo do próprio inventário. Impossibilidade jurídica do pedido como condição da ação no CPC/1973. Questão de mérito no CPC/2015. Inaplicabilidade da regra do art. 1.614 do CC/2002.
Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE PARENTESCO ENTRE IRMÃOS. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS. LEGITIMIDADE ATIVA. EXISTÊNCIA. PRETENSÃO PRÓPRIA E AUTÔNOMA DEDUZIDA POR QUEM AFIRMA SER IRMÃO DA FALECIDA E PRETENDE EXERCER O DIREITO PERSONALÍSSIMO DE INVESTIGAR A SUA ORIGEM GENÉTICA E ANCESTRALIDADE, BEM COMO EXERCER DIREITO SUCESSÓRIO. REVELAÇÃO DE OUTROS VÍNCULOS BIOLÓGICOS NÃO INVESTIGADOS EM VIDA. IRRELEVÂNCIA. QUESTÃO QUE NÃO SERÁ EXAMINADA EM CARÁTER PRINCIPAL. INTERESSE PROCESSUAL. EXISTÊNCIA. MEDIDA NECESSÁRIA PARA O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE IRMANDADE E PARA CONCORRER NA SUCESSÃO DA IRMÃ PRÉ-MORTA. AÇÃO DECLARATÓRIA ADEQUADA. INVIABILIDADE DE EXAME DA QUESTÃO NO BOJO DO PRÓPRIO INVENTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO NO CPC/73. QUESTÃO DE MÉRITO NO CPC/15. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA OU IMPLÍCITA DA PRETENSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 1.614 DO CC/2002. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. DESSEMELHANÇA DAS QUESTÕES FÁTICAS. 1- Ação proposta em 16/10/2017. Recurso especial interposto em 24/08/2018 e atribuído à Relatora em 20/11/2019. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido é nulo por vício de fundamentação, por ter deixado de observar a jurisprudência desta Corte sem demonstrar a existência de distinção ou superação do entendimento; (ii) se é admissível, sob a ótica da legitimidade ativa, do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido, a petição inicial de ação declaratória de reconhecimento do vínculo biológico de irmandade, em que os irmãos unilaterais pretendem o reconhecimento de vínculo biológico com a irmã pré-morta cuja relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não foi pleiteada ou reconhecida em vida. 3- A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos. Precedente. 4- Os irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, ainda que a relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não tenha sido reconhecida em vida, pois a ação veicula alegado direito próprio, autônomo e personalíssimo em ver reconhecida a existência da relação jurídica familiar e, eventualmente, concorrer na sucessão da irmã falecida. 5- O fato de o hipotético acolhimento da pretensão deduzida revelar a existência de outros vínculos biológicos não desvendados em vida por outros familiares não pode obstar o exercício de direito próprio e autônomo dos irmãos, que apenas seriam partes ilegítimas se pretendessem o reconhecimento, em caráter principal, do suposto vínculo biológico entre a falecida irmã e o pai comum. 6- Os irmãos unilaterais possuem interesse processual para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, quer seja porque se trata da medida necessária para o reconhecimento do vínculo de parentesco natural, bastante em si mesma para o exercício de direitos personalíssimos e passo necessário para a obtenção do direito sucessório, quer seja por se tratar da via adequada para essa finalidade diante da impossibilidade de reconhecimento da condição de herdeiro no bojo do inventário diante da necessidade de produção de prova distinta da documental. 7- A impossibilidade jurídica do pedido, que era considerada condição da ação no CPC/73, passou a ser considerada uma questão de mérito a partir da entrada em vigor do CPC/15, como se depreende da exposição de motivos do novo Código, da doutrina majoritária e da jurisprudência desta Corte. Precedente. 8- Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação expressa ou implícita à pretensão de direito autônomo à declaração de existência de relação de parentesco natural entre pessoas supostamente pertencentes à mesma família, calcada nos direitos personalíssimos de investigar a origem genética e biológica e a ancestralidade (corolários da dignidade da pessoa humana) e do qual pode eventualmente decorrer direito de natureza sucessória, não se aplicando à hipótese a regra do art. 1.614 do CC/2002. 9- Não se conhece do recurso especial pelo dissídio jurisprudencial quando os paradigmas versam sobre questões distintas daquela examinada no acórdão recorrido. 10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, a fim de anular a sentença que liminarmente indeferiu a petição inicial e determinar seja dado regular prosseguimento à ação. (STJ. REsp 1.892.941-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021. - Publicado no Informativo nº 699)