STJ. REsp 1.924.161-SP

Enunciado: O contrato a termo de moeda, espécie de instrumento derivativo, possibilita proteção de riscos de mercado decorrentes da variação cambial. Por meio dele, assume-se a obrigação de pagar a quantia correspondente à diferença resultante entre a taxa de câmbio contratada e a taxa de mercado da data futura estabelecida na avença. Os contratos derivativos, de modo geral, classificam-se como contratos aleatórios, firmados com a finalidade precípua de expor as partes à alternativa recíproca de ganho ou perda, de acordo com a ocorrência de evento futuro e incerto. É sabido que, quando do julgamento do tema repetitivo 1.051, a Segunda Seção desta Corte assentou que, a existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, devendo-se levar em conta, para sua aferição, a ocorrência do respectivo fato gerador, isto é, a data da fonte da obrigação. Tratando-se de contrato a termo de moeda, entretanto, diferentemente do que ocorre em outras espécies de negócios jurídicos, a posição de credor não se evidencia a partir do cumprimento prévio de uma obrigação pela parte contrária, sendo necessário que se aguarde o implemento da condição pactuada (taxa de câmbio futura) para que se verifique o valor devido. Essa situação de pendência, que perdura até a data do vencimento das operações, todavia, não autoriza concluir que o fato que dá origem à obrigação de pagar a quantia apurada seja outro que não a própria contratação. Assim, na medida em que a forma pela qual as partes irão suportar os efeitos decorrentes das operações realizadas está pactuada desde a data da celebração - restando apenas a apuração do saldo definitivo no vencimento -, bem como que a produção desses efeitos não depende da prática de qualquer outro ato, é impositivo reconhecer que a origem, a fonte, o fato gerador das correspondentes obrigações é o próprio contrato, cuja eficácia plena se manifesta desde a assinatura. Vale registrar, outrossim, que, consoante o princípio da retroatividade da condição, a condição pactuada contratualmente, uma vez implementada, faz com que o direito correspondente seja considerado "existente desde a celebração do negócio". Além disso, excetuadas as hipóteses de extraconcursalidade expressamente previstas na Lei n. 11.101/2005 - art. 49, §§ 3º e 4º, p.ex. -, a não sujeição dos créditos posteriores ao pedido de soerguimento ao processo recuperacional (art. 67 da LFRE) tem como objetivo incentivar que terceiros, apesar da condição de crise enfrentada pela sociedade empresária, venham (ou continuem) a manter relações negociais com esta, conferindo, assim, efetividade ao princípio da preservação da empresa (art. 47 da LFRE) e funcionando como elemento fundamental à continuidade das atividades, à manutenção dos empregos e à satisfação dos interesses dos credores. Nesse passo, "[...] contratadas as operações de proteção ao risco cambial, por meio dos contratos NDF, antes do pedido de recuperação judicial, e não se relacionando com qualquer meio concreto de contribuição ao soerguimento da recuperanda, o crédito apurado, na data da liquidação, em favor da instituição financeira agravada, está sujeito à recuperação judicial, a teor do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005". Entendimento em sentido diverso, convém gizar, não seria apto a garantir tratamento isonômico à totalidade dos credores de uma mesma classe, pois possibilitaria que créditos decorrentes de contratos idênticos, eventualmente celebrados numa mesma data, fossem submetidos a situações díspares (concursalidade x extraconcursalidade) simplesmente em função dos vencimentos das operações contratadas, circunstância que atentaria contra a coerência do microssistema recuperacional.

Tese Firmada: Os créditos decorrentes de contratos a termo de moeda submetem-se aos efeitos da recuperação judicial ainda que seus vencimentos ocorram após o deferimento do pedido de soerguimento.

Questão Jurídica: Recuperação judicial. Contrato a termo de moeda. Sujeição dos créditos. Concursalidade. Art. 49 da Lei n. 11.101/2005. Fato gerador anterior ou posterior à data do pedido de recuperação judicial. Indiferença.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO A TERMO DE MOEDA. NON-DELIVERABLE FORWARD. DISCUSSÃO ACERCA DA SUJEIÇÃO DOS CRÉDITOS DELE DECORRENTES AO PLANO DE SOERGUIMENTO. ART. 49 DA LEI 11.101/05. FATO GERADOR ANTERIOR À DATA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONCURSALIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. Impugnação de crédito apresentada em 10/10/2019. Recurso especial interposto em 1/10/2020. Autos encaminhados à Relatora em 9/3/2021. 2. O propósito recursal, além de averiguar a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se créditos decorrentes de contratos a termo de moeda (non-deliverable forward) submetem-se aos efeitos da recuperação judicial do devedor na hipótese de seus vencimentos ocorrerem após o deferimento do pedido de soerguimento. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses do recorrente. 4. De acordo com a norma do art. 49, caput, da Lei 11.101/05, não se submetem aos efeitos do processo de soerguimento aqueles credores cujas obrigações foram constituídas após a data em que o devedor ingressou com o pedido de recuperação judicial. 5. O contrato a termo de moeda, espécie de instrumento derivativo, possibilita proteção de riscos de mercado decorrentes da variação cambial. Por meio dele, assume-se a obrigação de pagar a quantia correspondente à diferença resultante entre a taxa de câmbio contratada e a taxa de mercado da data futura estabelecida na avença. 6. Os contratos derivativos, de modo geral, classificam-se como contratos aleatórios, firmados com a finalidade precípua de expor as partes à alternativa recíproca de ganho ou perda, de acordo com a ocorrência de evento futuro e incerto. Doutrina. 7. A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, devendo-se levar em conta, para sua aferição, a ocorrência do respectivo fato gerador, isto é, a data da fonte da obrigação. Precedente qualificado. Tema repetitivo n. 1.051. 8. A fonte (fato gerador) da obrigação de pagar a quantia que vier a ser liquidada na data do vencimento do contrato a termo de moeda é o próprio contrato firmado com a instituição bancária. 9. A oscilação do parâmetro financeiro (taxa de câmbio) constitui evento previsto e traduz risco deliberadamente assumido pelas partes, não sendo ela, todavia, a gênese da respectiva obrigação. 10. Ademais, excetuadas as hipóteses de extraconcursalidade expressamente previstas na Lei 11.101/05, a não sujeição dos créditos posteriores ao pedido de soerguimento ao processo recuperacional tem como objetivo incentivar que terceiros, apesar da condição de crise enfrentada pela sociedade empresária, venham (ou continuem) a manter relações negociais com esta, conferindo, assim, efetividade ao princípio da preservação da empresa e funcionando como elemento fundamental à continuidade das atividades, à manutenção dos empregos e à satisfação dos interesses dos credores. Nesse passo, como as operações em questão, uma vez que contratadas antes do pedido de soerguimento, não contribuem com o reerguimento econômico da recorrida, o crédito apurado na data da liquidação deve submeter-se aos efeitos do plano. 11. Por derradeiro, no que concerne aos arts. 193 e 194 da Lei 11.101/05, apontados como violados pelo recorrente, dessume-se que não houve impugnação específica aos fundamentos utilizados pelo aresto impugnado quanto à sua não incidência na espécie. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. (STJ. REsp 1.924.161-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021. - Publicado no Informativo nº 700)