STJ. RMS 64.894-SP

Enunciado: A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, § 2º e § 3º, do CPC/2015, autoriza a conclusão no sentido de que apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada. Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica nesse particular. Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça àqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/2015, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo. É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível. A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, § 2º, do CPC/2015, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria.

Tese Firmada: É admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC ao defensor dativo nomeado em razão de convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria.

Questão Jurídica: Intimação pessoal da parte assistida pela Defensoria Pública. Extensão da prerrogativa ao defensor dativo. Possibilidade. Interpretação sistemática e teleológica do art. 186, §2º, do CPC/2015.

Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO ART. 186, §2º, DO CPC/15. AUSÊNCIA DE RAZÃO JURÍDICA PLAUSÍVEL PARA TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE A DEFENSORIA PÚBLICA E O DEFENSOR DATIVO NA HIPÓTESES. PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO, DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES E EXCESSO DE CAUSAS, QUE JUSTIFICARAM A EDIÇÃO DA REGRA, QUE SÃO EXPERIMENTADOS POR AMBOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL E RESTRITIVA QUE ACARRETARIA NOTÓRIO PREJUÍZO AO ASSISTIDO QUE A LEI PRETENDEU TUTELAR, COM VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXTENSÃO DA PRERROGATIVA AO DEFENSOR DATIVO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE ASSISTIDA. EXIGÊNCIA DE QUE HAJA PROVIDÊNCIA A SER POR ELA REALIZADA OU INFORMAÇÃO A SER POR ELA PRESTADA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER CONTRA A SENTENÇA PARCIALMENTE DESFAVORÁVEL AO ASSISTIDO. DESNECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO ASSISTIDO. MANDATO COM PODERES GERAIS DA CLÁUSULA AD JUDICIA. AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS NECESSÁRIOS À DEFESA DO ASSISTIDO, INCLUSIVE RECORRER. 1- O propósito recursal é definir se é admissível a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública, de requerer a intimação pessoal da parte na hipótese do art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos para o deferimento da intimação pessoal da parte assistida. 2- A interpretação literal das regras contidas do art. 186, caput, §2º e §3º, do CPC/15, autorizaria a conclusão de apenas a prerrogativa de cômputo em dobro dos prazos prevista no caput seria extensível ao defensor dativo, mas não a prerrogativa de requerer a intimação pessoal da parte assistida quando o ato processual depender de providência ou informação que somente por ela possa ser realizada ou prestada. 3- Esse conjunto de regras, todavia, deve ser interpretado de modo sistemático e à luz de sua finalidade, a fim de se averiguar se há razão jurídica plausível para que se trate a Defensoria Pública e o defensor dativo de maneira anti-isonômica. 4- Dado que o defensor dativo atua em locais em que não há Defensoria Pública instalada, cumprindo o quase altruísta papel de garantir efetivo e amplo acesso à justiça aqueles mais necessitados, é correto afirmar que as mesmas dificuldades de comunicação e de obtenção de informações, dados e documentos, experimentadas pela Defensoria Pública e que justificaram a criação do art. 186, §2º, do CPC/15, são igualmente frequentes em relação ao defensor dativo. 5- É igualmente razoável concluir que a altíssima demanda recebida pela Defensoria Pública, que pressiona a instituição a tratar de muito mais causas do que efetivamente teria capacidade de receber, também se verifica quanto ao defensor dativo, especialmente porque se trata de profissional remunerado de maneira módica e que, em virtude disso, naturalmente precisa assumir uma quantidade significativa de causas para que obtenha uma remuneração digna e compatível. 6- A interpretação literal e restritiva da regra em exame, a fim de excluir do seu âmbito de incidência o defensor dativo, prejudicará justamente o assistido necessitado que a regra pretendeu tutelar, ceifando a possibilidade de, pessoalmente intimado, cumprir determinações e fornecer subsídios, em homenagem ao acesso à justiça, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual deve ser admitida a extensão da prerrogativa conferida à Defensoria Pública no art. 186, §2º, do CPC/15, também ao defensor dativo nomeado em virtude de convênio celebrado entre a OAB e a Defensoria. 7- Segundo o art. 186, §2º, do CPC/15, a intimação pessoal da parte assistida pressupõe uma providência que apenas por ela possa ser realizada ou uma informação que somente por ela possa ser prestada, como, por exemplo, indicar as testemunhas a serem arroladas, exibir documento por força de ordem judicial, cumprir a sentença (art. 513, §2º, II, do CPC/15) e ser cientificado do requerimento, pelo exequente, de adjudicação do bem penhorado (art. 876, §1º, II, do CPC/15). 8- O ato de recorrer da sentença que for desfavorável ao assistido, contudo, não está no rol de providências ou de informações que dependam de providência ou de informação que somente possa ser realizada ou prestada pela parte, pois o mandato outorgado ao defensor dativo lhe confere os poderes gerais da cláusula ad judicia, que permitem ao defensor não apenas ajuizar a ação, mas também praticar todos os atos processuais necessários à defesa dos interesses do assistido, inclusive recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis. 9- Na hipótese, ademais, há procuração outorgada pela assistida com poderes expressos para recorrer e que foi utilizada pelo defensor dativo, inclusive, para, em nome dela, impetrar o mandado de segurança e para interpor recurso ordinário do acórdão que denegou a ordem, o que demonstra a desnecessidade da prévia intimação pessoal da assistida para que fosse impugnada a sentença de parcial procedência da ação de divórcio cumulada com guarda e alimentos. 10- Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido. (STJ. RMS 64.894-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021, DJe de 9/8/2021. - Publicado no Informativo nº 703)