STJ. REsp 1.566.852-SP

Enunciado: O art. 1.691 do CC/2002 dispõe não poderem os pais "alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz". Sobre a questão, esta Corte já se pronunciou no sentido de que a contratação de advogado por representante de incapaz, para atuar em inventário, como ocorre na presente hipótese, configura ato de simples administração e independe de autorização judicial. A propósito: REsp 1.694.350/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 18/10/2018. Na hipótese, a mãe dos menores e únicos herdeiros contratou advogados para defender os interesses de seus filhos menores e pactuou honorários de 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados. Assim, embora se reconheça mais prudente, sem dúvida, a prévia obtenção de autorização judicial, tem-se que a atuação da genitora ao constituir advogados para defesa dos interesses patrimoniais de seus filhos configura exercício do poder familiar, compatível com o conceito de ato de simples administração, que pode prescindir da autorização judicial. Com efeito, estando aberta a sucessão do genitor dos menores, herdeiros legítimos e testamentários do morto, não poderiam os sucessores deixar de comparecer nos autos respectivos. E, para fazê-lo, necessitavam da constituição de patronos judiciais. A constituição válida de advogado para os filhos, passava necessariamente pela pessoa da única legítima representante dos menores, sua genitora. Ademais, não se tem nos autos informação sobre a existência de conflito de interesses entre os filhos menores e a mãe, de modo que é devido presumir-se tenha a genitora exercido o poder familiar no proveito, interesse e proteção de sua prole. Deve-se se considerar, inclusive, a provável hipótese de a genitora dos menores herdeiros e a inventariante, testamenteira e administradora dos bens deixados pelo pai dos menores, não se acreditarem mutuamente, nem se relacionarem bem a pondo de nutrirem confiança recíproca. Em tal contexto, de sentimento antagônico, de mútua desconfiança e insegurança, entre a genitora e a administradora dos bens, havia suficiente motivação a justificar a contratação, pela mãe em favor dos filhos, de advogados que pudessem acompanhar a adequada condução do inventário e a correta administração do espólio dos bens deixados por morte do genitor dos menores, verificando a existência de eventual conflito com os interesses dos herdeiros. Com isso, afasta-se a nulidade do contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão de vício formal, quer decorrente de ausência de legitimidade da mãe para representar os filhos menores na contratação, quer em razão de falta de prévia autorização judicial ou mesmo de outra formalidade inerente ao ato. Porém, noutro aspecto, não se pode reconhecer, de imediato, a plena validade de todo o conteúdo material da contratação, a ponto de se lhe certificar os atributos de liquidez, certeza e exigibilidade em face dos menores contratantes, antes do exame desses aspectos substanciais pelo órgão ministerial, atuando no interesse dos menores, máxime quando há questionamento acerca do valor do ajuste.

Tese Firmada: O fato de ter sido concedida a gestão da herança a terceiro não implica restrição do exercício do poder familiar do genitor sobrevivente para promover a contratação de advogado, em nome dos herdeiros menores, a fim de representar os interesses deles no inventário.

Questão Jurídica: Execução. Contrato de honorários. Terceiro inventariante e administrador dos bens. Herdeiros menores. Contratação de advogado pela genitora. Poder familiar. Nulidade formal. Inocorrência.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA E SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO POR REPRESENTANTE DE INCAPAZ. INVENTÁRIO. LEGITIMIDADE. PODER FAMILIAR. ATO DE SIMPLES ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na espécie, a mãe dos menores, únicos herdeiros do pai falecido, representando-os contratou em nome destes os advogados ora recorrentes para defender os interesses dos menores na sucessão causa mortis do genitor, tendo pactuado, por escrito, "honorários de 3% sobre o valor real dos bens móveis e imóveis inventariados", conforme consignado no acórdão recorrido. 2. Ajuizada pelos advogados a execução do contrato de honorários advocatícios contra a representante e os filhos menores, veio a inventariante do espólio e tia paterna dos herdeiros oferecer exceção de pré-executividade em favor dos filhos do de cujus. Sustentou haver a contratação onerado indevidamente o patrimônio das crianças, sem expressa autorização da administradora do acervo hereditário, tendo, ainda, o negócio sido firmado por pessoa que não possuía ingerência sobre tais bens, dando-os em garantia de pagamento da obrigação. 3. A exceção de pré-executividade foi acolhida, com a extinção da execução em relação aos menores, ao entendimento de que a excipiente fora nomeada inventariante e administradora do patrimônio deixado pelo morto, não estando a mãe legitimada a contrair aquela obrigação contratual, sendo nulo o contrato com relação aos menores, com fulcro no artigo 618, inciso I do CPC. Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, vindo o especial. 4. Afasta-se a nulidade do contrato de prestação de serviços advocatícios, em razão de vício formal, quer decorrente de ausência de legitimidade da mãe para representar os filhos menores na contratação, quer em razão de falta de prévia autorização judicial ou mesmo de outra formalidade inerente ao ato. 5. Embora se reconheça mais prudente, sem dúvida, a prévia obtenção de autorização judicial, tem-se que a atuação da genitora ao constituir advogados para defesa dos interesses patrimoniais de seus filhos na sucessão aberta configura exercício do poder familiar, compatível com o conceito de ato de simples administração, que pode prescindir da autorização judicial (CC/2002, arts. 1.630, 1.631, 1.634, VI e VII, 1.689, II, 1.690 e 1.691). 6. Contudo, não é possível, na hipótese, reconhecer, de imediato, a plena validade de todo o conteúdo material da contratação, a ponto de se lhe certificar os atributos de liquidez, certeza e exigibilidade em face dos contratantes, antes do exame desses aspectos substanciais pelo órgão ministerial, atuando no interesse dos incapazes, máxime quando há questionamento acerca do valor do ajuste, devendo ser mantida a exclusão dos menores do polo passivo da execução do contrato. 7. Recurso especial parcialmente provido para afastar a nulidade formal do contrato de honorários advocatícios. (STJ. REsp 1.566.852-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 17/08/2021. - Publicado no Informativo nº 705)