STJ. EDcl no REsp 1.830.508-RS

Enunciado: Diante da importância da matéria e para evitar questionamentos futuros, o item 10 da ementa do acórdão embargado passa a contar com a seguinte redação: é possível o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, mesmo após EC n. 103/2019, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei n. 9.032/1995 e ao Decreto n. 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 05/03/1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado. Isso porque ficou consignado no voto-vista da Ministra Assusete Magalhães, que em que pese a atual redação do art. 201, § 1º, II, da Constituição Federal, dada pela EC n. 103/2019, a matéria relativa à aposentadoria especial, na forma da EC n. 103/2019, não é auto-executável, estando a depender de lei complementar regulamentadora, de tal sorte que subsiste a legislação infraconstitucional, que prevê, no art. 57 da Lei n. 8.213/1991, aposentadoria especial pelo trabalho em condições que prejudiquem a integridade física, bem como no seu § 4º, que "o segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conheceu parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos da reformulação de voto do Relator, o então Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que aderiu às sugestões conferidas pelo voto-vista da Ministra Assusete Magalhães, o qual foi acatado em sua integralidade por todos os Ministros deste Colegiado.

Tese Firmada: É possível o reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, mesmo após EC n. 103/2019, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei n. 9.032/1995 e ao Decreto n. 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 05/03/1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.

Questão Jurídica: Possibilidade do reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, mesmo após EC n. 103/2019. Efeito integrativo. Acréscimo na redação da tese fixada no item 10 do acórdão embargado. Tema 1031.

Ementa: I. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMÁTICA DE RECURSOS REPETITIVOS. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE, COM OU SEM O USO DE ARMA DE FOGO. II. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO PELA VIA DA JURISDIÇ]ÃO, COM APOIO PROCESSUAL EM QUALQUER MEIO PROBATÓRIO MORALMENTE LEGÍTIMO, APÓS O ADVENTO DA LEI 9.032/1995, QUE ABOLIU A PRÉ-CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O EFEITO DE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE NOCIVIDADE OU RISCO À SAÚDE DO TRABALHADOR, EM FACE DA ATIVIDADE LABORAL. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991. III. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO, DADA A INESGOTABILDIADE REAL DA RELAÇÃO DESSES FATORES. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS NA REGRA POSITIVA ENUNCIATIVA. REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA NOCIVIDADE. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE A FATORES DE RISCO (ART. 57, § 3o., DA LEI 8.213/1991). IV. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE NEGA PROVIMENTO, EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. 1. É certo que no período de vigência dos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979 a especialidade da atividade se dava por presunção legal, de modo que bastava a informação acerca da profissão do Segurado para lhe assegurar a contagem de tempo diferenciada. Contudo, mesmo em tal período se admitia o reconhecimento de atividade especial em razão de outras profissões não previstas nestes decretos, exigindo-se, nessas hipóteses provas cabais de que a atividade nociva era exercida com a exposição aos agentes nocivos ali descritos.2. Neste cenário, até a edição da Lei 9.032/1995, nos termos dos Decretos 53.080/1979 e 83.080/1979, admite-se que a atividade de Vigilante, com ou sem arma de fogo, seja considerada especial, por equiparação à de Guarda. 3. A partir da vigência da Lei 9.032/1995, o legislador suprimiu a possibilidade de reconhecimento de condição especial de trabalho por presunção de periculosidade decorrente do enquadramento na categoria profissional de Vigilante. Contudo, deve-se entender que a vedação do reconhecimento por enquadramento legal não impede a comprovação da especialidade por outros meios de prova. Aliás, se fosse proclamada tal vedação, se estaria impedindo os julgadores de proferir julgamentos e, na verdade, implantando na jurisdição a rotina burocrática de apenas reproduzir com fidelidade o que a regra positiva contivesse. Isso liquidaria a jurisdição previdenciária e impediria, definitivamente, as avaliações judiciais sobre a justiça do caso concreto. 4. Desse modo, admite-se o reconhecimento da atividade especial de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995, desde que apresentadas provas da permanente exposição do Trabalhador à atividade nociva, independentemente do uso de arma de fogo ou não. 5. Com o advento do Decreto 2.172/1997, a aposentadoria especial sofre nova alteração, pois o novo texto não mais enumera ocupações, passando a listar apenas os agentes considerados nocivos ao Trabalhador, e os agentes assim considerados seriam, tão-somente, aqueles classificados como químicos, físicos ou biológicos. Não traz o texto qualquer referência a atividades perigosas, o que à primeira vista, poderia ao entendimento de que está excluída da legislação a aposentadoria especial pela via da periculosidade. Essa conclusão, porém, seria a negação da realidade e dos perigos da vida, por se fundar na crença - nunca confirmada - de que as regras escritas podem mudar o mundo e as vicissitudes do trabalho, os infortúnios e os acidentes, podem ser controlados pelos enunciados normativos. 6. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura, de modo expresso, o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua integridade física, dando impulso aos termos dos arts. 201, § 1o. e 202, II da Constituição Federal. A interpretação da Lei Previdenciária não pode fugir dessas diretrizes constitucionais, sob pena de eliminar do Direito Previdenciário o que ele tem de específico, próprio e típico, que é a primazia dos Direitos Humanos e a garantia jurídica dos bens da vida digna, como inalienáveis Direitos Fundamentais. 7. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes perigosos não significa que eles - os agentes perigosos - tenham sido banidos das relações de trabalho, da vida laboral ou que a sua eficácia agressiva da saúde do Trabalhador tenha sido eliminada. Também não se pode intuir que não seja mais possível o reconhecimento judicial da especialidade da atividade, já que todo o ordenamento jurídico-constitucional, hierarquicamente superior, traz a garantia de proteção à integridade física e à saúde do Trabalhador. 8. Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no julgamento do 1.306.113/SC, da lavra do Eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, em regime repetitivo, fixou a orientação de que a despeito da supressão do agente nocivo eletricidade, pelo Decreto 2.172/1997, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a tal agente perigoso, desde que comprovada a exposição do Trabalhador de forma permanente, não ocasional, nem intermitente. Esse julgamento deu amplitude e efetividade à função de julgar e a entendeu como apta a dispensar proteções e garantias, máxime nos casos em que a legislação alheou-se às poderosas e invencíveis realidades da vida. 9. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a possibilidade de caracterização da atividade de Vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo, mesmo após a edição do Decreto 2.172/1997, desde que comprovada a exposição do Trabalhador à atividade nociva, de forma permanente, não ocasional, nem intermitente, com a devida e oportuna comprovação do risco à integridade física do Trabalhador. 10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado. 11. Deve-se compreender que a profissão de Vigilante expõe, intuitivamente, o Trabalhador a riscos, nocividades, perigos, danos físicos e emocionais de não pequena monta, que frequentemente se manifestam na proximidade da velhice sob forma de fobias, síndrome de perseguição, neuroses, etc.12. Não há na realidade das coisas da vida como se separar a noção de nocividade da noção de perigo, ou a noção de nocividade da noção de dano ou lesão, pois tudo isso decorre, inevitavelmente, da exposição da pessoa a fatores inumeráveis, como a ansiedade prolongada, o medo constantes, a inquietação espiritual diante de perseguições e agressões iminentes, etc. 13. Análise do caso concreto: no caso dos autos, o Tribunal reconhece haver comprovação da especialidade da atividade, a partir do conjunto probatório formado nos autos, especialmente, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP e os testemunhos colhidos em juízo. Nesse cenário, não é possível acolher a pretensão do recursal do INSS que defende a impossibilidade de reconhecimento da atividade especial de Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995 e do Decreto 2.172/1997. 14. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (STJ. EDcl no REsp 1.830.508-RS, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/09/2021, DJe 28/09/2021. - Publicado no Informativo nº 711)