STJ. REsp 1.915.528-SP

Enunciado: Cinge-se a controvérsia a definir acerca da obrigação das operadoras de planos de saúde e seguradoras de arcar com próteses e órteses e seus acessórios não ligados a ato cirúrgico, quando ausente previsão contratual nesse sentido. Embora ao se contratar um plano de saúde ou seguro de saúde, o consumidor presuma e legitimamente espere que materiais básicos aos procedimentos médicos, como material de sutura, marcapasso, próteses para cirurgia reparadora de mama, pinos para cirurgias ortopédicas e stents estejam cobertos, cumpre observar que o art. 10, VII, da Lei n. 9.656/1998 estabelece que as operadoras de planos de saúde e seguradoras não têm a obrigação de arcar com próteses e órteses e seus acessórios não ligados a ato cirúrgico. Conforme o escólio doutrinário especializado, "o que define a pertinência da cobertura legal mínima obrigatória é colocação extremamente sutil: o fornecimento do dispositivo é vinculado (entenda-se necessário) para que o ato cirúrgico atinja sua finalidade, o que não ocorre na situação contrária quando sendo desnecessário ato cirúrgico precisa-se de órtese ou de prótese". De acordo com o art. 20, §2º, da Resolução Normativa da ANS n. 428/2017, considera-se prótese qualquer material permanente ou transitório que substitua, total ou parcialmente, um membro, órgão ou tecido. É de todo oportuno e prudente consignar que a questão controvertida nada tem a ver com próteses referente a Implante Coclear (IC), que se constitui em um dispositivo eletrônico que substitui parcialmente as funções da cóclea (órgão da audição), implantado mediante procedimento cirúrgico que visa proporcionar aos seus usuários sensação auditiva próxima ao fisiológico. No caso, ao revés, é vindicado a órtese Aparelho de Amplificação Sonora (AASI), que, assim como óculos para pacientes portadores de deficiência visual, não tem correlação com procedimento cirúrgico. Como ponderado em recurso repetitivo julgado pela Segunda Seção, REsp n. 1.755.866/SP, relator Ministro Marco Buzzi, "a universalização da cobertura - apesar de garantida pelo constituinte originário no artigo 198 da Constituição Federal e considerada um dos princípios basilares das ações e serviços públicos de saúde, nos termos do artigo 7º da Lei n. 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências" - não pode ser imposta de modo completo e sem limites ao setor privado, porquanto, nos termos do arts. 199 da Constituição Federal e 4º da Lei n. 8.080/1990, "a assistência à saúde de iniciativa privada é exercida em caráter complementar". Assim, como cediço e realçado no precedente do STF, em sede de repercussão geral (RE 948.634/RS), não se pode ignorar que "a contraprestação paga pelo segurado é atrelada aos riscos assumidos pela prestadora". "Isso obedece à lógica atuarial desta espécie contratual, pois, quanto mais riscos forem cobertos, mais elevado será o prêmio pago pela parte aderente. Esses prêmios, ademais, são calculados de maneira a permitir que, em uma complexa equação atuarial, sejam suficientes para pagar as indenizações aos contratantes e para cobrir os custos de administração, além de, naturalmente, gerar os justos lucros às fornecedoras". Nesse contexto, eventual modificação, a posteriori, das obrigações contratuais implica inegável desequilíbrio contratual e enriquecimento sem causa para os segurados.

Tese Firmada: Não é abusiva a recusa, por operadora ou seguradora de plano de saúde, de custeio de aparelho auditivo de amplificação sonora individual - AASI cuja cobertura não possui previsão contratual.

Questão Jurídica: Plano de saúde. Aparelho auditivo de amplificação sonora individual. Custeio. Negativa. Abusividade. Inocorrência. Ausência de previsão contratual.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRATOS DE PLANOS E DE SEGUROS DE SAÚDE. MENSALIDADES. CALCULADAS MEDIANTE COMPLEXA EQUAÇÃO ATUARIAL. APARELHO AUDITIVO DE AMPLIFICAÇÃO SONORA INDIVIDUAL - AASI. ÓRTESE NÃO LIGADA A PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. COBERTURA LEGAL OBRIGATÓRIA. INEXISTÊNCIA. SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS. DEPENDÊNCIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONTRAPRESTAÇÕES E DA CLARIVIDÊNCIA DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES. INTERVENÇÃO JUDICIAL PARA AMPLIAR O CONTEÚDO OBRIGACIONAL. INVIABILIDADE. 1. A forte intervenção estatal na relação contratual e a expressa disposição do art. 197 da CF deixam límpido que a operação de plano ou seguro de saúde é serviço de relevância pública, extraindo-se da leitura do art. 22, § 1º, da Lei n. 9.656/1998 a inequívoca preocupação do legislador com o equilíbrio financeiro-atuarial dos planos e seguros de saúde, que devem estar assentados em planos de custeio elaborados por profissionais, segundo diretrizes definidas pelo Consu. 2. O art. 10, VII, da Lei n. 9.656/1998 estabelece que as operadoras de planos de saúde e as seguradoras não têm a obrigação de arcar com próteses e órteses e seus acessórios não ligados a ato cirúrgico. Portanto, o que define a cobertura legal mínima obrigatória é colocação extremamente sutil: o fornecimento do dispositivo é vinculado (entenda-se necessário) para que o ato cirúrgico atinja sua finalidade, o que não ocorre na situação contrária quando, sendo desnecessário ato cirúrgico - caso do vindicado aparelho auditivo de amplificação sonora individual -, precisa-se de órtese ou de prótese. 3. Por um lado, a segurança das relações jurídicas depende da lealdade, da equivalência das prestações e contraprestações, da confiança recíproca, da efetividade dos negócios jurídicos, da coerência e clarividência dos direitos e obrigações. Por outro lado, se ocorrem motivos que justifiquem a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo - o que se justifica, ademais, como decorrência do próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar. 4. Como cediço e realçado em precedente do STF, na esfera de repercussão geral (RE n. 948.634/RS), não se pode ignorar que a contraprestação paga pelo usuário do plano de saúde é atrelada aos riscos assumidos pela operadora, calculada de maneira a permitir que, em uma complexa equação atuarial, seja suficiente para custear as coberturas contratuais e cobrir os custos de administração, além de, naturalmente, gerar os justos lucros. Nesse contexto, eventual modificação, a posteriori, das obrigações contratuais, a par de ocasionar insegurança jurídica, implica inegável desequilíbrio contratual e enriquecimento sem causa para os usuários dos planos de saúde. 5. Recurso especial parcialmente provido. (STJ. REsp 1.915.528-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021. - Publicado no Informativo nº 713)