STJ. REsp 1.943.690-SP

Enunciado: A prática de atos fraudulentos, capazes de ensejar confusão perante o público consumidor de determinado produto - o que gera desvio de clientela -, autoriza a vítima, independentemente da existência de registro de direito de propriedade industrial, a deduzir pretensão em juízo contra o infrator. Tal conclusão, vale mencionar, decorre do texto expresso da Lei n. 9.279/1996, que contém uma série de normas específicas destinadas à inibição da concorrência desleal, tais como aquela veiculada em seu art. 195, III, que considera crime de concorrência desleal o emprego de meio fraudulento para desvio de clientela alheia, e aquela do art. 209, que garante ao prejudicado o direito de haver perdas e danos decorrentes de atos dessa natureza, mormente quando lesarem a reputação ou os negócios, criarem confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. O que o sistema protetivo concorrencial procurar coibir (no que importa à espécie) é, portanto, o aproveitamento indevido de conjunto-imagem alheio pela adoção de práticas que causem confusão entre produtos ou serviços concorrentes, resultando em prejuízo ao respectivo titular e/ou ao público consumidor. É certo, sobre o tema em questão, que, "A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua usurpação encontra óbice na repressão da concorrência desleal" (REsp 1.843.339/SP, Terceira Turma, DJe 05/12/2019). Convém lembrar que trade dress pode ser conceituado, resumidamente, como o conjunto de caraterísticas visuais que forma a aparência geral de um produto ou serviço. Impõe-se ressaltar, todavia - conforme assentado por ocasião do julgamento do REsp 1.677.787/SC (Terceira Turma, DJe 02/10/2017) - que, para configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular, simplesmente, comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessária a observância de alguns requisitos básicos para garantia da proteção jurídica. Em primeiro lugar, há que se atentar para o fato de que as características gráfico-visuais do produto ou embalagem não podem guardar relação com exigências inerentes à técnica ou à funcionalidade precípua do produto. Ou seja, os elementos que formam o conjunto-imagem não podem ter outra função ou propósito que não seja especificamente a diferenciação do bem no mercado onde está inserido. Sobre o tema, a doutrina é categórica ao afirmar que apenas "têm proteção contra a concorrência ilícita os elementos não funcionais das embalagens, estejam protegidos por registro de desenho industrial ou de marca tridimensional (quando a concorrência é ilícita por ser interdita), ou sejam simplesmente objeto da criatividade concorrencial, antes ou prescindindo de qualquer registro (quando a concorrência é ilícita por ser desleal)" (excerto transcrito do acórdão do REsp 1.677.787/SC). Imprescindível, igualmente, para que se reconheça proteção ao conjunto-imagem, haver possibilidade de confusão ou associação indevida entre os produtos, na medida em que configura prática anticoncorrencial a utilização de artifícios capazes de ensejar desvio de clientela (art. 195, III, da LPI). Outro elemento que deve estar presente para que o titular do direito possa reclamar tutela jurisdicional - além da anterioridade do uso do conjunto-imagem - é sua distintividade frente aos concorrentes que é, conforme defende a doutrina, "o escopo de proteção conferido ao trade dress é diretamente proporcional ao seu grau de distintividade. Trade dresses únicos e absolutamente distintivos são merecedores de um amplo escopo de proteção". Assim, dado o contexto dos autos - em que as recorrentes deixaram de pleitear o registro de desenho industrial para seus produtos -, era ônus que lhes incumbia comprovar tanto a anterioridade do uso quanto a distintividade do conjunto-imagem, na medida em que, ausentes tais circunstâncias, não se pode falar que a utilização de elementos estéticos semelhantes, que se presume estarem em domínio público, configure concorrência desleal. Consoante assevera a doutrina, "a mera utilização de design em domínio público não se apresenta, em si, como prática de concorrência desleal, visto que se apresenta como conduta em conformidade seja com o contexto jus positivo decorrente da hermenêutica do conjunto de normas (e de sua ratio) presentes na Lei da Propriedade Industrial, seja com o filtro jus axiológico derivado diretamente da Carta Constitucional". Veja-se que, caso se tratasse de desenhos industriais devidamente registrados junto ao INPI, o exame acerca da novidade e da originalidade dos elementos visuais do produto constituiria etapa prévia e necessária para concessão do título respectivo (arts. 95 a 97 da LPI), sem as quais o registro não seria conferido e, por consequência, não se poderia falar em exclusividade de uso. Desse modo, a fim de não conferir maior proteção àqueles que optam por deixar de trilhar o caminho apontado pelo ordenamento jurídico para alcançar o amparo de seus direitos de propriedade industrial (registro perante o INPI), é imperioso que o ônus probatório acerca da anterioridade de uso e da distintividade do conjunto-imagem recaia sobre aquele que reclama a tutela jurisdicional, na medida em que se trata de fatos constitutivos do direito reclamado. De se notar que o mesmo raciocínio, mutatis mutandis, é empregado quando se trata de invocação de tutela fundada em direito autoral, pois incumbe àquele que invoca a proteção o ônus de demonstrar - exceto no caso de haver identificação na própria obra, na forma do art. 12 da LDA - tanto que é ele, de fato, o criador da obra artística - ou que a ele foram transferidos os direitos correlatos - como que se trata de criação dotada de originalidade.

Tese Firmada: Para configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular, simplesmente, comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessária a observância de alguns pressupostos para garantia da proteção jurídica: ausência de caráter meramente funcional; distintividade; confusão ou associação indevida, anterioridade de uso.

Questão Jurídica: Concorrência desleal. Violação de trade dress. Utilização de design em domínio público. Não caracterização. Comprovação de requisitos. Necessidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO E INDENIZATÓRIA. PEÇAS DE VESTUÁRIO ÍNTIMO FEMININO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE INCIDÊNCIA DA LEI 9.610/98. DIREITO AUTORAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ORIGINALIDADE NÃO CONSTATADA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. VIOLAÇÃO DE TRADE DRESS. DISTINTIVIDADE. AUSÊNCIA. CONFUSÃO NO PÚBLICO CONSUMIDOR NÃO VERIFICADA. SÚMULA 211/STJ. SÚMULA 284/STF. SÚMULA 7/STJ. 1. Ação ajuizada em 11/5/2017. Recurso especial interposto em 11/3/2021. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 22/6/2021. 2. O propósito recursal consiste em definir se a recorrida deve se abster de comercializar peças de vestuário que se assemelham à linha de produtos fabricada pelas recorrentes, bem como se tal prática é causadora de danos indenizáveis. 3. São passíveis de proteção pela Lei 9.610/98 as criações que configurem exteriorização de determinada expressão intelectual, com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original. 4. O rol de obras intelectuais apresentado no art. 7º da Lei de Direitos Autorais é meramente exemplificativo. 5. O direito de autor não toma em consideração a destinação da obra para a outorga de tutela. Obras utilitárias são igualmente protegidas, desde que nelas se possa encontrar a exteriorização de uma "criação de espírito". Doutrina. 6. Os arts. 95 e 96 da Lei 9.279/96 não foram objeto de deliberação pelo Tribunal de origem, de modo que é defeso o pronunciamento desta Corte Superior quanto a seus conteúdos normativos (Súmula 211/STJ). Ademais, as recorrentes sequer demonstraram de que modo teriam sido eles violados pelo acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. 7. A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua imitação encontra óbice na repressão à concorrência desleal. Precedentes. 8. Para configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular, simplesmente, comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessária a observância de alguns pressupostos para garantia da proteção jurídica (ausência de caráter meramente funcional; distintividade; confusão ou associação indevida, anterioridade de uso). 9. Hipótese concreta em que o Tribunal de origem, soberano no exame do conteúdo probatório, concluiu que (i) há diferenças significativas entre as peças de vestuário comparadas; (ii) o uso de elementos que constam da linha estilística das recorrentes revela tão somente uma tendência do segmento da moda íntima feminina; e (iii) não foi comprovada a prática de atos anticoncorrenciais que pudessem ensejar confusão no público consumidor. 10. Não sendo cabível o revolvimento do acervo fático e das provas produzidas nos autos em sede de recurso especial, a teor do entendimento consagrado na Súmula 7/STJ, é de rigor o desacolhimento da pretensão recursal. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (STJ. REsp 1.943.690-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021, DJe 22/10/2021. - Publicado no Informativo nº 715)