STJ. REsp 1.943.690-SP

Enunciado: O art. 7º da Lei n. 9.610/1998 assegura proteção contra uso não autorizado às "criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro". As exceções à tutela legal constam do art. 8º da lei precitada, que, restringindo o âmbito de atuação do diploma normativo, elenca diversas hipóteses que não comportam amparo. De se notar que, enquanto o art. 7º da Lei de Direitos Autorais veicula um rol exemplificativo de obras protegidas - o que se depreende do uso da expressão "tais como" ao final do caput do mencionado dispositivo legal -, o subsequente art. 8º traz as correspondentes exceções em rol taxativo. Desse modo, ainda que certas obras intelectuais não constem expressamente dos incisos do art. 7º da LDA, basta, em linhas gerais, que se trate de "criação do espírito" - e que não integrem qualquer das exceções do art. 8º - para que incidam sobre elas os ditames protetivos da lei em destaque. Isto é, qualquer criação que configure uma exteriorização de determinada expressão intelectual, com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original, é passível de proteção pelo direito autoral. No que concerne à espécie, de se notar que, dentre as hipóteses elencadas no art. 8º da LDA, não foram incluídos, especificamente, designs de estampas de roupas como exceção à regra protetiva, de modo que não podem ser, de antemão, excluídos do amparo legal. Portanto, o fato de os produtos fabricados estarem inseridos na chamada "indústria da moda" não autoriza, por si só, a conclusão de que eventuais elementos que os integram - como o desenho de bordados, rendas ou estampas - não estejam sujeitos à tutela da Lei n. 9.610/1998. Isso porque, conforme bem observa a doutrina, se incluem no âmbito do direito de autor todas as obras que, por si, realizam finalidades estéticas, independentemente de serem ou não utilizadas com fins industriais. Assevera a doutrina que ao tratar da diferença entre obras estéticas (passíveis de proteção pelo direito autoral) e meramente utilitárias (não protegidas pela LDA) - que, enquanto as primeiras possuem valor estético autônomo, independentemente de sua origem, de sua destinação ou de uso efetivo (uma vez que o atributo se encerra em si mesmo, nas próprias formas criadas), as segundas têm por objetivo tão somente a consecução de utilidades materiais diretas, apresentando apenas função prática. A hipótese dos autos, em realidade, versa sobre suposta violação das assim denominadas "obras de arte aplicada", que se definem por serem uma criação intelectual que combina, ao mesmo tempo, caráter estético e conotação utilitária, servindo para fins comerciais ou industriais. Diante desse panorama, tem-se por viável, em tese, a invocação das normas de direito autoral para a tutela das criações intelectuais.

Tese Firmada: Eventuais elementos que integram a chamada "indústria da moda" - como o desenho de bordados, rendas ou estampas - podem se sujeitar à tutela da Lei n. 9.610/1998, quando configurarem uma exteriorização de determinada expressão intelectual.

Questão Jurídica: Propriedade intelectual e concorrência desleal. Indústria da moda. Peças de vestuário íntimo feminino. Direito autoral. Incidência da Lei n. 9.610/1998. Possibilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO E INDENIZATÓRIA. PEÇAS DE VESTUÁRIO ÍNTIMO FEMININO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE INCIDÊNCIA DA LEI 9.610/98. DIREITO AUTORAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ORIGINALIDADE NÃO CONSTATADA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. VIOLAÇÃO DE TRADE DRESS. DISTINTIVIDADE. AUSÊNCIA. CONFUSÃO NO PÚBLICO CONSUMIDOR NÃO VERIFICADA. SÚMULA 211/STJ. SÚMULA 284/STF. SÚMULA 7/STJ. 1. Ação ajuizada em 11/5/2017. Recurso especial interposto em 11/3/2021. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 22/6/2021. 2. O propósito recursal consiste em definir se a recorrida deve se abster de comercializar peças de vestuário que se assemelham à linha de produtos fabricada pelas recorrentes, bem como se tal prática é causadora de danos indenizáveis. 3. São passíveis de proteção pela Lei 9.610/98 as criações que configurem exteriorização de determinada expressão intelectual, com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original. 4. O rol de obras intelectuais apresentado no art. 7º da Lei de Direitos Autorais é meramente exemplificativo. 5. O direito de autor não toma em consideração a destinação da obra para a outorga de tutela. Obras utilitárias são igualmente protegidas, desde que nelas se possa encontrar a exteriorização de uma "criação de espírito". Doutrina. 6. Os arts. 95 e 96 da Lei 9.279/96 não foram objeto de deliberação pelo Tribunal de origem, de modo que é defeso o pronunciamento desta Corte Superior quanto a seus conteúdos normativos (Súmula 211/STJ). Ademais, as recorrentes sequer demonstraram de que modo teriam sido eles violados pelo acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. 7. A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua imitação encontra óbice na repressão à concorrência desleal. Precedentes. 8. Para configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular, simplesmente, comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessária a observância de alguns pressupostos para garantia da proteção jurídica (ausência de caráter meramente funcional; distintividade; confusão ou associação indevida, anterioridade de uso). 9. Hipótese concreta em que o Tribunal de origem, soberano no exame do conteúdo probatório, concluiu que (i) há diferenças significativas entre as peças de vestuário comparadas; (ii) o uso de elementos que constam da linha estilística das recorrentes revela tão somente uma tendência do segmento da moda íntima feminina; e (iii) não foi comprovada a prática de atos anticoncorrenciais que pudessem ensejar confusão no público consumidor. 10. Não sendo cabível o revolvimento do acervo fático e das provas produzidas nos autos em sede de recurso especial, a teor do entendimento consagrado na Súmula 7/STJ, é de rigor o desacolhimento da pretensão recursal. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (STJ. REsp 1.943.690-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021, DJe 22/10/2021. - Publicado no Informativo nº 715)