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STJ. REsp 1.536.035-PR
Enunciado: No âmbito interno da Quarta Turma há precedentes, em sede de agravo interno, perfilhando o entendimento - tradicional no âmbito do STJ - de que o protesto, nessas circunstâncias, ocasionaria danos morais in re ipsa. Contudo, a Terceira Turma, em verdadeiro overruling, se afastou desse entendimento que prevalecia em ambas as turmas de direito privado e passou a entender que, cuidando-se de protesto irregular de título de crédito, o reconhecimento do dano moral está atrelado à ideia do abalo do crédito causado pela publicidade do ato notarial, que, naturalmente, faz associar ao devedor a pecha de "mau pagador" perante a praça. Todavia, na hipótese em que o protesto é irregular por estar prescrita a pretensão executória do credor, havendo, porém, vias alternativas para a cobrança da dívida consubstanciada no título, não há falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento. Deveras, o art. 186 do CC estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, enquanto o art. 927, parágrafo único, do mesmo Diploma dispõe que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Assim, para caracterizar obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta ou de o serviço prestado ser ou não de qualidade, mas sim a constatação efetiva do dano a bem jurídico tutelado, não sendo suficiente tão somente a prática de um fato contra legem ou contra jus, ou que contrarie o padrão jurídico das condutas. É, portanto, o caso de aplicação do brocardo segundo o qual a ninguém é dado valer-se de sua própria torpeza para pleitear um direito (nemo auditur propriam turpitudinem allegans), sendo nítido o abuso de direito. Realmente, ainda que exista o direito de acesso à justiça e seja viável o pedido de cancelamento do protesto irregular (quando realizado após o prazo de execução cambial dos cheques), há ilicitude se um dos pedidos fora em manifesto abuso, contrário à boa-fé, aos deveres de probidade (art. 422 do CC), à finalidade social ou econômica do direito; ou, ainda, se praticado com ofensa aos usos e costumes. Dessa forma, não há direito da personalidade a ser legitimamente tutelado quando o autor da ação de danos morais é inadimplente, não havendo falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor, estando, de fato, impontual no pagamento.
Tese Firmada: O protesto de título de crédito realizado enquanto ainda existe a possibilidade (pretensão) de cobrança relativa ao crédito referente ao negócio jurídico subjacente não gera danos morais ao devedor.
Questão Jurídica: Danos morais decorrentes de protesto de título de crédito irregular. Pretensão executória do credor prescrita. Ação monitória cabível. Devedor inadimplente no negócio jurídico subjacente. Danos morais. Inocorrência.
Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO, PROTESTO E RESPONSABILIDADE CIVIL. TÍTULO DE CRÉDITO. ENDOSSO. EFEITO, NO INTERESSE DO ENDOSSATÁRIO, DE CESSÃO DE CRÉDITO. CHEQUE. PRAZO PARA PROTESTO. EXECUÇÃO CAMBIAL. INEXISTÊNCIA DE PERDA DA PRETENSÃO CONDENATÓRIA REFERENTE AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE AO CHEQUE. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, SEM QUE TENHA HAVIDO DANO INJUSTO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA E OVERRULING DESSE COLEGIADO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO DA PARTE. CONDUTA ILÍCITA. 1. Por um lado, embora o título de crédito, com a sua emissão, liberte-se da relação fundamental, em vista do princípio da incorporação, o adimplemento da obrigação cambial tem por consequência extinguir a obrigação subjacente que ensejou a sua emissão, sendo, em regra, pro solvendo. Desse modo, salvo pactuação em contrário, só extingue a dívida, isto é, a obrigação que o título visa satisfazer, consubstanciada em pagamento de importância em dinheiro, com o seu efetivo pagamento. Por outro lado, malgrado a inexistência de negócio entabulado entre as partes litigantes - emissor do cheque e endossatário -, os cheques foram endossados ao réu, que apontou os títulos a protesto. Como o título de crédito foi endossado - meio cambiário próprio para transferência dos direitos do título de crédito -, desvincula-se da sua causa, conferindo os efeitos de cessão de crédito em benefício do endossatário, a par das sensíveis vantagens advindas dos princípios inerentes aos títulos de crédito. 2. À luz do entendimento consolidado no âmbito do STJ, o protesto é irregular, pois, de fato, o art. 1º da Lei n. 9.492/1997, estabelece que protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, isto é, débito consistente em obrigação pecuniária, líquida, certa e que é ou tornou-se exigível. Nessa linha de intelecção, a Segunda Seção, em recurso repetitivo, firmou o entendimento de que "sempre será possível, no prazo para a execução cambial, o protesto cambiário de cheque, com a indicação do emitente como devedor" (REsp n. 1.423.464/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 27/4/2016, DJe 27/5/2016). 3. O art. 186 do CC estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem comete ato ilícito. O art. 927, parágrafo único, do mesmo Diploma orienta que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Já o art. 944 do CC dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano. Assim, para caracterizar obrigação de indenizar, não é decisiva a questão da ilicitude da conduta, mas sim a constatação efetiva do dano a bem jurídico tutelado, não sendo suficiente tão somente a prática de um fato contra legem ou contra jus ou que contrarie o padrão jurídico das condutas. 4. Os cheques foram protestados sem que tenha sido suplantado o período de 5 anos a contar da data de emissão das cártulas, isto é, quando, conforme juízo sufragado em recurso repetitivo, seria ainda possível o ajuizamento de ação monitória, pois "o prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula" (REsp n. 1.101.412/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 11/12/2013, DJe 3/2/2014). Com efeito, em vista da existência de pretensão referente à obrigação causal (negócio jurídico subjacente à emissão dos títulos de crédito), não há falar em abalo de crédito, na medida em que o emitente permanece na condição de devedor e o dano moral decorrente de protesto irregular está atrelado à ideia de indevido abalo do crédito pela pecha de "mau pagador". Precedentes da Terceira Turma. 5. O autor permanece inadimplente e tenta valer-se de irregularidade do protesto para obter compensação de alegados "danos" morais; todavia, por ocasião do apontamento a protesto, ainda remanescia incontroverso débito e a possibilidade de o credor se valer de uma possível sentença condenatória em ação de cobrança dos cheques, inclusive para igualmente promover um futuro apontamento do nome do devedor a protesto. Ainda, se o protesto tivesse sido realizado no prazo para execução cambial do cheque, permaneceria hígido a igualmente ocasionar o alegado "dano moral", sem que se pudesse cogitar no seu cancelamento, considerando-se também que o art. 27 da Lei n. 9.492/1997 dispõe que o tabelião de protesto expedirá certidões "que abrangerão o período mínimo dos cinco anos anteriores, contados da data do pedido". 6. Não só não houve efetivo dano ocasionado, como é certo que o autor não nega que deve, tampouco manifesta intenção de adimplir o débito. Sendo assim, o art. 187 do Código Civil estabelece que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 7. Como anota a doutrina, a constatação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) deve orientar-se para a análise global ou integrada do fenômeno fático-jurídico consistente no comportamento lesivo à boa-fé. Isso porque: a) o comportamento contraditório reveste-se de aparente licitude; b) prima facie, sugere estrita observância a regras jurídicas, estando em aparente conformidade com o direito positivo; c) destacando-se o comportamento contraditório da conduta que precede e esquecendo-se do enlace entre ambos que justifica sua adjetivação, ele seria um ato lícito; d) o que faz dele um comportamento contrário ao Direito é sua relação com os atos anteriores que revela uma contradição ao sentido objetivo ou ao projeto de atuação anunciado pela conduta inicial lesiva à boa-fé e à confiança depositada por terceiros na seriedade desse agir; e) a aplicação da teoria destina-se aos comportamentos aparentemente lícitos carecedores de regras específicas de regulação proibitivas e que, para isso, dificultam sua identificação como contrários ao Direito, exsurgindo daí a necessidade de uma construção teórica voltada à concretização da pauta dos princípios da boa-fé e da confiança. 8. Recurso especial parcialmente provido, apenas para determinar o cancelamento do protesto irregular. (STJ. REsp 1.536.035-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021. - Publicado no Informativo nº 717)