STJ. REsp 1.936.470-SP

Enunciado: O desfazimento do negócio jurídico da compra e venda de imóvel, notadamente na hipótese de sua resilição pelo comprador, motiva o retorno das partes ao estado anterior à celebração do contrato. Quanto ao tema, a jurisprudência das Turmas componentes da Segunda Seção tem ressaltado que o retorno ao estado anterior pode ensejar, além da devolução do bem ao vendedor e do preço ao comprador, ressalvado o percentual de retenção, a condenação do promissário comprador a ressarcir o promitente vendedor pelo tempo que utiliza o imóvel, dele auferindo vantagens. Conforme o sólido entendimento do STJ, esse tempo de utilização do imóvel é indenizado por meio da taxa de ocupação, cuja natureza jurídica coincide com a de aluguéis e se justifica pela vedação ao enriquecimento sem causa. Portanto, o pagamento de taxa de ocupação é devido pelo comprador por consubstanciar retribuição pela utilização de bem alheio durante determinado interregno temporal, evitando que ele se beneficie da situação do rompimento contratual em prejuízo do vendedor. No contrato de compra e venda de imóveis residenciais, o enriquecimento sem causa do comprador é identificado pela utilização do bem para sua moradia, a qual deveria ser objeto de contraprestação mediante o pagamento de aluguéis ao vendedor pelo tempo de permanência. Entretanto, em consonância com essa orientação, a jurisprudência desta Corte salienta que "não se pode deferir reparação por lucros cessantes se estes, em casos como o dos autos, configuram-se como dano hipotético, sem suporte na realidade em exame, da qual não se pode ter a previsão razoável e objetiva de lucro, aferível a partir de parâmetro anterior e concreto capaz de configurar a potencialidade de lucro" (REsp 846.455/MS, 3ª Turma, DJe 22/04/2009), pois "não se compreende[m] nesta rubrica danos hipotéticos, baseados em mera expectativa de ganho, a depender de fatos eventuais e circunstâncias futuras" (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 790.903/RJ, 4ª Turma, DJe 10/02/2014). No caso, o terreno não está edificado, de modo que não existe possibilidade segura e concreta, diante dos fatores anteriores ao momento da contratação e sem qualquer outra nova interferência causal, de que se auferiria proveito com a cessão de seu uso e posse a terceiros, estando, pois, ausente o requisito de seu empobrecimento; tampouco seria possível o enriquecimento da compradora, que não pode residir no terreno não edificado.

Tese Firmada: Na rescisão de contrato de compra e venda de imóvel residencial não edificado, o adquirente não pode ser condenado ao pagamento de taxa de ocupação.

Questão Jurídica: Rescisão contratual. Compra e venda. Imóvel residencial. Lote sem edificação. Utilização. Não ocorrência. Taxa de ocupação. Não cabimento.

Ementa: DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. ARRAS CONFIRMATÓRIAS. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. LOTE SEM EDIFICAÇÃO. TAXA DE OCUPAÇÃO. FUNDAMENTO. ENRIQUECIMENTO SEM JUSTA CAUSA. ART. 884 DO CC/02. CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS CUMULATIVOS. EMPOBRECIMENTO PRÓPRIO E ENRIQUECIMENTO ALHEIO. HIPÓTESE CONCRETA. IPTU. TAXA CONDOMINIAL. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL DE RETENÇÃO. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. AUSENTE. SÚMULA 284/STF. 1. Ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel cumulada com restituição de valores pagos. 2. Ação ajuizada em 31/10/2016. Recurso especial concluso ao gabinete em 04/05/2021. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é definir, dada a rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, i) se a recorrente possui direito à retenção do valor pago a título de sinal pelo comprador do imóvel; ii) se o adquirente pode ser condenado ao pagamento de taxa de ocupação, ainda que não haja qualquer edificação sobre o terreno; iii) quem deve ser responsabilizado pelo pagamento de valores relativos ao IPTU e taxas condominiais do imóvel; iv) quem deve suportar os ônus da sucumbência na espécie; e v) se o percentual de retenção devido à recorrente pode ser majorado de 10% (dez por cento) para 25% (vinte e cinco por cento) dos valores até então adimplidos pelo recorrido. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não é possível a retenção das arras confirmatórias. Precedentes. 5. O desfazimento do negócio jurídico de compra e venda de imóvel motiva o retorno das partes ao estado anterior à celebração do contrato, podendo sujeitar o promissário comprador ao pagamento da taxa de ocupação pelo tempo que ocupou o imóvel. 6. A taxa de ocupação evita que o comprador se beneficie da situação do rompimento contratual em prejuízo do vendedor, se relacionando, pois, à vedação ao enriquecimento sem causa. Precedentes. 7. A vedação ao enriquecimento sem causa - que oferece fundamento à previsão da taxa de ocupação - dá origem a uma obrigação de ressarcimento, haja vista representar o nascimento de uma obrigação de indenizar em todas as hipóteses em que, faltando ou vindo a faltar a causa eficiente da aquisição de um benefício ou vantagem, haverá, como consequência, o dever de restituir o proveito a quem sobre ele tenha o melhor direito. 8. São requisitos do nascimento da obrigação em decorrência da vedação ao enriquecimento sem causa: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento correspondente de outrem; c) relação de causalidade entre ambos. Precedente da Corte Especial. 9. O empobrecimento de alguém, requisito para o dever de indenizar relacionado à vedação ao enriquecimento sem causa, corresponde: a) ao deslocamento indevido de um bem já incorporado ao patrimônio do sujeito ao patrimônio de um terceiro; ou b) ao impedimento do ingresso uma vantagem que certa e seguramente adentraria no patrimônio do sujeito e que, sem justificativa, é acrescida a patrimônio alheio. 10. Quanto ao que razoavelmente deixou de ganhar o vendedor, o ingresso do citado proveito em seu patrimônio deve ter a característica de ser plausível e verossímil, diante de previsão razoável e objetiva de lucro, aferível a partir de parâmetro concreto e prévio. 11. No contrato de compra e venda de imóveis residenciais, o enriquecimento sem causa do comprador é identificado pela utilização do bem para sua moradia, a qual deveria ser objeto de contraprestação mediante o pagamento de aluguéis ao vendedor pelo tempo de permanência. 12. Na presente hipótese, o terreno não está edificado, de modo que não existe possibilidade segura e concreta, diante dos fatores anteriores ao momento da contratação e sem qualquer outra nova interferência causal, de que a recorrente auferiria proveito com a cessão de seu uso e posse a terceiros, se não o tivesse concedido à recorrida, estando, pois, ausente o requisito de seu empobrecimento; tampouco seria possível o enriquecimento da compradora, que não pode residir no terreno não edificado. 13. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pela recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 14. O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente. 15. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (STJ. REsp 1.936.470-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021. - Publicado no Informativo nº 718)