STJ. REsp 1.954.015-PE

Enunciado: Na vigência do CPC/1973, a desconsideração da personalidade jurídica poderia ser decretada de forma incidental no processo, dispensando-se o ajuizamento de ação autônoma. A respeito do tema, o entendimento firmado no âmbito da Terceira Turma do STJ era no seguinte sentido: "verificados os pressupostos de sua incidência, poderá "o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros" (RMS 14.168/SP, Terceira Turma, DJe de 5/8/2002), sendo que "a desconsideração da personalidade jurídica, como incidente processual, pode ser decretada sem a prévia citação dos sócios atingidos, aos quais se garante o exercício postergado ou diferido do contraditório e da ampla defesa. O CPC/2015 dispõe, agora expressamente, no art. 133 e seguintes, que ao ser formulado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, na inicial ou por meio de incidente em qualquer fase do processo (art. 134, caput, do CPC/2015), o requerente deve demonstrar, desde logo, o preenchimento dos pressupostos específicos para a superação momentânea da autonomia patrimonial de sócios e sociedade (art. 134, § 4º, do CPC/2015). Caso estejam presentes esses requisitos, instaurar-se-á o incidente e o processo será suspenso (art. 134, § 3º, do CPC/2015). Em seguida, o sócio ou a pessoa jurídica será citado(a) para manifestar-se e requerer a produção das provas que entender pertinentes (art. 135 do CPC/2015). No caso, a desconsideração da personalidade jurídica foi efetivada em 2014, na vigência do CPC/1973 e a intimação somente ocorreu em 2019, já na vigência do CPC/2015. À luz do princípio tempus regit actum e da Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, os atos do processo devem observar a legislação vigente ao tempo de sua prática, sob pena de indevida retroação da lei nova para alcançar atos pretéritos. Nesse sentido, as normas processuais incidem imediatamente nos processos em curso, mas não alcançam atos processuais anteriores. Nesse diapasão, o fato de a intimação da empresa alcançada pela desconsideração ter-se dado posteriormente à entrada em vigor do CPC/2015 não torna essa legislação aplicável a fatos processuais anteriores, sob pena de se consagrar evidente e indesejada aplicação retroativa da norma, nos termos do art. 14 do CPC/2015.

Tese Firmada: Ainda que intimada após a vigência do CPC/2015, é possível o decreto de desconsideração da personalidade jurídica, sem o prévio contraditório, quando a decisão foi publicada na vigência do CPC/1973.

Questão Jurídica: Desconsideração da personalidade jurídica. Decisão publicada sob a égide do CPC/1973. Intimação após a vigência do CPC/2015. Direito intertemporal. Tempus regit actum. Contraditório prévio. Desnecessidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADES DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DECISÃO PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. INTIMAÇÃO APÓS A VIGÊNCIA DO CPC/2015. CONTRADITÓRIO PRÉVIO. DIREITO INTERTEMPORAL. TEMPUS REGIT ACTUM. 1- Recurso especial interposto em 24/11/2020 e concluso ao gabinete em 17/8/2021. 2- O propósito recursal consiste em dizer se é possível o decreto de desconsideração da personalidade jurídica, sem o prévio contraditório, quando a referida decisão foi publicada na vigência do Código de Processo Civil de 1973, tendo a parte, no entanto, sido intimada somente após a vigência do Código de Processo Civil de 2015. 3- À luz do princípio tempus regit actum e da Teoria do Isolamento dos Atos Processuais, os atos do processo devem observar a legislação vigente ao tempo de sua prática, sob pena de indevida retroação da lei nova para alcançar atos pretéritos. Nesse sentido, as normas processuais incidem imediatamente nos processos em curso, mas não alcançam atos processuais anteriores. Precedentes. 4- Consoante reiterado no acórdão recorrido, ocorreu a formação de sucessão de "empresas" entre ARNOM PARTICIPAÇÕES e ARNON VEÍCULOS, ambas com os mesmos sócios, decisão que não foi objeto de recurso, apesar de possuírem também os mesmos advogados. Assim, não é crível o desconhecimento da decisão de desconsideração. Por sua vez, a recorrente ficou completamente inerte, e, assim, reveste-se preclusa a possibilidade de arguição de nulidade dos atos praticados, nos termos do art. 278 do CPC/2015. 5- A aplicação do incidente da desconsideração da personalidade jurídica, nos termos previstos no art. 133 do CPC/2015, não é exigível ao presente caso, pois a decisão que procedeu à desconsideração da executada originária foi proferida em meados de 2014, isto é, enquanto vigente o CPC/1973. 6- Não é possível defender o argumento no sentido de validar uma intimação ocorrida 5 (cinco) anos depois da decisão de desconsideração, entre empresas do mesmo grupo econômico, objetivando anular todos os atos processuais, com fulcro na vigência do CPC/2015, quando esse ato guarda, inequivocamente, nexo imediato e inafastável com o próprio ato praticado sob o regime da lei anterior, consubstanciado na decisão propriamente dita de desconsideração. Deve-se, pois, ser respeitada a eficácia do ato processual pretérito. 7. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.954.015-PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021. - Publicado no Informativo nº 718)