STJ. AREsp 1.800.334-SP

Enunciado: O crime contra a ordem econômica disposto no art. 4º, II, da Lei n. 8.137/1990 é formal, ou seja, consuma-se com a simples formação de um acordo visando à dominação do mercado ou à eliminação da concorrência através da prática de uma das condutas descritas em suas alíneas. No entanto, a respeito do momento consumativo, a doutrina pouco discorre sobre o assunto, gerando conflitos de interpretação pelos julgadores e causando insegurança jurídica. Desse modo, a classificação automática do crime de formação de cartel como instantâneo ou permanente denota análise prematura sem a investigação pormenorizada dos casos postos a debate. Há hipóteses em que se forma apenas um acordo de vontades sem mais ajustes ou reuniões deliberativas a respeito da medida anticompetitiva e outras em que as medidas nesse sentido são reforçadas, de forma a tornar a conduta permanente e estável. Esses últimos casos, em várias vezes pareçam refletir decorrência do primeiro ato, em muitas das situações visam a promover a continuidade da ação delitiva, por ações constantes dos ofensores. Não é o caso de se generalizar, mas refletir a respeito da própria natureza do crime em comento, que segue o fluxo das mudanças de direcionamento da economia e do mercado, exigindo, para tanto, novos acordos e deliberações que se perpetuam no tempo. Sendo assim, devem ser perquiridos os casos concretos de forma a definir se o crime de cartel é instantâneo ou permanente, sendo a nomenclatura "eventualmente permanente" equivocada. Porque se o agente dispõe de poder para cessar ou dar continuidade à conduta delitiva, tornando o ato único ou ampliando seu espectro, não pode a ação ser considerada uma só e ao mesmo tempo ter o efeito de lesionar o bem jurídico de forma permanente, tal como se dá no crime instantâneo de efeito permanente, pois neste caso a vontade do agente é desconsiderada.

Tese Firmada: O momento consumativo do crime de formação de cartel deve ser analisado conforme o caso concreto, sendo errônea a sua classificação como eventualmente permanente.

Questão Jurídica: Crime de formação de cartel. Momento consumativo. Prescrição. Termo inicial. Classificação automática como instantâneo ou permanente. Inadequada.

Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSOS QUE ULTRAPASSAM A ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. CARTEL. ART. 4º, II, DA LEI N. 8.137/90. FORMAL. MOMENTO CONSUMATIVO. NECESSIDADE DA ANÁLISE DOS CASOS CONCRETOS. HIPÓTESE EM QUE SE CONFIGUROU A PERMANÊNCIA DAS CONDUTAS. NOVAS LESÕES AO BEM JURÍDICO OCORRIDAS NO TRANSCURSO DO TEMPO. CRIME PERMANENTE CONFIGURADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL CONTADO DA ÚLTIMA CONDUTA. ART. 111, III, DO CÓDIGO PENAL - CP. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo e do recurso especial. 2. O crime contra a ordem econômica disposto no art. 4º, II, da Lei n. 8.137/90 é formal, ou seja, consuma-se com a simples formação de um acordo visando à dominação do mercado ou à eliminação da concorrência através da prática de uma das condutas descritas em suas alíneas. 3. A respeito do momento consumativo, a doutrina pouco discorre sobre o assunto, gerando conflitos de interpretação pelos julgadores e causando insegurança jurídica. A classificação automática do crime de formação de cartel como instantâneo ou permanente denota análise prematura sem a investigação pormenorizada dos casos postos a debate. Portanto, devem ser perquiridos os casos concretos. 4. In casu, pontuado que haveria a celebração sucessiva de acordos econômicos anticompetitivos entre os agentes até 2014, caso em que o crime de formação de cartel no mercado de resinas fez-se permanente até essa data. Observa-se que não só a ação inicial se prolongou no tempo, mas também se renovou no decorrer dos anos, a partir dos encontros firmados pelo alto escalão e operacional das empresas, ou, ainda, pelas trocas de informações comercialmente sensíveis entre elas no transcurso do tempo. 5. Enquanto o agente prossegue no proveito de vantagens indevidas ao longo dos anos, produzindo novas lesões ao bem jurídico, permite-se concluir pela permanência da conduta, abrindo azo à contagem do prazo prescricional a partir de cada nova vantagem. 6. No presente caso, deve ser considerada, para fins de definição do termo inicial do lapso prescricional, a data da última conduta praticada pelos agentes (2014), a teor do art. 111, III, do CP. Assim fica mantido o entendimento da Corte de origem de não ocorrência da prescrição, com o afastamento da extinção da punibilidade dos recorrentes e determinação para que o Juízo a quo promova novo juízo de admissibilidade da denúncia. 7. Agravo conhecido. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ. AREsp 1.800.334-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021, DJe 17/11/2021. - Publicado no Informativo nº 718)