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STJ. REsp 1.885.201-SP
Enunciado: Inicialmente cumpre salientar que a partir do Marco Civil da Internet, em razão de suas diferentes responsabilidades e atribuições, é possível distinguir simplesmente duas categorias de provedores: (i) os provedores de conexão; e (ii) os provedores de aplicação. Os provedores de conexão são aqueles que oferecem "a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP" (art. 5º, V, MCI). No Brasil, os provedores de conexão acabam, em sua maioria, confundindo-se com os próprios prestadores de serviços de telecomunicações, que, em conjunto, detêm a esmagadora maioria de participação neste mercado. Por sua vez, utilizando as definições estabelecidas pelo art. 5º, VII, do Marco Civil da Internet, uma "aplicação de internet" é o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet. Como é possível perceber, essas funcionalidades podem ser as mais diversas, tais como serviços de e-mail, redes sociais, hospedagem de dados, compartilhamento de vídeos, e muitas outras ainda a serem inventadas. Por consequência, os provedores de aplicação são aqueles que, sejam com ou sem fins lucrativos, organizam-se para o fornecimento dessas funcionalidades na internet. No Marco Civil da Internet, há apenas duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão (art. 13) e os registros de acesso à aplicação (art. 15). Os primeiros devem ser armazenados pelo prazo de 01 (um) ano, enquanto os últimos devem ser mantidos por 06 (seis) meses. A previsão legal para guarda desses dados objetiva facilitar a identificação de usuários da internet pelas autoridades competentes, haja vista que a responsabilização dos usuários é um dos princípios do uso da internet no Brasil, conforme o art. 3º, VI, da mencionada lei. A restrição dos dados a serem armazenados pelos provedores de conexão e de aplicação visa a garantir a privacidade e a proteção da vida privada dos cidadãos usuários da Internet. Diminui-se, assim, a quantidade de dados pessoais que cada um dos atores da internet possui, como forma de prevenção ao abuso da posse dessas informações. Assim, percebe-se que a opção legislativa adotada para os provedores de aplicação de internet está direcionada no sentido de restringir a quantidade de informações a serem armazenadas pelas empresas para apenas o necessário para a condução de suas atividades. Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas.
Tese Firmada: Não há previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail, o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas.
Questão Jurídica: Internet. Provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail. Mensagens recebidas ou enviadas que foram deletadas. Dever de armazenamento. Inexistência de previsão legal.
Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. INVASÃO DE HACKER À CONTA DE E-MAIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA. AFETAÇÃO APENAS DAS QUESTÕES DE FATO. IMPOSIÇÃO DE RECUPERAÇÃO DE MENSAGENS EXCLUÍDAS. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. INOCORRÊNCIA. TRANSFERÊNCIA DE BITCOINS. DANOS MATERIAIS. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ASTREINTES. REVISÃO. DESCABIMENTO (SÚMULA 7/STJ). 1. Ação de compensação de danos materiais e morais ajuizada em 10/10/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 20/03/2020 e concluso ao gabinete em 24/08/2020. 2. O propósito recursal consiste em definir se a) houve negativa de prestação jurisdicional; b) o dever de fundamentar o indeferimento do pedido de produção de prova foi observado; c) a parte recorrida atendeu ao princípio da concentração da defesa e quais os efeitos decorrentes de eventual descumprimento; d) o provedor de aplicação tem a obrigação legal de recuperar as informações deletadas; e) foi prolatada decisão surpresa; f) é cabível a responsabilização da recorrida pelos danos materiais consistentes na transferência de bitcoins realizada por hacker; g) o quantum arbitrado a título de indenização por danos morais comporta revisão e h) o valor do teto fixado para as astreintes é irrisório. 3. É firme a orientação desta Corte de que o órgão julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa das teses apresentadas. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. 4. O art. 370, parágrafo único, do CPC/2015 cristaliza os princípios da persuasão racional e da livre admissibilidade da prova, autorizando o juiz a indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Assim, a decisão que indefere a prova pericial com fundamento na sua inutilidade para a resolução do litígio está em conformidade com esse dispositivo legal. 5. O princípio da concentração da defesa ou da eventualidade impõe ao réu o ônus de impugnar, especificadamente, as alegações de fato formuladas pelo autor, sob pena de serem havidas como verdadeiras (art. 341 do CPC/2015). A presunção de veracidade decorrente da ausência de impugnação, todavia, é relativa, não impedindo que o julgador, à luz das provas produzidas no processo, forme livremente a sua convicção, bem como atinge apenas as questões de fato. 6. No Marco Civil da Internet, há apenas duas categorias de dados que devem ser obrigatoriamente armazenados: os registros de conexão (art. 13) e os registros de acesso à aplicação (art. 15). A restrição dos dados a serem armazenados pelos provedores de conexão e de aplicação visa a garantir a privacidade e a proteção da vida privada dos cidadãos usuários da Internet. Não há, assim, previsão legal atribuindo aos provedores de aplicações que oferecem serviços de e-mail, como é o caso da recorrida, o dever de armazenar as mensagens recebidas ou enviadas pelo usuário e que foram deletadas. 7. "O enunciado processual da "não surpresa" não implica exigir do julgador que toda solução dada ao deslinde da controvérsia seja objeto de consulta às partes antes da efetiva prestação jurisdicional, mormente quando já lhe foi oportunizada manifestação acerca do ponto em discussão" (AgInt no REsp 1841905/MG, DJe 02/09/2020). 8. As criptomoedas utilizam a tecnologia blockchain, a qual é baseada na confiança na rede e viabiliza, de forma inovadora, a realização de transações online sem a necessidade de um intermediário. O funcionamento das criptomoedas é complexo e, entre outros mecanismos, envolve algoritmos e criptografia de ponta a ponta. O acesso à carteira de bitcoins, para a consulta das moedas virtuais e realização de operações, somente pode ser realizado mediante a utilização de senha específica (chave privada), de modo que não deve ser revelada pelo usuário. 9. Na espécie, é incontroverso que o recorrente teve a sua conta de e-mail invadida por um hacker, o qual também acessou a sua carteira de bitcoins e transferiu criptomoeadas para a conta de outro usuário. Todavia, é descabida a atribuição de responsabilidade à recorrida por tais danos materiais, porquanto, ainda que a gerenciadora adote o sistema de dupla autenticação, qual seja, digitação da senha e envio, via e-mail, do link de acesso, a simples entrada neste é insuficiente para propiciar o ingresso na carteira e virtual e, consequentemente, a transação das cryptocoins. Logo, a ausência de nexo causal entre o dano e a conduta da recorrida obsta a atribuição a esta da responsabilidade pelo prejuízo material experimentado pelo recorrente. 10. A modificação do valor fixado a título de danos morais somente é permitida quando a quantia estipulada for irrisória ou exagerada. Precedentes. Na hipótese, o valor arbitrado não se revela irrisório, o que impede a sua revisão por esta Corte. 11. A revisão do valor das astreintes só pode ser realizada em sede de recurso especial nos casos em que se mostrar irrisório ou exorbitante, sob pena de ofensa ao enunciado da Súmula 7/STJ. Precedentes. A adequação do montante fixado deve ser aferida tendo em conta a prestação que ela objetiva o devedor a cumprir. Na espécie, o valor estabelecido como teto para a multa não se revela irrisório, sobretudo porque fora fixada como forma de compelir a recorrida a fornecer as informações necessárias à identificação do invasor da conta de e-mail do recorrente, não guardando relação direta com o pleito de condenação ao pagamento de indenização por danos materiais. 12. Entre os acórdãos trazidos à colação não há o necessário cotejo analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da divergência. 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (STJ. REsp 1.885.201-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 25/11/2021. - Publicado no Informativo nº 719)