STJ. REsp 1.872.153-SP

Enunciado: A Lei n. 11.101/2005 preceitua que a quebra (assim como o deferimento da recuperação judicial) não tinha o condão de paralisar o processo de execução fiscal (art. 76), tampouco de desconstituir a penhora realizada. Tal entendimento sempre partiu da premissa da existência de dois tipos de concursos na falência: o concurso formal (ou processual), decorrente do juízo universal e indivisível competente para as ações sobre bens, interesses e negócios da falida; e o concurso material (ou obrigacional), pelo qual deverá o credor receber de acordo com a ordem de preferência legal, consoante bem assinala doutrina abalizada. Desse modo, é certo que os créditos tributários não se submetem ao concurso formal (ou processual) instaurado com a decretação da falência ou com o deferimento da recuperação judicial; vale dizer, não se subordinam à vis attractiva (força atrativa) do juízo falimentar ou recuperacional, motivo pelo qual as execuções fiscais terão curso normal nos juízos competentes, ressalvada a competência para controle sobre atos constritivos dos bens essenciais à manutenção da atividade empresarial e para alienação dos ativos da falência, que recaem sobre o juízo da insolvência. De outro vértice, os credores tributários sujeitam-se ao concurso material (ou obrigacional) decorrente da falência, pois deverão respeitar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos (LREF, arts. 83 e 84); ou seja, deverão ser respeitadas as preferências dos créditos trabalhistas (até 150 salários mínimos) e daqueles com garantia real (até o limite do bem gravado), sem se olvidar do pagamento prioritário dos créditos extraconcursais e das importâncias passíveis de restituição. É que, embora seja o único credor "que não participa da Assembleia Geral de Credores e não se submete ao plano de recuperação, o Fisco colabora com a recuperação da empresa mediante o parcelamento dos créditos tributários [...] Dessa forma, a contribuição do Fisco acontecerá de forma automática, estabelecendo dilatação dos prazos para pagamento, aliviando as necessidades de fluxo de caixa das empresas e propiciando a regularização de sua situação fiscal", exatamente o que veio a ocorrer com a Lei n. 13.043/2014, que previu parcelamento especial para devedores em recuperação judicial. Na falência, é vedado que o fisco utilize duas vias processuais para satisfação de seu crédito - a denominada garantia dúplice: a execução fiscal e a habilitação de crédito -, sob pena de bis in idem, ressalvada a possibilidade de discussão, no juízo da execução fiscal, sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito, assim como de eventual prosseguimento da cobrança contra os corresponsáveis (LREF, art. 7º-A, § 4º, II). A suspensão da execução, a que alude a mesma regra (inciso V), afasta a dupla garantia, a sobreposição de formas de satisfação do crédito, permitindo a habilitação do crédito na falência. A principal consequência relacionada à vedação da dúplice garantia está em trazer, seguindo os ditames constitucionais, eficiência ao processo de insolvência, evitando o prosseguimento de dispendiosas e inúteis execuções fiscais contra a massa falida, já que a existência de bens penhoráveis ou de numerários em nome da devedora serão, inevitavelmente, remetidos ao juízo da falência para, como dito, efetivar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos (LREF, arts. 83 e 84). Uma vez definida a escolha pelo prosseguimento da execução fiscal, afastado, portanto, o óbice da dúplice garantia, tem-se que a satisfação do crédito fazendário continuará sujeitando-se à liquidação pelo juízo falimentar, pois submete-se materialmente aos rateios do produto da liquidação dos bens, conforme a ordem legal dos créditos prevista nos arts. 83 e 84 da Lei n. 11.101/2005, e, em respeito ao seu art. 140, busca a maximização do valor dos ativos com a alienação dos bens em bloco. Deveras, ainda que o fisco faça a opção pelo prosseguimento da execução fiscal, não é mais possível que se façam os atos de excussão dos bens do falido fora do juízo da falência (LREF, art. 7º-A, § 4º, I). Referido entendimento, aliás, foi ratificado com a reforma trazida pela Lei n. 14.112/2020. Isso porque, atualizando a Lei n.11.101/2005, a nova legislação estabeleceu procedimento específico, denominado de "incidente de classificação do crédito público", a ser instaurado de ofício pelo juízo falimentar, uma forma especial de habilitação dos créditos fiscais na falência, que enseja, conforme previsão expressa, a suspensão das execuções fiscais até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis. Portanto, pelo novel diploma da insolvência, ficou autorizada a habilitação do crédito fiscal na falência, desde que, em contrapartida, tenha ocorrido a suspensão das execuções fiscais (que se dará automaticamente com a instauração do incidente de classificação de crédito público), exatamente para evitar a sobreposição de formas de satisfação e o óbice da dúplice garantia.

Tese Firmada: É cabível o pedido de habilitação de crédito da Fazenda Pública na falência desde que suspensa a execução fiscal.

Questão Jurídica: Falência. Execução fiscal suspensa. Habilitação de crédito fiscal. Possibilidade. Dúplice garantia e bis in idem. Não cabimento. Sobreposição de formas de satisfação do crédito pelo Fisco. Inocorrência.

Ementa: EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SUSPENSÃO DO FEITO EXECUTIVO. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO FISCAL. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DO ÓBICE DA DÚPLICE GARANTIA E DA OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM, DIANTE DA INOCORRÊNCIA DE SOBREPOSIÇÃO DE FORMAS DE SATISFAÇÃO DO CRÉDITO PELO FISCO. 1. A Corte Especial do STJ definiu que compete à Segunda Seção processar e julgar os conflitos decorrentes do binômio execução fiscal e recuperação judicial/falência, nos termos do art. 9º, § 2º, inciso IX, do RISTJ. Precedentes. 2. Na falência, é vedado que o fisco utilize duas vias processuais para satisfação de seu crédito - a denominada garantia dúplice: a execução fiscal e a habilitação de crédito -, sob pena de bis in idem, ressalvada a possibilidade de discussão, no juízo da execução fiscal, sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito, assim como de eventual prosseguimento da cobrança contra os corresponsáveis (LREF, art. 7º-A, § 4º, II). A suspensão da execução, a que alude a mesma regra (inciso V), afasta a dupla garantia, a sobreposição de formas de satisfação do crédito, permitindo a habilitação do crédito na falência. 3. A principal consequência relacionada à vedação da dúplice garantia está em trazer, seguindo os ditames constitucionais, eficiência ao processo de insolvência, evitando o prosseguimento de dispendiosas e inúteis execuções fiscais contra a massa falida, já que a existência de bens penhoráveis ou de numerários em nome da devedora serão, inevitavelmente, remetidos ao juízo da falência para, como dito, efetivar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos (LREF, arts. 83 e 84). 4. Na hipótese, cuida-se de pedido de habilitação de crédito realizado pelo fisco, em que houve, também, pleito de sobrestamento e arquivamento do feito executivo, apesar de não ter requerido a extinção desse feito. Assim, cabível o pedido de habilitação de crédito da Fazenda Pública, haja vista que efetivado o pedido de suspensão do feito da execução fiscal, nos exatos termos do atual § 4º, inciso V, do art. 7º-A da LREF, o que se mostra suficiente para afastar o óbice da dúplice garantia e, por conseguinte, da ocorrência de bis in idem. 5. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.872.153-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/11/2021. - Publicado no Informativo nº 719)