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STJ. REsp 1.847.488-SP
Enunciado: No caso, os mesmos fatos que levaram ao oferecimento da denúncia discutida também foram apreciados em ação de improbidade administrativa e ação penal na Justiça Eleitoral, sendo que ambas culminaram com a absolvição. Frisa-se que a sentença absolutória por ato improbidade não vincula o resultado do presente feito, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados. No entanto, quanto à absolvição perante a Justiça Eleitoral, a questão adquire peculiaridades que reclamam tratamento diferenciado. Isso porque a sentença, não recorrida pelo MPE, foi proferida no exercício de verdadeira jurisdição criminal, de modo que o prosseguimento da ação penal da qual se originou este habeas corpus encontra óbice no princípio da vedação à dupla incriminação, também conhecido como double jeopardy clause ou (mais comumente no direito brasileiro) postulado do ne bis in idem, ou ainda da proibição da dupla persecução penal. Embora não tenha previsão expressa na Constituição Federal de 1988, a garantia do ne bis in idem é certamente um limite implícito ao poder estatal, derivada da própria coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da Carta Magna) e decorrente de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (§ 2º do mesmo art. 5º). Isso porque a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, n. 4) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, n. 7), incorporados ao direito brasileiro com status supralegal pelos Decretos 678/1992 e 592/1992, respectivamente, tratam da vedação à dupla incriminação. Tendo o Ministério Público, instituição una (à luz do art. 127, § 1º, da CF/1988) ajuizado duas ações penais referentes aos mesmos fatos, uma na Justiça Comum Estadual e outra na Justiça Eleitoral, há violação à garantia contra a dupla incriminação. Por conseguinte, a independência de instâncias não permite, por si só, a continuidade da persecução penal na Justiça Estadual, haja vista que a decisão proferida na Justiça Especializada foi de natureza penal, e não cível. Tanto o processo resolvido na esfera eleitoral como o presente versam sobre crimes, e como tais se inserem na jurisdição criminal, una por natureza. O que diferencia as hipóteses de atuação da Justiça Comum Estadual e da Justiça Eleitoral, quando exercem jurisdição penal, é a sua competência; ambas, contudo, realizam julgamentos em cognição exauriente sobre a prática de condutas delitivas. Sendo distintas as imputações vertidas num e noutro processo, é certo que cada braço do Judiciário poderá julgá-las; inobstante, tratando-se de acusações idênticas, não é o argumento genérico de independência entre as instâncias que permitirá o prosseguimento da ação penal remanescente.
Tese Firmada: O ajuizamento de duas ações penais referentes aos mesmos fatos, uma na Justiça Comum Estadual e outra na Justiça Eleitoral, viola a garantia contra a dupla incriminação.
Questão Jurídica: Ações penais. Mesmos fatos. Justiça Comum Estadual e Justiça Eleitoral. Garantia contra dupla incriminação. Violação.
Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA, ATIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. ACÓRDÃO QUE TRANCOU A AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRAPARTIDA OFERECIDA PELO AGENTE PÚBLICO AO CORRUPTOR. DESCABIMENTO. NATUREZA FORMAL DO ART. 317 DO CP. IMPOSSIBILIDADE, ENTRETANTO, DE RESTAURAR A DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FATOS QUE JÁ FORAM OBJETO DE JULGAMENTO NA JUSTIÇA ELEITORAL, COM ABSOLVIÇÃO DE PARTE DOS ACUSADOS. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO À DUPLA INCRIMINAÇÃO (DOUBLE JEOPARDY CLAUSE). RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Inexiste a alegada ofensa ao art. 619 do CPP, pois o Tribunal de origem decidiu a controvérsia de maneira fundamentada, enfrentando suficientemente os aspectos relevantes da questão. 2. O argumento central do acórdão recorrido para trancar a ação penal foi a inexistência de demonstração, por parte do MP/SP, de qual seria a eventual contrapartida oferecida por F.H. (intraneus) a R.R.P. (extraneus) pelo pagamento da quantia de R$ 2.600.000,00. Na ótica da Corte de origem, a sociedade empresária controlada por R. R.P. se beneficiaria, apenas, de contratos firmados com a Administração Pública Federal ¯ que o recorrido F.H. não integrava ¯, tanto que a suposta verba teria sido paga ao diretório nacional do partido político, do qual J.V.N. era tesoureiro (e-STJ, fls. 391-392). 3. De fato, como o MP/SP argumenta em seu recurso especial, o crime de corrupção passiva tem natureza formal, consumando-se com a mera solicitação por parte do servidor público. O eventual favorecimento por este conferido ao corruptor pode até interessar para a incidência da majorante prevista no art. 317, § 1º, do CP; a tipicidade objetiva da figura delitiva do caput do referido artigo, contudo, resta completada com o simples ato de solicitar a vantagem. 4. Contudo, não é possível prover o recurso especial (a fim de restaurar a decisão de recebimento da denúncia), pois os mesmos fatos que motivaram o ajuizamento da ação penal ora em exame já foram julgados pela Justiça Eleitoral, também em ação criminal, em sentença contra a qual o MPE não interpôs recurso. Naquela ocasião, F.H. foi absolvido dos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, enquanto J.V.N. e F.C.S. foram condenados pelos crimes de quadrilha e lavagem, mas absolvidos quanto aos demais. 5. Como a sentença da Justiça Especializada foi proferida no exercício de verdadeira jurisdição criminal, o prosseguimento da ação penal da qual se originou este habeas corpus encontra óbice no princípio da vedação à dupla incriminação, também conhecido como double jeopardy clause ou (mais comumente no direito brasileiro) postulado do ne bis in idem. 6. Embora não tenha previsão expressa na Constituição Federal de 1988, a garantia do ne bis in idem é um limite implícito ao poder estatal, derivada da própria coisa julgada (art. 5º, XXXVI) e decorrente de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (art. 5º, § 2º). Isso porque a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, n. 4) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, n. 7), incorporados ao direito brasileiro com status supralegal pelos Decretos 678/1992 e 592/1992, respectivamente, instituem a vedação à dupla incriminação. 7. Tendo o Ministério Público, instituição una (à luz do art. 127, § 1º, da CF/1988) ajuizado duas ações penais referentes aos mesmos fatos, uma na Justiça Comum Estadual e outra na Justiça Eleitoral, há violação à garantia contra a dupla incriminação. Como a sentença eleitoral já transitou em julgado para a acusação, não é possível manter o trâmite da ação penal aforada na Justiça Estadual. 8. Tratando-se de idênticas imputações, não incide a tese de independência entre as instâncias, pois as duas demandas são de natureza criminal. 9. Adicionalmente, nos termos da tese definida pelo STF no julgamento do Inquérito 4.435/DF, a competência para julgar os fatos era, de fato, da Justiça Eleitoral, pois os supostos crimes de corrupção passiva e ativa e lavagem de dinheiro teriam sido praticados em contexto eleitoral, a revelar a conexão com o delito do art. 350 do Código Eleitoral. 10. Recurso Especial desprovido. (STJ. REsp 1.847.488-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2021, DJe 26/04/2021. - Publicado no Informativo nº 719)