STJ. REsp 1.884.483-PR

Enunciado: Inicialmente cumpre salientar que a disponibilização de imóveis para uso de terceiros por meio de plataformas digitais de hospedagem, a depender do caso concreto, pode ser enquadrada nas mais variadas hipóteses existentes no ordenamento jurídico, sobretudo em função da constante expansão das atividades desenvolvidas por empresas do gênero, sempre em busca de maiores lucros e maiores condições de sobrevivência no mercado mundial. Nessa medida, somente a partir dos elementos fáticos delineados em cada hipótese submetida à apreciação judicial - considerados aspectos relativos ao tempo de hospedagem, ao grau de profissionalismo da atividade, à destinação exclusiva do imóvel ao ocupante ou o seu compartilhamento com o proprietário, à destinação da área em que ele está inserido (se residencial ou comercial), à prestação ou não de outros serviços periféricos, entre outros - é que se afigura possível enquadrar determinada atividade em alguma das hipóteses legais, se isso se mostrar relevante para a solução do litígio. Diversa é a hipótese em que o conflito se verifica na relação entre o proprietário do imóvel que o disponibiliza para uso de terceiros e o próprio condomínio no qual o imóvel está inserido, atingindo diretamente os interesses dos demais condôminos. Nessa específica hipótese, impõe-se observar as regras relativas ao condomínio edilício, previstas no Código Civil. O art. 19 da Lei n. 4.591/1964 assegura aos condôminos o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionado às normas de boa vizinhança, podendo usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos. O art. 1.336, IV, do CC/2002, por seu turno, prescreve ser dever do condômino dar à sua parte exclusiva a mesma destinação que tem a edificação, utilizando-a de maneira a preservar o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes. Assim, chega-se à conclusão de que a exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizadas pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio. Não há, portanto, nenhuma ilegalidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta pelo condomínio, a quem cabe decidir acerca da conveniência ou não de permitir a locação das unidades autônomas por curto período, tendo como embasamento legal o art. 1.336, IV, do CC/2002, observada a destinação prevista na convenção condominial.

Tese Firmada: O condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo.

Questão Jurídica: Condomínio edilício residencial. Locações realizadas por intermédio de plataformas digitais. Uso diverso daquele previsto em convenção. Impossibilidade.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL. CONVENÇÃO. DESTINAÇÃO EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL. PREVISÃO. LOCAÇÃO. PRAZO INFERIOR A 90 (NOVENTA) DIAS. PROIBIÇÃO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ART. 1.336, IV, DO CÓDIGO CIVIL. USO DE PLATAFORMAS DIGITAIS. ASPECTO IRRELEVANTE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Delimitação da controvérsia: saber se os condomínios residenciais podem ou não fixar tempo mínimo de locação das unidades autônomas ou até mesmo impedir a utilização de determinado meio para tal finalidade, a exemplo das plataformas digitais de hospedagem. 3. A disponibilização de espaços ociosos para uso de terceiros, seja de um imóvel inteiro ou de um único cômodo, pode ocorrer das mais variadas formas: por meio de plataformas digitais, por intermédio de imobiliárias, por simples panfletos afixados nas portarias dos edifícios, anúncios em classificados etc. 4. A forma por meio da qual determinado imóvel é disponibilizado para uso de terceiros não é o fator decisivo para que tal atividade seja enquadrada em um ou outro regramento legal. 5. A disponibilização de imóveis para uso de terceiros por meio de plataformas digitais de hospedagem, a depender do caso concreto, pode ser enquadrada nas mais variadas hipóteses existentes no ordenamento jurídico, sobretudo em função da constante expansão das atividades desenvolvidas por empresas do gênero. 6. Somente a partir dos elementos fáticos delineados em cada hipótese submetida à apreciação judicial - considerados aspectos relativos ao tempo de hospedagem, ao grau de profissionalismo da atividade, à destinação exclusiva do imóvel ao ocupante ou o seu compartilhamento com o proprietário, à destinação da área em que ele está inserido (se residencial ou comercial), à prestação ou não de outros serviços periféricos, entre outros - é que se afigura possível enquadrar determinada atividade em alguma das hipóteses legais, se isso se mostrar relevante para a solução do litígio. 7. O enquadramento legal da atividade somente se mostra relevante quando se contrapõem em juízo os interesses do locador e do locatário, do hospedeiro e do hóspede, enfim, daquele que disponibiliza o imóvel para uso e do terceiro que o utiliza, visando, com isso, definir o regramento legal aplicável à relação jurídica firmada entre eles. 8. Diversa é a hipótese em que o conflito se verifica na relação entre o proprietário do imóvel que o disponibiliza para uso de terceiros e o próprio condomínio no qual o imóvel está inserido, atingindo diretamente os interesses dos demais condôminos. 9. A exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio. 10. A afetação do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas, é o que confere razoabilidade a eventuais restrições impostas com fundamento na destinação prevista na convenção condominial. 11. O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, não é só de quem explora economicamente o seu imóvel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a paz e o sossego necessários para recompor as energias gastas ao longo do dia. 12. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.884.483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021. - Publicado no Informativo nº 720)