STJ. CC 165.863-SP

Enunciado: A jurisprudência desta Corte Superior, até pouco tempo, seguia o entendimento de que a competência para julgamento de demandas entre usuário e operadora de plano de saúde era da Justiça do Trabalho tão somente quando a própria empresa operava o plano de saúde. Recentemente, porém, o STJ, com fundamento na autonomia do contrato de plano de saúde em relação ao contrato de trabalho, passou a manifestar o entendimento de que a competência seria da Justiça comum, mesmo na hipótese de "autogestão empresarial". Nesse contexto, a única hipótese em que a competência foi mantida na Justiça do Trabalho passou a ser a situação em que o plano seja da modalidade autogestão empresarial e, cumulativamente, as regras do plano estejam previstas em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. Com base nesse panorama jurisprudencial, a tese a ser proposta neste incidente caminharia no sentido de se afirmar a competência da Justiça do Trabalho apenas na hipótese em que as regras de assistência à saúde estejam previstas no contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva, e o que plano seja operado na modalidade autogestão empresarial, reafirmando-se assim a atual jurisprudência. Contudo, em caso similar, o STF, no julgamento do RE 586.453/SE, que versou acerca da competência da Justiça do Trabalho para demandas relativas à previdência complementar, adotou o critério objetivo da autonomia da previdência complementar em relação ao contrato de trabalho, com base no art. 202, § 2º, da Constituição, fixando-se a competência na Justiça comum, ainda que o contrato de trabalho disponha sobre previdência complementar. Porém, à falta de uma norma constitucional análoga à regra do art. 202, § 2º, da Constituição, versando sobre saúde suplementar, não me parece viável excepcionar as regras de competência enunciadas no art. 114 da Constituição. A solução, portanto, é buscar um outro critério objetivo. Nesse passo, deve-se retomar a jurisprudência que prevalecia nesta Corte, no sentido de se reconhecer a competência da Justiça do Trabalho nas demandas em que o plano de saúde é operado pela própria empresa que contratou o trabalhador. Deveras, nessa modalidade de organização da assistência à saúde, a figura do empregador (ou do contratante da mão de obra) se confunde com a do operador do plano de saúde, de modo que, sob a ótica do trabalhador, ou de seus dependentes, o plano de saúde é oriundo da relação de trabalho, atraindo, portanto, a competência da Justiça do Trabalho, por força do enunciado do art. 114, inciso I, da Constituição. De outra parte, relembre-se que a cognição da Justiça do Trabalho não é limitada à aplicação da legislação trabalhista, podendo abranger também a aplicação da legislação comum (inclusive as normas de regulação), desde que a demanda seja oriunda ou decorrente da relação de trabalho. Ademais, o fato de a assistência à saúde não integrar o "salário" não implica, necessariamente, que ela não integre o "contrato de trabalho", pois o objeto deste não se limita à mera fixação do salário do trabalhador. Com esses fundamentos, primando-se pela segurança jurídica na definição da competência, conclui-se pela retomada do entendimento que já prevaleceu no STJ. Definida a competência da Justiça do Trabalho, a competência da Justiça comum se estabelece naturalmente a contrario sensu, por se tratar de competência residual.

Tese Firmada: Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho.

Questão Jurídica: Incidente de Assunção de Competência. Plano de saúde coletivo empresarial. Demanda entre usuário e operadora. Competência. Justiça comum. Plano organizado na modalidade autogestão empresarial. Competência. Justiça trabalhista.

Ementa: INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIAS. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. CONTROVÉRSIA ACERCA DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CASO CONCRETO. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO MÉDICO. PLANO "SAÚDE CAIXA". MODALIDADE AUTOGESTÃO EMPRESARIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. Controvérsia acerca da competência da Justiça do Trabalho para julgamento de demanda entre usuário e operadora de plano de saúde coletivo empresarial. 2. Teses para os efeitos do art. 947, § 3º, do CPC/2015: 2.1. Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que competência é da Justiça do Trabalho. 2.2. Irrelevância, para os fins da tese 2.1, da existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. 2.3. Aplicabilidade da tese 2.1 também para as demandas em que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. 3. Julgamento do caso concreto: 3.1. Demanda ajuizada no Juizado Especial Federal por empregada e seu dependente contra a empregadora (e operadora de plano de saúde autogestão empresarial), tendo como causa de pedir a recusa de cobertura de procedimento médico. 3.2. Declinação de competência pelo juízo federal ao juízo do trabalho, tendo este suscitado o presente conflito de competências. 3.3. Aplicação das teses 2.1 e 2.3, 'in fine', ao caso concreto para se declarar competente o juízo do trabalho, suscitante. 4. CONFLITO ACOLHIDO PARA SE DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO DO 52ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO - SP. (STJ. CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 11/03/2020, DJe 17/03/2020 - Publicado no Informativo nº 667)