STJ. REsp 1.772.678-DF

Enunciado: Inicialmente, ressalta-se que o Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo n. 67/1998 e pelo Decreto n. 2.962/1999, juntamente com a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações - UTI. A pessoa jurídica localizada no Brasil, para finalizar a prestação do serviço a usuário interno que faz ligação para outro país, utiliza as redes de prestadoras do serviço localizadas no exterior; é o que se denomina de "tráfego sainte". Oportuno notar que a prestadora do serviço, no Brasil, importa o serviço da pessoa estrangeira para finalizar sua prestação de serviços no mercado consumidor interno. Invocando norma de tratado internacional, as recorrentes defendem ter direito à isenção de imposto de renda e contribuição de intervenção no domínio econômico sobre os valores que remetem ao exterior em razão dos contratos de interconexão das redes de telefonia (o consumidor brasileiro liga para o exterior). O art. 7º da Lei n. 9.779/1999 estabelece a retenção, na fonte, do imposto de renda incidente sobre a remessa de dinheiro ao exterior para o pagamento de serviços, enquanto o art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 10.168/2000 institui a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre o referido pagamento. Mas o RTI, no item 6.1.3, dispõe que o tributo a incidir sobre o preço do serviço internacional deve considerar apenas aqueles serviços faturados aos clientes. Dessa forma, se houver previsão de incidência de tributo sobre a tarifa cobrada do usuário (taxes de perception / taxa de percepção / tarifa usuário) pela importação do serviço de telecomunicação internacional, esse tributo deve ser recolhido somente sobre o que for cobrado do consumidor. O referido item do RTI trata, assim, da tributação de importação do serviço internacional de telecomunicações e da base de cálculo a ser considerada. Com relação à prestação do serviço, o art. 155, § 3º, da Constituição Federal dispõe que, "à exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo [ICMS] e o art. 153, I e II [impostos de importação e exportação], nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País", e o art. 149, § 2º, II, da CF que, "as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços". Pelo contexto, revela-se inequívoco que a regra do tratado internacional só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento - fato submetido a outras hipóteses de incidência, como o IRPJ e a CIDE, nos termos do art. 7º da Lei n. 9.779/1999 e do art. 2º da Lei n. 10.168/2000.

Tese Firmada: O Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento, como o IRPJ e a CIDE.

Questão Jurídica: Serviços de telecomunicações. Interconexão internacional. "Tráfego sainte". Remessa de pagamento a pessoa domiciliada no exterior. Tratado internacional. Exclusão restrita aos tributos incidentes sobre serviços importados. Imposto de Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE. Incidência.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IRPF E CIDE. APLICAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA LIMINARMENTE INDEFERIDOS. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. I - Trata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática que não conheceu os embargos de divergência interpostos pela TELEFONICA DATAS S.A E OUTRAS, uma vez que os acórdãos embargado e paradigma possuem base fático-jurídica diversas. II - Defendem os particulares que a decisão agravada incorre em erro de premissa quanto ao real objeto da divergência, que não diz respeito à questão de fundo, vinculada à materialidade e ao conteúdo da regra do tratado internacional, mas à prevalência deste perante as disposições da legislação interna. III - O acórdão embargado envolve discussão acerca da incidência de IRRF e CIDE sobre as remessas a título de pagamento pela prestação de serviços de telefonia internacional (tráfego sainte), com fundamento no Regulamento de Melbourne. O argumento adotado pelo colegiado da Primeira Turma é no sentido de que o Regulamento de Melbourne foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, porém suas disposições não contemplam a isenção defendida pelos particulares. Logo, o que foi decidido decorre da interpretação dos dispositivos do instrumento internacional, o que não se confunde com a negativa de prevalência dos tratados perante o direito interno, em desrespeito ao princípio da especialidade, previsto no art. 98 do CTN. IV - Por outro lado, no acórdão paradigma, proferido no julgamento do REsp 1.161.467/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, a Segunda Turma posicionou-se contra a incidência do IRRF sobre remessas ao exterior decorrente do pagamento pela prestação de serviços técnicos, sem transferência de tecnologia, fazendo prevalecer as disposições do tratado sobre a legislação interna. Privilegiou-se o art. 98 do CTN porque a interpretação do tratado feita pela Segunda Turma, naquela ocasião, resultou no reconhecimento de que o instrumento de fato tinha previsão específica sobre a não incidência do imposto de renda. V - Os acórdãos embargado e paradigma não divergem entre si no que diz respeito ao princípio da especialidade, estampado no art. 98 do CTN, sendo evidente o descontentamento dos agravantes com relação à solução dada mediante a interpretação feita pela Primeira Turma quanto ao Regulamento de Melbourne. Entretanto, tal como fora afirmado na decisão agravada, a confrontação dos arestos nos permite concluir que estão relacionados às bases fático-jurídica diversas, o que inviabiliza os embargos de divergência. VI - Agravo interno improvido. (STJ. REsp 1.772.678-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020 - Publicado no Informativo nº 667)