STJ. REsp 1.736.803-RJ

Enunciado: Inicialmente, registra-se ser desnecessário adentrar o estudo sobre o direito ao esquecimento, porquanto o esposo e os filhos da autora não se tornaram figuras notórias à época do ato criminoso. Pelo contrário, não tinham nenhum envolvimento ou exposição pública referente ao fato, tendo sido apenas atingidos, posteriormente, devido à relação familiar. Por isso, resta claro que a violação é distinta por afetar terceiros não integrantes do fato histórico rememorado. Nesse aspecto, a matéria jornalística apresentou ofensa ao princípio da intranscendência, ou da pessoalidade da pena, descrito nos artigos 5º, XLV, da Constituição Federal e 13 do Código Penal. Isso porque, ao expor publicamente a intimidade dos familiares, em razão do crime ocorrido, a reportagem compartilhou dimensões evitáveis e indesejáveis dos efeitos da condenação então estendidas à atual família da ex-condenada. Especificamente quanto aos filhos, menores de idade, ressalta-se a Opinião Consultiva n. 17, de 28 de agosto de 2002 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entende que o melhor interesse das crianças e dos adolescentes é reconhecido como critério regente na aplicação de normas em todos os aspectos da vida dos denominados "sujeitos em desenvolvimento". Ademais, a exposição jornalística da vida cotidiana dos infantes, relacionando-os, assim, ao ato criminoso, representa ofensa ao direito ao pleno desenvolvimento de forma sadia e integral, nos termos dos artigos 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente e 16 da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto n. 99.710/1990

Tese Firmada: A veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência.

Questão Jurídica: Crime histórico. Matéria jornalística. Exposição da vida de terceiros, parentes do autor do delito. Impossibilidade. Ofensa ao princípio da intranscendência.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. MATÉRIA JORNALÍSTICA. REVISTA DE GRANDE CIRCULAÇÃO. CRIME HISTÓRICO. REPORTAGEM. REPERCUSSÃO NACIONAL. DIREITO À PRIVACIDADE. PENA PERPÉTUA. PROIBIÇÃO. DIREITO À RESSOCIALIZAÇÃO DE PESSOA EGRESSA. OFENSA. CONFIGURAÇÃO. DIREITO AO ESQUECIMENTO. CENSURA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE. MEMÓRIA COLETIVA. DIREITO À INFORMAÇÃO. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ESPOSO E FILHOS MENORES. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE DA PENA. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME FÁTICO. VEDAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ. 2. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em (i) analisar os limites do direito ao esquecimento de pessoa condenada por crime notório, cuja pena se encontra extinta, e (ii) aferir o eventual cabimento de majoração dos danos morais fixados em virtude da divulgação não autorizada de imagem e de informações pessoais da autora do crime e de seus familiares em matéria jornalística publicada mais de vinte anos após ocorrido o ato criminoso. 3. Enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de imprensa não se restringe aos direitos de informar e de buscar informação, mas abarca outros que lhes são correlatos, tais como os direitos à crítica e à opinião. Por não possuir caráter absoluto, encontra limitação no interesse público e nos direitos da personalidade, notadamente, à imagem e à honra das pessoas sobre as quais se noticia. 4. O interesse público deve preponderar quando as informações divulgadas a respeito de fato criminoso notório forem marcadas pela historicidade, permanecendo atual e relevante à memória coletiva, situação não configurada na hipótese dos autos em que houve exposição da vida íntima de pessoa condenada por delito, cuja pena se encontra extinta, e sua família. 5. A publicação de reportagem com conteúdo exclusivamente voltado à divulgação de fatos privados da vida contemporânea de pessoa previamente condenada por crime e de seus familiares revela abuso do direito de informar, previsto pelo artigo 220, § 1º da Constituição Federal, e viola o direito à privacidade, consolidado pelo artigo 21 do Código Civil, por representar indevida interferência sobre a vida particular dos personagens retratados, dando ensejo ao pagamento de indenização. 6. No caso concreto, o Tribunal de origem fixou o entendimento de que a reportagem se limitou a descrever hábitos rotineiros da autora do crime, de seu esposo e de seus filhos, utilizando o delito como subterfúgio para expor o cotidiano da família, inclusive crianças e adolescentes, premissas fáticas cujo reexame é vedado nos termos da Súmula nº 7/STJ. 7. A exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal configura violação do princípio constitucional da proibição de penas perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de retorno ao convívio social, garantidos pela legislação infraconstitucional nos artigos 41, VIII e 202 da Lei nº 7.210/1984 e 93 do Código Penal. 8. Diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para o fim de proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. 9. A extensão dos efeitos da condenação a terceiros não relacionados com o delito configura transgressão ao princípio da intranscendência ou da pessoalidade da pena, consagrado pelo artigo 5º, XLV, da Constituição Federal, sendo especialmente gravosa quando afetar crianças ou adolescentes, os quais se encontram protegidos pela Lei nº 8.069/1990 (ECA), que assegura o direito à proteção integral e o pleno desenvolvimento de forma sadia. 10. Na hipótese, a revisão da conclusão do aresto impugnado acerca do valor da indenização arbitrada a título de danos morais encontra óbice no disposto na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 11. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020 - Publicado no Informativo nº 670)