STJ. REsp 1.833.824-RS

Enunciado: O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. O debate gira em torno da interpretação do art. 1.364 do CC/2002, segundo o qual "vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor". Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; e b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei n. 911/1969, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira. Assim, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei n. 911/1969, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo. Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, não se faz necessária na espécie, haja vista que o DL n. 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros. De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito. Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular - do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida -, mas também à proteção do crédito em geral no mercado de consumo.

Tese Firmada: O credor fiduciário regido pelo Decreto-Lei n. 911/1969, em caso de inadimplemento contratual, pode promover a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, independentemente de optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução.

Questão Jurídica: Cédula de crédito bancário com alienação fiduciária em garantia. Inadimplemento. Regime jurídico aplicável. Decreto-Lei n. 911/1969. Inscrição em órgãos de proteção ao crédito. Possibilidade. Exercício regular do direito de crédito.

Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. DECRETO-LEI 911/69. INSCRIÇÃO DO NOME DO AVALISTA EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. Ação ajuizada em 18/04/2016. Recurso especial interposto em 16/05/2019 e concluso ao Gabinete em 26/08/2019. Julgamento: Aplicação do CPC/2015. 2. O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, na forma do art. 1.364 do CC/02, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito. 3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei 911/69, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira. 4. Hipótese dos autos que envolve cédula de crédito bancário com alienação fiduciária de veículo em garantia firmada com instituição financeira, a atrair o regime do DL 911/69. 5. Nos termos expressos do art. 5º do DL 911/69, é facultado ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução. 6. De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito. 7. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração dos honorários advocatícios. (STJ. REsp 1.833.824-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020 - Publicado no Informativo nº 671)