STJ. REsp 1.794.991-SE

Enunciado: Registra-se, de início, que o Código de Defesa do Consumidor não é somente um conjunto de artigos que protege o consumidor a qualquer custo. Antes de tudo, ele é um instrumento legal que pretende harmonizar as relações entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual. Isso quer dizer que referida legislação é principiológica, não sendo sua principal função resolver todos os problemas que afetam os consumidores, numa fúria disciplinadora. Nela, em verdade, fizeram-se constar princípios fundamentais básicos, como a harmonia entre consumidor e fornecedor, a boa-fé e o equilíbrio nas relações negociais, a interpretação mais favorável do contrato, dentre outros. No caso, os consumidores promoveram a reserva de bilhetes aéreos com destino internacional a preço muito aquém do praticado por outras empresas aéreas, não tendo sequer havido a emissão dos bilhetes eletrônicos (e-tickets) que pudessem formalizar a compra. Agrega-se o fato de que os valores sequer foram debitados do cartão de crédito e, em curto período, os consumidores receberam e-mail informando a não conclusão da operação. Nesse contexto, é inadmissível que, diante de inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços, possa se reconhecer a falha da prestação dos serviços das empresas, que prontamente impediram o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito utilizado, informando, ainda, com antecedência necessária ao voo, o cancelamento da operação. Por conseguinte, não há que se falar em violação do princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC).

Tese Firmada: O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor podem afastar a falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta.

Questão Jurídica: Compra pela internet. Falha grosseira no sistema de carregamento de preços. Valor muito aquém do praticado por outras empresas. Não conclusão da transação. Comunicação rápida ao consumidor. Princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC). Não violação.

Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. CANCELAMENTO DE RESERVA DE BILHETE AÉREO. FALHA NO SISTEMA DE CARREGAMENTO DE PREÇOS. AUSÊNCIA DE EMISSÃO DE BILHETE ELETRÔNICO. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DO DÉBITO NO CARTÃO DE CRÉDITO DO CONSUMIDOR. COMUNICAÇÃO RÁPIDA A RESPEITO DA NÃO FORMALIZAÇÃO DA COMPRA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER AFASTADA. ALTERAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com compensação de danos morais, em virtude de cancelamento de reserva de bilhetes aéreos. 2. Ação ajuizada em 21/08/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 18/01/2019. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal, a par de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir, dado o cancelamento dois dias após a reserva de passagens aéreas para a Europa a preços baixíssimos por alegado erro no sistema de carregamento de preços, i) se as recorridas devem ser condenadas à emissão de novas passagens aéreas aos recorrentes sob os mesmos termos e valores previamente ofertados; e ii) se o valor arbitrado a título de danos morais deve ser majorado. 4. Não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 5. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/2015. 6. Na espécie, os consumidores promoveram a reserva de bilhetes aéreos com destino internacional (Amsterdã), a preço muito aquém do praticado por outras empresas aéreas, não tendo sequer havido a emissão dos bilhetes eletrônicos (e-tickets) que pudessem, finalmente, formalizar a compra. Agrega-se a isto o fato de que os valores sequer foram debitados do cartão de crédito do primeiro recorrente e, em curto período de tempo, os consumidores receberam e-mail informando a não conclusão da operação. 7. Diante da particularidade dos fatos, em que se constatou inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços, não há como se admitir que houve falha na prestação de serviços por parte das fornecedoras, sendo inviável a condenação das recorridas à obrigação de fazer pleiteada na inicial, relativa à emissão de passagens aéreas em nome dos recorrentes nos mesmos termos e valores previamente disponibilizados. 8. Com efeito, deve-se enfatizar o real escopo da legislação consumerista que, reitera-se, não tem sua razão de ser na proteção ilimitada do consumidor - ainda que reconheça a sua vulnerabilidade -, mas sim na promoção da harmonia e equilíbrio das relações de consumo. 9. Quanto ao pleito de majoração do valor a título de danos morais, tem-se que a alteração do valor somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada, o que não ocorreu na espécie, tendo em vista que foi fixado em R$ 2.000,00 (dois mil reais) - R$ 1.000,00 (mil reais) para cada autor. 10. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ. REsp 1.794.991-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020 - Publicado no Informativo nº 671)