STJ. REsp 1.860.368-SP

Enunciado: Cinge-se a controvérsia a definir se créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados para garantia de obrigação contraída, submetem-se ou não aos efeitos de sua recuperação judicial. Como é cediço, a fiança é espécie de garantia pessoal por meio da qual alguém (fiador) garante, ao credor, a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro (devedor-afiançado), na hipótese de este não cumpri-la conforme acordado (art. 818 do CC/2002). Por meio da fiança, contrato de natureza acessória, o sujeito passivo da relação jurídica (fiador) assume a responsabilidade pelo adimplemento de uma prestação a que se obrigou o devedor original. Segundo a doutrina, "a responsabilidade é um estado potencial, cujos efeitos não se realizam imediatamente. Há um estado inicial de pendência, em que não há constrição patrimonial, nem existe certeza de que haverá no futuro". No caso, para garantir obrigação contraída perante terceiros, a recorrente (devedora-afiançada), em momento anterior à protocolização de seu pedido de recuperação judicial, firmou os contratos de prestação de fiança com a instituição financeira recorrida. O texto normativo do caput do art. 49 da Lei n. 11.105/2005 estabelece que se sujeitam à recuperação judicial do devedor todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. A condição de credor somente pode ser atribuída a alguém a partir do momento em que seja titular de um crédito em face de outrem. Não existe credor se não existir crédito. Tratando-se de contrato de fiança o fiador só se tornará credor do afiançado se e quando promover o pagamento de dívida não adimplida pelo devedor original da obrigação principal (objeto da garantia). Transpondo-se essa sutuação para o caso dos autos, tem-se que a instituição financeira fiadora apenas passou a ostentar a condição de credora da afiançada (recuperanda) depois que honrou o débito por esta não pago, a seu tempo e modo, ao credor da obrigação afiançada. A existência/constituição do negócio jurídico (fiança) não pode ser confundida com a existência/constituição do crédito. À data do pedido de recuperação judicial, o banco emitente das cartas-fiança não era titular dos créditos contra a sociedade recuperanda. Vale salientar, por fim, que esse entendimento foi o que serviu de orientação para esta Corte concluir que a submissão ao processo de soerguimento de crédito decorrente de responsabilidade civil condiciona-se ao evento danoso ter corrido em momento anterior à data do pedido de recuperação judicial (REsp 1.447.918/SP, Quarta Turma, Dje 16/5/2016).

Tese Firmada: Os créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados para garantia de obrigação contraída, não estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial.

Questão Jurídica: Recuperação judicial. Créditos lastreados em contratos de fiança bancária. Inexistência do crédito à época da formulação do pedido recuperacional. Art. 49 da Lei n. 11.105/2015. Não submissão.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. FIANÇA. GARANTIA PRESTADA EM FAVOR DA RECUPERANDA. DISCUSSÃO ACERCA DE SUA SUJEIÇÃO AO PLANO DE SOERGUIMENTO. ART. 49 DA LEI 11.101/05. INEXISTÊNCIA DO CRÉDITO À ÉPOCA DA FORMULAÇÃO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXTRACONCURSALIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. 1. Recuperação judicial requerida em 31/3/2015. Recurso especial interposto em 30/8/2018. Autos encaminhados à Relatora em 9/12/2019. 2. O propósito recursal é definir se créditos lastreados em contratos de fiança bancária, firmados para garantia de obrigação contraída pela recorrente, submetem-se ou não aos efeitos de sua recuperação judicial. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente. 4. De acordo com a norma do art. 49, caput, da Lei 11.101/05, não se submetem aos efeitos do processo de soerguimento do devedor aqueles credores cujas obrigações foram constituídas após a data em que o devedor ingressou com o pedido de recuperação judicial. 5. Esta Terceira Turma já teve a oportunidade de esclarecer que "a noção de crédito envolve basicamente a troca de uma prestação atual por uma prestação futura. A partir de um vínculo jurídico existente entre as partes, um dos sujeitos, baseado na confiança depositada no outro (sob o aspecto subjetivo, decorrente dos predicados morais deste e/ou sob o enfoque objetivo, decorrente de sua capacidade econômico-financeira de adimplir com sua obrigação), cumpre com a sua prestação (a atual), com o que passa a assumir a condição de credor, conferindo a outra parte (o devedor) um prazo para a efetivação da contraprestação" (REsp 1.634.046/RS, DJe 18/5/2017). 6. O crédito passível de ser perseguido pelo fiador em face do afiançado - hipótese em exame -, somente se constitui a partir do adimplemento da obrigação principal pelo garante. Antes disso, não existe dever jurídico de caráter patrimonial em favor deste. 7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas, circunstância não verificada na hipótese. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. (STJ. REsp 1.860.368-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020 - Publicado no Informativo nº 671)