STJ. REsp 1.748.779-MG

Enunciado: Cinge-se a discussão a determinar se o protesto da letra não aceita e que não circula tem o condão de interromper o prazo prescricional da dívida que serviu de causa subjacente para a emissão do título de crédito. Entre os efeitos do protesto, o Código Civil prevê, em seu art. 202, III, a possibilidade de que o protesto cambial interrompa a prescrição. É necessário, no entanto, estabelecer o efetivo alcance dessa disposição do diploma material civil, a fim de se afastar equívocos interpretativos que poderiam conduzir a efeitos indesejados pela norma. Deve-se entender que a prescrição interrompida pelo protesto cambial se refere, conforme aduz a doutrina, única e exclusivamente à "ação cambiária, regra que se aplica por não existir na legislação cambiária norma sobre a matéria", e, ademais, somente tem em mira a pretensão dirigida ao responsável principal e, eventualmente, aos devedores indiretos do título, entre os quais não se enquadra o sacado não aceitante. De fato, por força do princípio da autonomia das relações cambiais ? segundo o qual a relação jurídica causal que enseja a emissão do título e a relação cambiária são completamente distintas, não estando, nos termos da doutrina, "o cumprimento das obrigações assumidas por alguém no título vinculado a outra obrigação qualquer, mesmo ao negócio que deu lugar ao nascimento do título" , a interrupção da prescrição deve atingir unicamente a ação cambiária. Dessa forma, na letra de câmbio não aceita, não há obrigação cambial que vincule o sacado e, assim, o sacador somente tem ação extracambial contra o sacado não aceitante, cujo prazo prescricional não sofre as interferências do protesto do título de crédito. Ademais, o prazo prescricional da ação cambial interrompida pelo protesto se refere àquela que pode ser exercitada pelo portador contra o responsável principal e os devedores indiretos. Isso é, por sua vez, decorrência da leitura do art. 70 da Lei Uniforme de Genebra, que é regra especial em relação ao Código Civil quanto ao tema e que estabelece, em seu caput, o prazo de 3 anos para a ação contra o aceitante e, em sua alínea primeira, o prazo de um ano para as ações do portador contra os endossantes e contra o sacador, a contar da data do protesto feito em tempo útil, e do art. 71 do referido diploma legislativo, segundo o qual "a interrupção da prescrição só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita". Portanto, nas letras de câmbio sacadas na vigência do Código Civil/2002 e nas quais não tenha havido aceite pelo sacado, seu protesto somente produz efeito interruptivo sobre o prazo prescricional sobre as ações cambiárias do portador sobre o aceitante ou sobre o sacador e os demais devedores indiretos, na hipótese de ter ocorrido sua circulação.

Tese Firmada: Na letra de câmbio não aceita não há obrigação cambial que vincule o sacado e assim, o sacador somente tem ação extracambial contra o sacado não aceitante, cujo prazo prescricional não sofre as interferências do protesto do título de crédito.

Questão Jurídica: Letra de câmbio. Declaração unilateral do sacador. Aceite. Eventualidade. Facultatividade. Sacado não aceitante. Relação cambial. Inexistência. Protesto. Não interferência sobre o prazo prescricional da ação extracambial.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. LETRA DE CÂMBIO. NATUREZA. ORDEM DE PAGAMENTO. DECLARAÇÃO UNILATERAL DO SACADOR. REQUISITOS ESSENCIAIS. ART. 1º DO DECRETO 57.663/66 (LUG). ACEITE. EVENTUALIDADE. FACULTATIVIDADE. SACADO NÃO ACEITANTE. CONSEQUÊNCIA. RELAÇÃO CAMBIAL. INEXISTÊNCIA. PROTESTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ART. 21, § 5º, DA LEI 9.492/97. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 202, III, DO CC/ 02. EFICÁCIA OBJETIVA E SUBJETIVA. AÇÕES CAMBIÁRIAS. LIMITAÇÃO. PRINCÍPIO. AUTONOMIA. RESPONSÁVEL PRINCIPAL. SACADO ACEITANTE. DEVEDORES INDIRETOS. SACADOR, ENDOSSANTES E AVALISTAS. SACADO NÃO ACEITANTE. RELAÇÃO JURÍDICA CAUSAL. ALCANCE. INVIABILIDADE. 1. Cuida-se de ação anulatória de título de crédito cumulada com cancelamento de protesto e compensação de danos morais, por meio da qual se discute a validade do protesto de letra de câmbio não aceita e emitida com a finalidade de interromper a prescrição para a cobrança de débitos de mensalidades universitárias. 2. Recurso especial interposto em: 30/11/2017; conclusos ao gabinete em: 10/08/2018; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) na letra de câmbio, o aceite é requisito essencial da produção de seus efeitos cambiários; b) em letra de câmbio que foi emitida tendo como tomador o próprio sacador, que não circulou e não foi aceita, é válido o protesto tomado contra o sacado; e c) o protesto da letra não aceita e que não circula tem o condão de interromper o prazo prescricional da dívida que serviu de causa subjacente para a emissão do título de crédito. 4. Os títulos de crédito cumprem a função econômica de servirem de instrumentos de circulação de crédito, garantida pela incidência das regras do direito cambiário, o que depende do respeito às formalidades essenciais definidas em lei para tanto. 5. A letra de câmbio consiste em uma declaração unilateral do sacador por meio da qual emite uma ordem de pagamento dirigida ao sacado de pagar uma certa quantia em favor do tomador, o que justifica o aceite da letra pelo sacado não se inserir entre suas formalidades essenciais. 6. A citação do nome do sacado na letra de câmbio não gera para ele, no entanto, qualquer efeito cambial, independentemente da existência de uma outra relação jurídica subjacente que tenha servido de ensejo para o saque da cártula. Aplicação do princípio da autonomia das relações cambiais. 7. O aceite é o ato por meio do qual o sacado se vincula à ordem de pagamento emitida pelo sacador, tornando-se o responsável principal pela dívida inscrita na letra de câmbio. É elemento eventual do título, pois a eficácia cambial da letra de câmbio e sua circulação não dependem, em regra, do aceite; e facultativo, porque é dado segundo exclusivamente segundo a vontade do sacado, não podendo nem mesmo o protesto pela recusa do aceite obrigá-lo a aceitar a ordem de pagamento. 8. Na letra de câmbio com vencimento a vista, a apresentação para aceite é dispensável, pois a apresentação ao sacado já é dada, imediatamente, para pagamento. Nessa hipótese, o portador apresenta o título para protesto por falta de pagamento, com a finalidade de exercer os direitos cambiários contra os devedores indiretos da dívida nele inscrita, e não para tornar o sacado aceitante. 9. O protesto é um ato solene de prova da recusa ou da falta de aceite ou de pagamento que tem por propósito conservar os direitos do portador da cártula em face do devedor direito - o sacado aceitante - ou dos devedores indiretos - sacador, endossantes e seus avalistas. 10. O protesto também pode produzir outros efeitos, como a comprovação da impontualidade injustificada, para efeitos falimentares, ou a interrupção da prescrição, na forma do art. 202, III, do CC/02. 11. Na letra de câmbio sem aceite, tanto o protesto por falta ou recusa de aceite quando o por falta ou recusa de pagamento devem ser tirados contra o sacador, que emitiu a ordem de pagamento não honrada, e não contra o sacado, que não pode ser compelido, sequer pelo protesto, a aceitar a obrigação inserida na cártula. Inteligência do art. 21, § 5º, da Lei 9.492/97. 12. Se não há responsável principal - por falta de aceite - e se é impossível o exercício de direito de regresso contra os devedores indiretos - seja porque a cártula não circulou, seja porque não realizado o protesto no tempo próprio -, a letra de câmbio deixa de ter natureza de título de crédito, consistindo em um mero documento, produzido unilateralmente pelo sacador. 13. A prescrição interrompida pelo protesto cambial se refere única e exclusivamente à ação cambiária e somente tem em mira a pretensão dirigida ao responsável principal e, eventualmente, aos devedores indiretos do título, entre os quais não se enquadra o sacado não aceitante. Aplicação do princípio da autonomia das relações cambiais. 14. Na hipótese concreta, a recorrente sacou letra de câmbio em que apontou como sacada a recorrida e se colocou na posição de beneficiária da ordem de pagamento, levando o título a protesto com o propósito de interromper o prazo prescricional para a cobrança da dívida que serviu de ensejo à emissão da cártula. 15. Na hipótese dos autos, a recorrente, ao protestar o título contra a recorrida não aceitante, tirou o protesto indevidamente contra pessoa que não poderia ser indicada em referido ato documental, praticando, assim, ato ilícito, devendo, pois, responder pelas consequências de seus atos; e a interrupção da prescrição pelo protesto do título não se dá em relação à dívida causal que originou a emissão da cártula. 16. Recurso especial desprovido. (STJ. REsp 1.748.779-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/05/2020, DJe 25/05/2020 - Publicado no Informativo nº 672)