STJ. Rcl 37.521-SP

Enunciado: O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob fundamento de que deveria ser respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade, afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte na ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP. Na referida decisão, determinou-se a apuração de eventual fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória e a realização de novo exame para a apuração de eventual existência de vínculo biológico entre as partes. O acórdão desta Corte concluiu que o documento apresentado pela parte configurava prova indiciária da alegada fraude ocorrida em anterior exame de DNA e, em razão disso, determinou a reabertura da fase instrutória. Dessa forma, não pode a sentença, valendo-se apenas daquele documento, extrair conclusão diversa, no sentido de não ser ele suficiente para a comprovação da fraude, sob pena de afronta à autoridade da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Determinado pelo STJ que fosse realizado novo exame de DNA para apuração da existência de vínculo biológico entre as partes, não pode a sentença, somente com base na ausência das pessoas que deveriam fornecer o material biológico, concluir pelo restabelecimento da coisa julgada que se formou na primeira ação investigatória (e que foi afastada por esta Corte), tampouco concluir pela inaplicabilidade da presunção contida na Súmula 301/STJ, sem que sejam empreendidas todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática. A impossibilidade de condução do investigado "debaixo de vara" para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica a impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do CPC/2015, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ, ou quando se observar postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa. Por fim, aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos arts. 401 a 404, do CPC/2015, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida.

Tese Firmada: O juiz deve adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deve fornecer o material para exame de DNA, especialmente quando a presunção contida na Súmula 301/STJ se revelar insuficiente para resolver a controvérsia.

Questão Jurídica: Recusa tácita ao fornecimento de material genético pelo herdeiro e por terceiros. Adoção de medidas indutivas, coercitivas e mandamentais contra o herdeiro. Art. 139, IV, CPC. Possibilidade.

Ementa: CIVIL. PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO DO STJ QUE DETERMINOU INVESTIGAÇÃO EXAURIENTE SOBRE FRAUDE EM EXAME DE DNA. SENTENÇA QUE, COM BASE NO MESMO DOCUMENTO JÁ EXAMINADO PELA CORTE, CONCLUIU PELA PREVALÊNCIA DE COISA JULGADA ANTERIORMENTE FORMADA E QUE HAVIA SIDO AFASTADA PELO STJ. OFENSA À DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE. RECUSA TÁCITA AO FORNECIMENTO DE MATERIAL GENÉTICO PELO HERDEIRO E POR TERCEIROS. SENTENÇA QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 301/STJ. ERRO DE JULGAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO SUMULAR QUE DEPENDE, DE IGUAL MODO, DO EXAURIMENTO DA ATIVIDADE INSTRUTÓRIA. ADOÇÃO DE MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS AO HERDEIRO QUE SE NEGA A FORNECER MATERIAL BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE, QUANDO INAPLICÁVEL DESDE LOGO O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 301/STF OU QUANDO VERIFICADA POSTURA ANTICOOPERATIVA QUE RESULTE EM PREJUÍZO AO PRETENSO FILHO. ADOÇÃO DAS MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS A TERCEIROS QUE IGUALMENTE SE RECUSAM A FORNECER MATERIAL BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE. LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL AD ACTUM. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E, POR ANALOGIA, DO PROCEDIMENTO APLICÁVEL À EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA EM PODER DE TERCEIRO. 1- O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que deveria ser respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, por meio da qual se determinou a apuração de eventual fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória e a realização de novo exame de DNA para a apuração de eventual existência de vínculo biológico entre as partes. 2- Tendo o acórdão desta Corte concluído que o documento apresentado pela parte configurava prova indiciária da alegada fraude ocorrida em anterior exame de DNA e, em razão disso, determinado a reabertura da fase instrutória, não pode a sentença, valendo-se apenas daquele documento, extrair conclusão diversa, no sentido de não ser ele suficiente para a comprovação da fraude, sob pena de afronta à autoridade da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. 3- Determinado, pelo acórdão desta Corte, que fosse realizado novo exame de DNA para apuração da existência de vínculo biológico entre as partes, não pode a sentença, somente com base na ausência das pessoas que deveriam fornecer o material biológico, concluir pelo restabelecimento da coisa julgada que se formou na primeira ação investigatória (e que foi afastada por esta Corte), nem tampouco concluir pela inaplicabilidade da presunção contida na Súmula 301/STJ, sem que sejam empreendidos todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática. Aliás, é preciso enfatizar que maior do que o direito de ter um pai é o direito de saber quem é o pai. 4- A impossibilidade de condução do investigado "debaixo de vara" para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica na impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do novo CPC, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ ou quando se observar a existência de postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa, pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai. 5- Aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos art. 401 a 404, do novo CPC, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida. 6- Reclamação julgada procedente. (STJ. Rcl 37.521-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 13/05/2020, DJe 05/06/2020 - Publicado no Informativo nº 673)