STJ. REsp 1.732.511-SP

Enunciado: A Resolução CONSU n. 19/1999, que trata sobre a absorção do universo de consumidores pelas operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde que operam ou administram planos coletivos que vierem a ser liquidados ou encerrados, dispõe em seu art. 1º que "as operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência". O art. 3º da referida Resolução, no entanto, faz a ressalva de que tal disposição se aplica somente às operadoras que mantenham também plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar. Registra-se que, no âmbito jurisdicional, a edição da súmula n. 608 pelo STJ reforça a tese de que a ANS, no exercício de seu poder normativo e regulamentar acerca dos planos e seguros de saúde coletivos - ressalvados, apenas, os de autogestão -, deve observar os ditames do CDC. Ademais, se, de um lado, a Lei n. 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo por adesão a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar. Dessa forma, a interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução CONSU n. 19/1999 agrava sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço e favorece o exercício arbitrário, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado por adesão, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei n. 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU n. 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço. Assim, na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.

Tese Firmada: Os beneficiários de plano de saúde coletivo, após a resilição unilateral do contrato pela operadora, tem direito à portabilidade de carências ao contratar novo plano, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.

Questão Jurídica: Plano de saúde. Contrato coletivo por adesão. Não renovação pela operadora. Resolução CONSU n. 19/1999. Lei n. 9.656/1998 e CDC. Diálogo das fontes. Portabilidade de carências. Direito reconhecido.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. CONTRATO DE SEGURO DE SAÚDE COLETIVO POR ADESÃO. NÃO RENOVAÇÃO PELA OPERADORA. OPERADORA QUE NÃO MANTÉM PLANO DE SAÚDE INDIVIDUAL. LEI 9.656/1998. ART. 3º DA RESOLUÇÃO CONSU Nº 19/1999. CDC. DIÁLOGO DAS FONTES. LICITUDE DA RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO PELA OPERADORA. BENEFICIADOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA O PLANO DE SAÚDE. DIREITO À PORTABILIDADE DE CARÊNCIA RECONHECIDO. DANO MORAL. DÚVIDA RAZOÁVEL NA INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE AGRAVAMENTO DA AFLIÇÃO PSICOLÓGICA E DE ANGÚSTIA DOS BENEFICIÁRIOS. NÃO COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO DE URGENTE E FLAGRANTE NECESSIDADE DE ATENDIMENTO MÉDICO. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos materiais e compensação de dano moral ajuizada em 31/03/2015, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais, interpostos em 18/05/2017 e 22/05/2017 e atribuído ao gabinete em 04/04/2018. 2. O propósito dos recursos consiste em decidir sobre a validade da manifestação da operadora de seguro de saúde coletivo por adesão pela não renovação do contrato; sobre a possibilidade de obriga-la a manter o vínculo com o universo de beneficiários; bem como sobre a configuração de dano moral pela negativa de cobertura do atendimento médico. 3. A ANS, no exercício de seu poder normativo e regulamentar acerca dos planos de saúde coletivos - ressalvados, apenas, os de autogestão -, deve observar os ditames do CDC. 4. Se, de um lado, a Lei 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo por adesão a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar. 5. A interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução CONSU nº 19/1999 agrava sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço e favorece o exercício arbitrário, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado por adesão, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas. 6. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU nº 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço. 7. Na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito. 8. A orientação adotada pela jurisprudência desta Corte é a de ser possível, em determinadas situações fáticas, afastar a presunção de dano moral na hipótese em que a recusa de cobertura pelo plano de saúde decorrer de dúvida razoável na interpretação do contrato, por não configurar conduta ilícita capaz de ensejar o dever de compensação. 9. Hipótese em que, além de a atuação da operadora estar revestida de aparente legalidade, a afastar a ocorrência do ato ilícito, não sobressai do contexto delineado na origem que tal fato tenha agravado eventual aflição psicológica e de angústia dos beneficiários, tampouco que estivessem em situação de urgente e flagrante necessidade de atendimento médico, a afastar a configuração do dano moral. 10. Recursos especiais conhecidos, desprovido o dos beneficiários e provido o da operadora. (STJ. REsp 1.732.511-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/08/2020, DJe 20/08/2020 - Publicado no Informativo nº 677)