STJ. REsp 1.698.635-MS

Enunciado: Preliminarmente, pontua-se que a revogação do art. 161, §2º, do ECA, pela Lei n. 13.509/2017, com tratamento da matéria no art. 157, §2º, do mesmo Estatuto, apenas esclarece que a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a intervenção da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, deverá ocorrer sempre e logo após o recebimento da petição inicial, não significando a referida modificação legal que a intervenção da FUNAI, em se tratando de destituição de poder familiar de criança que é filha de pais oriundos de comunidades indígenas, somente seria obrigatória nas hipóteses de suspensão liminar ou incidental do poder familiar. A intervenção da FUNAI nos litígios relacionados à destituição do poder familiar e à adoção de menores indígenas ou menores cujos pais são indígenas é obrigatória e apresenta caráter de ordem pública, visando-se, em ambas as hipóteses, que sejam consideradas e respeitadas a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições, suas instituições, bem como que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia. As regras do art. 28, §6º, I e II, do ECA, visam conferir às crianças de origem indígena um tratamento verdadeiramente diferenciado, pois, além de crianças, pertencem elas a uma etnia minoritária, historicamente discriminada e marginalizada no Brasil, bem como pretendem, reconhecendo a existência de uma série de vulnerabilidades dessa etnia, adequadamente tutelar a comunidade e a cultura indígena, de modo a minimizar a sua assimilação ou absorção pela cultura dominante. Nesse contexto, a obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorre do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses, não se tratando, pois, de formalismo processual exacerbado apenar de nulidade a sua ausência.

Tese Firmada: É obrigatória a intervenção da FUNAI em ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena.

Questão Jurídica: Ação de destituição de poder familiar. Genitora de origem indígena. Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Obrigatoriedade de intervenção.

Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. CRIANÇA CUJA GENITORA POSSUI ORIGEM INDÍGENA. OBRIGATORIEDADE DA INTERVENÇÃO DA FUNAI. MODIFICAÇÃO LEGAL. REVOGAÇÃO DO ART. 161, §2º, DO ECA, PELA LEI 13.509/2017. IRRELEVÂNCIA. MATÉRIA MELHOR TRATADA NO ART. 157, §2º, DO ECA. INTERVENÇÃO NECESSÁRIA E QUE DEVE OCORRER APÓS O RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. NORMA COGENTE E DE ORDEM PÚBLICA. CONSIDERAÇÃO E RESPEITO À IDENTIDADE SOCIAL E CULTURAL DO POVO INDIGENA. COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA PRIORITARIAMENTE INDÍGENA. RAZÃO DE EXISTIR DA REGRA. TRATAMENTO DIFERENCIADO AO POVO INDÍGENA. ETNIA MINORITÁRIA, VULNERÁVEL E HISTORICAMENTE DISCRIMINADA E MARGINALIZADA. NECESSIDADE DE TUTELA ESTATAL ADEQUADA. FUNÇÃO DA FUNAI. ÓRGÃO ESPECIALIZADO, INTERDISCIPLINAR E CONHECER DAS DIFERENTES CULTURAS INDÍGENAS, APTO A INDICAR, COM MAIOR PROPRIEDADE, OS MELHORES INTERESSES DO POVO INDÍGENA. INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA DA FUNAI. INEXISTÊNCIA DE FORMALISMO PROCESSUAL EXACERBADO. NULIDADE QUE SOMENTE PODE SER AFASTADA EM HIPÓTESES EXCEPCIONALÍSSIMAS, COMO NA HIPÓTESE EM EXAME. 1- Ação ajuizada em 22/05/2015. Recurso especial interposto em 02/05/2017 e atribuído à Relatora em 21/10/2017. 2- O propósito recursal é definir se, na ação de destituição de poder familiar que envolva criança cujos pais possuem origem indígena, é obrigatória a intervenção da Fundação Nacional do Índio - FUNAI. 3- A revogação do art. 161, §2º, do ECA, pela Lei nº 13.509/2017, com tratamento da matéria no art. 157, §2º, do mesmo Estatuto, apenas esclarece que a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a intervenção da FUNAI, deverá ocorrer sempre e logo após o recebimento da petição inicial, não significando a referida modificação legal que a intervenção da FUNAI, em se tratando de destituição de poder familiar de criança que é filha de pais oriundos de comunidades indígenas, somente seria obrigatória nas hipóteses de suspensão liminar ou incidental do poder familiar. 4- A intervenção da FUNAI nos litígios relacionados à destituição do poder familiar e à adoção de menores indígenas ou menores cujos pais são indígenas é obrigatória e apresenta caráter de ordem pública, visando-se, em ambas as hipóteses, que sejam consideradas e respeitadas a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, bem como que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia. 5- As regras do art. 28, §6º, I e II, do ECA, visam conferir às crianças de origem indígena um tratamento verdadeiramente diferenciado, pois, além de crianças, pertencem elas a uma etnia minoritária, historicamente discriminada e marginalizada no Brasil, bem como pretendem, reconhecendo a existência de uma série de vulnerabilidades dessa etnia, adequadamente tutelar a comunidade e a cultura indígena, de modo a minimizar a sua assimilação ou absorção pela cultura dominante. 6- Nesse contexto, a obrigatoriedade e a relevância da intervenção obrigatória da FUNAI decorre do fato de se tratar do órgão especializado, interdisciplinar e com conhecimentos aprofundados sobre as diferentes culturas indígenas, o que possibilita uma melhor verificação das condições e idiossincrasias da família biológica, com vistas a propiciar o adequado acolhimento do menor e, consequentemente, a proteção de seus melhores interesses, não se tratando, pois, de formalismo processual exacerbado apenar de nulidade a sua ausência. 7- Na específica hipótese em exame, as crianças, cuja genitora biológica é de origem indígena, mas que há muito convive na sociedade urbana, estão acolhidas cautelarmente em virtude da comprovada e absoluta inaptidão da genitora para exercer o poder familiar em razão de fatos gravíssimos, razão pela qual, rompidos os vínculos socioafetivos com a genitora, não seria adequada a nulificação integral do processo em que se pretende apenas a destituição do poder familiar, observando-se, contudo, a obrigatoriedade de intervenção da FUNAI, daqui em diante, em quaisquer procedimentos ou ações que envolvam as menores, assegurando-lhes a possibilidade de resgate ou de manutenção da cultura indígena. 8- Recurso conhecido e desprovido. (STJ. REsp 1.698.635-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/09/2020, DJe 09/09/2020 - Publicado no Informativo nº 679)