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STJ. REsp 1.878.043-SP
Enunciado: As ações de guarda e de afastamento do convívio familiar veiculam pretensões ambivalentes, pois, na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou a proteção de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial), ao passo que, na segunda, pretende o legitimado a cessação ou a modificação da guarda em razão de estar a pessoa que deve ser preservada em uma situação de risco. Da irrelevância do nomen iuris dado às ações que envolvam a guarda do menor para fins da tutela jurisdicional pretendida se conclui que, por suas características peculiares, a guarda é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado. Transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento. A alternância e a volatividade, embora indesejáveis no âmbito da guarda que se pauta na constância e na segurança, são ínsitas à natureza humana e social, podendo ser causadas, inclusive, por circunstâncias fáticas alheias à vontade de quem a exercia. É por esse motivo que, em comezinha lição, a coisa julgada material, em determinadas hipóteses (como na ação de guarda, nos termos do art. 35 do ECA) sequer se forma ou, ao menos, fica sujeita à moldura fática que lhe serviu de base e à estritas limitações de natureza temporal. Assim, a fundamentação adotada pela sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, no sentido de que seria juridicamente impossível o reconhecimento da filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, não impede o exame da questão na superveniente ação de guarda, pois os motivos que conduziram à procedência do pedido anterior, por mais relevantes que sejam, não fazem coisa julgada, a teor do art. 504, I, do CPC/2015. A concepção prévia das instâncias ordinárias, no sentido de que a burla ao cadastro de adoção ou à ordem cronológica tornaria, por si só, absolutamente inviável a adoção pelos recorrentes, deve ser objeto de profunda revisitação. A jurisprudência desta Corte, diante de uma ineludível realidade social, mas sem compactuar com a vulneração da lei, do cadastro de adotantes e da ordem cronológica, consolidou-se no sentido de que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame de cada situação concretamente considerada, a fim de que, com foco naquele que deve ser o centro de todas as atenções - a criança - decida-se de acordo com os princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral e prioritária da criança (art. 100, parágrafo único, II, do ECA), sendo imprescindível, nesse contexto, que haja a oitiva e a efetiva participação de todos os envolvidos (art. 100, parágrafo único, XII, do ECA) e a realização dos estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes, inclusive nas hipóteses de adoção à brasileira.
Tese Firmada: O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas.
Questão Jurídica: Ação de guarda. Anterior sentença transitada em julgado que julgou procedente pedido de afastamento do convívio familiar. Superveniente ação de guarda ajuizada. Causas de pedir distintas. Modificações do quadrante fático. Ausência de interesse processual diante da coisa julgada anteriormente formada. Inocorrência. Inoponibilidade da coisa julgada.
Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE GUARDA. ANTERIOR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO QUE JULGOU PROCEDENTE PEDIDO DE AFASTAMENTO DO CONVÍVIO FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DIANTE DA COISA JULGADA ANTERIORMENTE FORMADA. INOCORRÊNCIA. PRETENSÕES DE GUARDA E DE AFASTAMENTO AMBIVALENTES, IRRELEVANTE O NOMEN IURIS PARA DEFINIÇÃO DA NATUREZA DA TUTELA JURISDICIONAL PLEITEADA. COISA JULGADA NAS AÇÕES QUE VERSAM SOBRE GUARDA QUE SE FORMA DE ACORDO COM A MOLDURA FÁTICO-TEMPORAL EXISTENTE AO TEMPO DE SUA PROLAÇÃO. SUPERVENIENTE AÇÃO DE GUARDA AJUIZADA APÓS LAPSO TEMPORAL CONSIDERÁVEL E QUE SE FUNDA EM DISTINTAS CAUSAS DE PEDIR E EM MODIFICAÇÕES DO QUADRANTE FÁTICO. INOPONIBILIDADE DA COISA JULGADA. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE AFASTAMENTO DE CONVÍVIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA COM ORIGEM EM ADOÇÃO À BRASILEIRA. REDISCUSSÃO DA QUESTÃO NA AÇÃO DE GUARDA. POSSIBILIDADE. MOTIVOS QUE NÃO FAZEM COISA JULGADA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO, SEMPRE CONCRETA E CASUÍSTICA, DA REALIDADE SOCIAL E DA REALIDADE LEGAL. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO MELHOR INTERESSE DO MENOR E DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA DA CRIANÇA. IMPRESCINDIBILIDADE DA OITIVA E PARTICIPAÇÃO DE TODOS OS ENVOLVIDOS. IMPRESCINDIBILIDADE DOS ESTUDOS PSICOSSOCIAIS E INTERDISCIPLINARES, INCLUSIVE NAS HIPÓTESES DE ADOÇÃO À BRASILEIRA, DE MODO A PROMOVER A CONCRETIZAÇÃO DOS REFERIDOS PRINCÍPIOS. 1- Ação proposta em 27/04/2018. Recurso especial interposto em 20/05/2019 e atribuído à Relatora em 20/04/2020. 2- O propósito recursal consiste em definir se, transitada em julgado sentença de procedência em ação de afastamento de convívio familiar para determinar o acolhimento institucional de menor, há interesse processual para o superveniente ajuizamento de ação de guarda por quem pretende reavê-la. 3- As ações de guarda e de afastamento do convívio familiar veiculam pretensões ambivalentes, pois, na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou a proteção de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial), ao passo que, na segunda, pretende o legitimado a cessação ou a modificação da guarda em razão de estar a pessoa que deve ser preservada em uma situação de risco. 4- Da irrelevância do nomen iuris dado às ações que envolvam a guarda do menor para fins da tutela jurisdicional pretendida se conclui que, por suas características peculiares, a guarda é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado. 5- Transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento. 6- A fundamentação adotada pela sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, no sentido de que seria juridicamente impossível o reconhecimento da filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, não impede o exame da questão na superveniente ação de guarda, pois os motivos que conduziram à procedência do pedido anterior, por mais relevantes que sejam, não fazem coisa julgada, a teor do art. 504, I, do CPC/15. 7- A jurisprudência desta Corte, diante de uma ineludível realidade social, mas sem compactuar com a vulneração da lei, do cadastro de adotantes e da ordem cronológica, consolidou-se no sentido de que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame de cada situação concretamente considerada, a fim de que, com foco naquele que deve ser o centro de todas as atenções - a criança - decida-se de acordo com os princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral e prioritária da criança, sendo imprescindível, nesse contexto, que haja a oitiva e a efetiva participação de todos os envolvidos e a realização dos estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes, inclusive nas hipóteses de adoção à brasileira. 8- Recurso especial conhecido e provido, com determinações. (STJ. REsp 1.878.043-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/09/2020, DJe 16/09/2020 - Publicado no Informativo nº 679)