STJ. REsp 1.797.027-PB

Enunciado: Conceitualmente, o art. 2.039 do CC/2002, ao estabelecer uma regra de transição quanto ao regime de bens, teve por finalidade específica disciplinar as relações familiares entre os cônjuges na perspectiva patrimonial, ditando o modo pelo qual se dará, por exemplo, a partilha de seus bens por ocasião da dissolução do vínculo conjugal, bem como a possibilidade de alteração motivada e judicial do regime de bens posteriormente consagrada pela jurisprudência desta Corte. Dessa forma, a referida regra de direito transitório não deve influenciar, na perspectiva da definição da legislação aplicável, as hipóteses em que deveria ser dada a autorização conjugal, pois esse instituto, a despeito de se relacionar com o regime de bens, é, na realidade, uma condição de eficácia do negócio jurídico cuja validade se examina. Assim, em se tratando de casamento celebrado na vigência do CC/1916 sob o regime da separação convencional de bens, somente aos negócios jurídicos celebrados na vigência da legislação revogada é que se poderá aplicar a regra do art. 235, I, do CC/1916, que previa a necessidade de autorização conjugal como condição de eficácia da hipoteca, independentemente do regime de bens. Contudo, aos negócios jurídicos celebrados após a entrada em vigor do CC/2002, deverá ser aplicada a regra do art. 1.647, I, do CC/2002, que prevê a dispensa de autorização conjugal como condição de eficácia da hipoteca quando o regime de bens for o da separação absoluta, ainda que se trate de casamento celebrado na vigência da legislação civil revogada.

Tese Firmada: É válida hipoteca firmada na vigência do CC/2002 exclusivamente por cônjuge casado sob o regime da separação total de bens na vigência do CC/1916.

Questão Jurídica: Hipoteca. Negócio jurídico firmado na vigência do CC/2002. Casamento sob o regime da separação total de bens na vigência do CC/1916. Autorização conjugal. Desnecessidade.

Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE GARANTIA HIPOTECÁRIA. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO CONJUGAL. CASAMENTO REALIZADO SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO ABSOLUTA E CONVENCIONAL DE BENS NA VIGÊNCIA DO CC/1916. IMOVEL DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA NA VIGÊNCIA DO CC/2002. REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.039 DO CC/2002. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA LIMITADO AOS ASPECTOS PATRIMONIAIS DAS RELAÇÕES FAMILIARES, COMO A PARTILHA DE BENS E A ALTERAÇÃO POSTERIOR DO REGIME DE BENS. DEFINIÇÃO DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL QUANTO À AUTORIZAÇÃO CONJUGAL FORA DO ESCOPO DA REGRA. AUTORIZAÇÃO CONJUGAL QUE É CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO HIPOTECÁRIO. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CC/1916 E GARANTIA HIPOTECÁRIA DADA NA VIGÊNCIA DO MESMO CÓDIGO. APLICAÇÃO DA REGRA DO ART. 235, I, DO CC/1916, EXIGINDO-SE A AUTORIZAÇÃO CONJUGAL INDEPENDENTEMENTE DO REGIME DE BENS. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CC/1916, MAS GARANTIA HIPOTECÁRIA DADA NA VIGÊNCIA DO CC/2002. APLICAÇÃO DA REGRA DO ART. 1.647, I, DO CC/2002, QUE DISPENSA A AUTORIZAÇÃO CONJUGAL QUANDO O REGIME DE BENS DO CASAMENTO FOR O DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA, AINDA QUE SE TRATE DE MATRIMÔNIO OCORRIDO NA VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO REVOGADA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. 1- Ação ajuizada em 31/08/2011. Recurso especial interposto em 27/09/2018 e atribuído à Relatora em 22/02/2019. 2- O propósito recursal consiste em definir se a hipoteca firmada na vigência do CC/2002, exclusivamente por cônjuge casado sob o regime da separação total de bens na vigência do CC/1916, é nula pela ausência da respectiva obtenção da autorização conjugal. 3- Conceitualmente, o art. 2.039 do CC/2002, ao estabelecer uma regra de transição quanto ao regime de bens, teve por finalidade específica disciplinar as relações familiares entre os cônjuges na perspectiva patrimonial, ditando o modo pelo qual se dará, por exemplo, a partilha de seus bens por ocasião da dissolução do vínculo conjugal, bem como a possibilidade de alteração motivada e judicial do regime de bens posteriormente consagrada pela jurisprudência desta Corte. 4- Dessa forma, a referida regra de direito transitório não deve influenciar, na perspectiva da definição da legislação aplicável, as hipóteses em que deveria ser dada a autorização conjugal, pois esse instituto, a despeito de se relacionar com o regime de bens, é, na realidade, uma condição de eficácia do negócio jurídico cuja validade se examina. 5- Assim, em se tratando de casamento celebrado na vigência do CC/1916 sob o regime da separação convencional de bens, somente aos negócios jurídicos celebrados na vigência da legislação revogada é que se poderá aplicar a regra do art. 235, I, do CC/1916, que previa a necessidade de autorização conjugal como condição de eficácia da hipoteca, independentemente do regime de bens. 6- Contudo, aos negócios jurídicos celebrados após a entrada em vigor do CC/2002, deverá ser aplicada a regra do art. 1.647, I, do CC/2002, que prevê a dispensa de autorização conjugal como condição de eficácia da hipoteca quando o regime de bens for o da separação absoluta, ainda que se trate de casamento celebrado na vigência da legislação civil revogada. 7- O provimento do recurso especial por um dos fundamentos torna despiciendo o exame dos demais suscitados pela parte (na hipótese, divergência jurisprudencial). Precedentes. 8- Recurso especial conhecido e provido, a fim de julgar improcedente o pedido de nulidade de garantia hipotecária, invertendo-se a sucumbência. (STJ. REsp 1.797.027-PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/09/2020, DJe 18/09/2020 - Publicado no Informativo nº 680)