STJ. HC 512.290-RJ

Enunciado: A atividade de inteligência desempenhada por agências dos estados, que integram o Subsistema de Inteligência criado pelo Decreto n. 3.695, de 21/12/2012, consiste no exercício de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública. Alcança diversos campos de atuação - um deles a inteligência policial judiciária - e entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos criminosos. Apesar de não se confundir com a investigação, nem se esgotar com o objetivo desta, uma vez que a inteligência de segurança pública opera na busca incessante de dados, o resultado de suas operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado no processo penal para subsidiar a produção de provas, desde que materializado em relatório técnico. Na hipótese, há alguns anos, no Estado-membro, ante a necessidade de aperfeiçoar o combate a crimes cometidos por policiais, foi atribuída à Subsecretaria de Inteligência (SSINTE/SESEG) a missão de prestar apoio a determinados órgãos em suas investigações criminais. Além das atividades de inteligência de segurança pública, era atribuição da Subsecretaria de Inteligência, integrante da estrutura da Secretaria de Estado de Segurança (SSINTE/SESEG), à luz do art. 2°, parágrafo único, da Resolução n. 436, de 8/2/2011, prestar o apoio necessário a determinados órgão de segurança pública em suas investigações criminais. A resolução em apreço estabeleceu, em seu art. 1°, que "os delegados da Polícia Civil" lotados na Corregedoria Geral Unificada (CGU) poderiam presidir procedimentos de polícia judiciária quando houvesse indícios de crimes imputados a policiais civis, militares ou bombeiros militares, "os quais seriam instaurados no âmbito da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais (DRACO)". Em conformidade com o art. 2°, parágrafo único, "a Subsecretaria de Inteligência/SESEG prestará o apoio necessário aos órgãos acima no âmbito de suas atribuições". Ressalta-se que o Ministério Público, por força do art. 129 da Constituição Federal, possuía (e possui) a mesma competência que a Resolução n. 436 de 8/2/2011 relacionou à CGU e à DRACO. O Parquet é legitimado a promover, por autoridade própria, procedimentos investigatórios criminais e, além disso, exerce o controle externo das polícias. No caso em apreço, o Parquet optou por não utilizar a estrutura da própria Polícia Civil para auxiliá-lo no procedimento apuratório criminal, e é incabível criar limitação alheia ao texto constitucional para o exercício conjunto da atividade investigativa pelos órgãos estatais. Quanto ao ponto, esta Corte possui o entendimento de que a atribuição de polícia judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por outras fontes. Ademais, o art. 3°, VIII, da Lei n. 12.850/2013 permite a cooperação entre as instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação. Portanto, segundo a doutrina, no campo diversificado de atuação da segurança pública, a inteligência policial "tem como escopo questões (em sua maioria táticas) de repressão e apoio à investigação de ilícitos e grupos de infratores - não se trata, registre-se bem, de atividade de investigação criminal". Busca "levantar indícios e tipologias que auxiliam o trabalho da Polícia Judiciária e do Ministério Público", principalmente no combate do crime organizado, dissimulado ou complexo.

Tese Firmada: É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa.

Questão Jurídica: Organização criminosa. Apuração de crimes graves. Agência de inteligência. Apoio à investigação do Ministério Público. Possibilidade.

Ementa: HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXTORSÃO, CONCUSSÃO E EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO POR POLICIAIS CIVIS. POSSIBILIDADE DE APOIO DE AGÊNCIA DE INTELIGÊNCIA À INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO OCORRÊNCIA DE INFILTRAÇÃO POLICIAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA PARA A AÇÃO CONTROLADA. COMUNICAÇÃO POSTERIOR QUE VISA A PROTEGER O TRABALHO INVESTIGATIVO. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A atividade de inteligência desempenhada por agências dos estados, que integram o Subsistema de Inteligência criado pelo Decreto n. 3.695, de 21/12/2012, consiste no exercício de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública. Alcança diversos campos de atuação - um deles a inteligência policial judiciária - e entre suas finalidades está não só subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas, mas também assessorar com informações as ações de prevenção e repressão de atos criminosos. 2. Apesar de não se confundir com a investigação, nem se esgotar com o objetivo desta, uma vez que a inteligência de segurança pública opera na busca incessante de dados, o resultado de suas operações pode, ocasionalmente, ser aproveitado no processo penal para subsidiar a produção de provas, desde que materializado em relatório técnico. 3. No passado, no Estado do Rio de Janeiro, ante a necessidade de aperfeiçoar o combate a crimes cometidos por policiais, foi atribuída à Subscretaria de Inteligência (SSINTE/SESEG) a missão de prestar apoio a determinados órgãos em suas investigações criminais. 4. Nesse contexto, não é ilegal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes atribuídos a servidores de Delegacia do Meio Ambiente, em contexto de organização criminosa. Precedente. 5. O Parquet optou por não utilizar a estrutura da própria Polícia Civil para auxiliá-lo no procedimento apuratório criminal, e é incabível criar limitação, alheia ao texto constitucional, para o exercício conjunto da atividade investigativa pelos órgãos estatais. 6. Esta Corte possui o entendimento de que a atribuição de polícia judiciária às polícias civil e federal não torna nula a colheita de elementos informativos por outras fontes. Ademais, o art. 3°, VIII, da Lei n. 12.850/2013 permite a cooperação entre as instituições públicas na busca de dados de interesse da investigação. 7. Se agente lotada em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representou o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando, não há falar em infiltração policial. 8. O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, de que a gravação ambiental realizada por colaborador premiado, um dos interlocutores da conversa, sem o consentimento dos outros, é lícita, ainda que obtida sem autorização judicial, e pode ser validamente utilizada como meio de prova no processo penal. No caso, advogado decidiu colaborar com a Justiça e, munido com equipamentos estatais, registrou a conversa que entabulou com policiais no momento da entrega do dinheiro após a extorsão mediante sequestro. 9. A ação controlada prevista no § 1° do art. 8° da Lei n. 12.850/2013 não necessita de autorização judicial. A comunicação prévia ao Poder Judiciário, a seu turno, visa a proteger o trabalho investigativo, de forma a afastar eventual crime de prevaricação ou infração administrativa por parte do agente público, o qual responderá por eventuais abusos que venha a cometer. 10. As autoridades acompanharam o recebimento de dinheiro por servidores suspeitos de extorsão mediante sequestro, na fase do exaurimento do crime, e não há ilegalidade a ser reconhecida em habeas corpus se ausentes circunstâncias preparadas de forma insidiosa, de forma a induzir os réus à prática delitiva. 11. O habeas corpus não se presta à análise de teses que demandam exame ou realização de provas. 12. Habeas corpus denegado. (STJ. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/08/2020, DJe 25/08/2020 - Publicado no Informativo nº 680)