STJ. REsp 1.867.694-MT

Enunciado: Cinge-se a controvérsia a analisar a validade e a subsistência dos atos executivos realizados no bojo de execuções individuais promovidas por credores, consistentes no arresto, no depósito e a na remoção de produtos agrícolas, objeto de garantia pignoratícia, em interregno no qual a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial dos executados havia sido reformada. Os atos executivos ocorreram após o Tribunal de origem ter, em grau recursal, reformado a decisão de primeira instância que havia deferido o pedido de processamento de recuperação judicial, por reputar não comprovado o exercício da atividade agrícola pelo período de 2 (dois) anos contados do registro de produtor rural na Junta Comercial. Todavia, que os efeitos do acórdão foram sobrestados por esta Corte de Justiça, em virtude da tutela de urgência deferida na TP n. 2.017/MT restabelecendo-se, assim, o deferimento do processamento da recuperação judicial deferido em primeira instância até o julgamento do REsp 1.821.773/MT. Ressalta-se que, uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, este passa a ser o marco inicial legal de suspensão de todas as execuções individuais que fluem contra o empresário recuperando, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquele. Trata-se de um benefício legal conferido à recuperanda absolutamente indispensável para que esta, durante tal interregno, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua atividade empresarial. Ainda que aquela decisão da primeira instância seja objeto de impugnação recursal, o provimento judicial final que venha a reconhecer o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do empresário tem o condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes, desde a sua prolação. Destaca-se que a lei elegeu, como marco inicial para o stay period - cujo efeito principal consiste justamente na suspensão de todas as execuções promovidas contra a recuperanda, a atrair a competência do Juízo recuperacional para decidir sobre os bens daquela) -, a decisão que (primeiramente) defere o processamento da recuperação judicial. Assim, mesmo que esta venha a ser reformada em grau recursal, o provimento judicial final que reconhece o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial mantém incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes desde a sua prolação, já que este é o marco legal adotado pela lei para a produção destes. Entendimento contrário esvaziaria por completo a recuperação judicial do empresário que obteve em seu favor o deferimento do processamento desta - confirmado em provimento judicial final -, caso se convalidasse a constrição judicial e o levantamento do patrimônio do recuperando em favor de determinados credores exarados no âmbito de execuções individuais, durante a tramitação dos correlatos recursos por período absolutamente indefinido, em detrimento dos demais credores também submetidos ao processo recuperacional.

Tese Firmada: A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial.

Questão Jurídica: Sobrestamento e reforma de decisão que defere o processo de recuperação judicial. Validade de atos constritivos realizados em ações individuais no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou reformada. Provimento judicial final que reconhece o acerto do processamento da recuperação judicial. Restabelecimento de todos os efeitos legais desde a sua prolação. Reconhecimento.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO ACERCA DA VALIDADE DE ATOS CONSTRITIVOS REALIZADOS EM EXECUÇÕES INDIVIDUAIS POR OCASIÃO DO SOBRESTAMENTO E REFORMA, PELO TRIBUNAL ESTADUAL, DA DECISÃO QUE HAVIA DEFERIDO O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROVIMENTO JUDICIAL FINAL QUE RECONHECE O ACERTO DA DECISÃO QUE DEFERIU O PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COM O RESTABELECIMENTO DE TODOS OS SEUS EFEITOS LEGAIS, DESDE A SUA PROLAÇÃO. RECONHECIMENTO. CRÉDITOS REPRESENTADOS POR CÉDULAS DE PRODUTO RURAL GARANTIDAS POR PENHOR RURAL. SUBMISSÃO AO PROCESSO RECUPERACIONAL. JUÍZO ACERCA DA ESSENCIALIDADE DOS BENS ARRESTADOS. DESCABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Controverte-se no presente recurso especial sobre a validade e a subsistência dos atos executivos realizados no bojo de execuções individuais promovidas por credores contra os produtores rurais (ora recorrentes), consistentes no arresto, no depósito e a na remoção de produtos agrícolas, objeto de garantia pignoratícia, em interregno no qual a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial dos executados havia sido reformada pelo Tribunal estadual. 2. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, este passa a ser o marco inicial legal de suspensão de todas as execuções individuais que fluem contra o empresário recuperando, a atrair a competência do Juizo recuperacional para decidir sobre os bens daquele. Ainda que esta decisão seja objeto de impugnação recursal, o provimento judicial final que venha a reconhecer o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do empresário tem o condão de manter incólumes todos os efeitos legais dela decorrentes, desde a sua prolação. 2.1 Entendimento contrário esvaziaria por completo a recuperação judicial do empresário que obteve em seu favor o deferimento do processamento desta - confirmado em provimento judicial final -, caso se convalidasse a constrição judicial e o levantamento do patrimônio do recuperando em favor de determinados credores exarados no âmbito de execuções individuais, durante a tramitação dos correlatos recursos por período absolutamente indefinido, em detrimento dos demais credores também submetidos ao processo recuperacional. 2.2 A suspensão de todas as execuções contra o empresário em recuperação judicial consiste em benefício legal absolutamente indispensável para que este, durante o stay period, possa regularizar e reorganizar suas contas, com vistas à reestruturação e ao soerguimento econômico-financeiro, sem prejuízo da continuidade do desenvolvimento de sua atividade empresarial. 3. A validade dos atos executivos realizados no bojo das execuções individuais, no interregno em que a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial encontra-se sobrestada ou mesmo reformada (porém, sujeita a revisão por instância judicial superior), fica condicionada à confirmação, por provimento judicial final, de que o empresário, de fato, não fazia jus ao deferimento do processamento de sua recuperação judicial. O credor assume os riscos de prosseguir com a sua execução individual, ao ensejo do sobrestamento ou da reforma provisória da aludida decisão. Em se confirmando o acerto da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, com o restabelecimento de todos os seus efeitos desde a sua prolação, os atos executivos realizados no âmbito das execuções individuais tornam-se absolutamente nulos. 4. Revela-se de todo descabido, para efeito de validade e subsistência dos atos executivos em comento, aferir a essencialidade dos bens arrestados, a pretexto de aplicação da parte final do § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, como procedeu o Tribunal estadual. Os créditos em análise (representados por cédulas de produto rural garantidas por penhor rural) não se subsumem a nenhum daqueles descritos no § 3º do art. art. 49 da Lei n. 11.101/2005 (entre os quais, o de titularidade de credor titular da posição de proprietário fiduciário), reputados extraconcursais. Nos termos do art. 41, II, da LRF, os créditos com garantia real, como é o caso do penhor, submetem-se, indiscutivelmente, ao processo recuperacional. 5. Reconhecida a invalidade dos atos constritivos realizados no bojo das execuções individuais, os ora recorridos haverão de proceder à disponibilização dos bens arrestados aos recorrentes, sob a supervisão e sob os critérios a serem determinados pelo Juízo da recuperação judicial, a quem compete, também, deliberar sobre eventual pedido, por parte dos recuperandos, de alienação dos bens, objeto de garantia, para dar continuidade às suas atividades ou para dar consecução aos termos do Plano de recuperação judicial a ser submetido à Assembleia Geral Credores. 6. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1.867.694-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020 - Publicado no Informativo nº 681)