STJ. REsp 1.852.629-SP

Enunciado: Trata-se a discussão sobre pedido de acesso à informação mantida por órgãos públicos por veículo de imprensa, para produção de reportagem noticiosa. Tal reportagem pretende aceder a informações especificadas quanto a óbitos associados a boletins de ocorrência policial. Inicialmente, destaque-se que descabe qualquer tratamento especial à imprensa em matéria de responsabilização civil ou penal, em particular para agravar sua situação diante da generalidade das pessoas físicas ou jurídicas. É o que se assentou no julgamento da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido é que não se pode conceber lei, ou norma, que se volte especificamente à tutela da imprensa, para coibir sua atuação. Se há um direito irrestrito de acesso pela sociedade à informação mantida pela administração, porquanto inequivocamente pública, não se pode impedir a imprensa, apenas por ser imprensa, de a ela aceder. No entanto, o acórdão recorrido vai além, e efetivamente faz controle prévio genérico da veiculação noticiosa. Não se está diante sequer de um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia inviabiliza até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a informação reconhecidamente pública. É preciso reforçar a distinção entre duas questões tratadas pelo acórdão do Tribunal de origem como uma única. De um lado, cuida-se da atividade jornalística de veiculação noticiosa. Nesse ponto, é já inconcebível dar aspecto de juridicidade a qualquer forma de controle prévio da informação. Além disso, trata-se de acesso à informação pública, não apenas de atuação jornalística. A qualidade da última pode até depender da primeira, mas nada influencia no direito de aceder a dados públicos o uso que deles se fará. Não há razão alguma em sujeitar a concessão da segurança ao risco decorrente da divulgação da informação - que, reitere-se, é pública e já disponível na internet. Não há nem mesmo obrigação ou suposição de que a informação - pública - venha a ser publicada pela imprensa. A informação pública é subsídio da informação jornalística, sem com ela se confundir em qualquer nível. Os dados públicos podem ser usados pela imprensa de uma infinidade de formas, como base de novas investigações, cruzamentos, pesquisas, entrevistas, etc., nenhuma delas correspondendo, direta e inequivocamente, à sua veiculação. Não se pode vedar o exercício de um direito - acessar a informação pública - pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito - o de livre comunicar. Configura-se verdadeiro bis in idem censório, ambos de inviável acolhimento diante do ordenamento.

Tese Firmada: Veículo de imprensa jornalística possui direito líquido e certo de obter dados públicos sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais.

Questão Jurídica: Lei de acesso à informação. Dados sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais. Caráter público incontroverso. Imprensa. Direito de acesso às informações. Vedação judicial de uso da informação em reportagem noticiosa. Descabimento. Censura prévia. Impossibilidade.

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DADOS SOBRE ÓBITOS RELACIONADOS A OCORRÊNCIAS POLICIAIS. CARÁTER PÚBLICO INCONTROVERSO. IMPRENSA. VEDAÇÃO JUDICIAL DE USO DA INFORMAÇÃO EM REPORTAGEM NOTICIOSA. DESCABIMENTO. CENSURA PRÉVIA. RESTRIÇÃO À ATIVIDADE JORNALÍSTICA. DISTINÇÃO DA GENERALIDADE DA SOCIEDADE. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DE FAMILIARES DAS VÍTIMAS. HIPÓTESE GENÉRICA DE SIGILO NÃO PREVISTA NO ORDENAMENTO. PUBLICAÇÃO DOS DADOS EM PORTAL. FORMA DE CUMPRIMENTO DA ORDEM. PERÍODO PARCIALMENTE COINCIDENTE COM O REQUERIDO. INTERESSE DE AGIR. PERMANÊNCIA. 1. Hipótese em que o Tribunal denegou o pedido para assegurar à parte impetrante o acesso a dados alusivos a óbitos relacionados a boletins de ocorrência policial sob o fundamento de riscos à segurança e à privacidade dos familiares das vítimas pela exposição em reportagens noticiosas. Afirmou-se, ainda, ausência de interesse de agir, pela superveniente publicação das informações em portal de acesso público. 2. Inexiste controvérsia quanto ao caráter público dos dados requeridos, bem como a sua existência em documentos de posse da administração. Assim o afirmaram tanto o Judiciário, inclusive o acórdão recorrido, e o órgão administrativo recursal responsável pelos pedidos alusivos à Lei de Acesso à Informação no Estado. Entretanto, embora reconhecido pela instância administrativa superior sua natureza pública, a autoridade impetrada não forneceu os dados requeridos. 3. Fundamento essencial do acórdão recorrido para denegar a ordem: "Embora reconhecido [...] a publicidade dos elementos [...], mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação [...] As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...]". 4. Descabe à administração ou ao Judiciário apreciar as razões ou usos que se pretende dar à informação de natureza pública. A informação, por ser pública, deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou considerações quanto aos interesses a que se destina o uso. 5. A imposição de restrições especiais ao exercício da atividade jornalística, em contraste com a generalidade da população, é vedada pela Constituição Federal. Razões de decidir (ratio decidendi) da ADPF 130/STF. 6. Na hipótese, não se está sequer diante de um produto jornalístico acabado, cuja construção poderia ensejar, de forma absolutamente excepcional e ainda assim questionável, controle à sua circulação, ante a gravidade dos danos potenciais. Configura-se inequívoca censura prévia impedir-se à imprensa que até mesmo apure eventual interesse jornalístico de divulgação de dados, reitere-se, inequivocamente públicos. 7. A segurança individual não é hipótese legal de exceção de acesso a dados públicos. Eventuais danos, caso efetivados, se resolvem pela responsabilização civil, administrativa e penal. 8. A denegação da ordem pela origem configura verdadeiro bis in idem censório. São dois direitos distintos, que o acórdão recorrido confunde para negar a ambos: o direito de acesso à informação pública é autônomo diante do direito de liberdade de imprensa. Não há razão nem mesmo em supor que os dados públicos virão a ser publicados pela imprensa, que pode aproveitá-los de uma infinidade de formas diversas da divulgação noticiosa, como subsídio à atividade jornalística. Não se pode inviabilizar o acesso da imprensa à informação pública pelo mero temor precognitivo de que a incerta e eventual veiculação midiática de dados públicos causará potencialmente danos. 9. Persiste o interesse de agir pelo alcance, pela via da publicidade ativa, de apenas parte do período requerido. 10. A existência de portal com os dados públicos solicitados apenas configura meio de cumprimento da obrigação de fornecer o acesso ao solicitante, mas não enseja a rejeição do pedido de informações nem afasta seu direito líquido e certo em obtê-las. Previsão expressa da Lei de Acesso (art. 11, §§ 3º e 6º, da Lei n. 12.527/2011). 11. Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a sentença, concedendo a segurança. (STJ. REsp 1.852.629-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020 - Publicado no Informativo nº 682)