STJ. REsp 1.771.984-RJ

Enunciado: Cinge-se a controvérsia a determinar se a portabilidade de operações de crédito é capaz, por si só, de vincular as instituições credoras - original e proponente - à cadeia de fornecimento e, assim, dar ensejo à responsabilização solidária decorrente de fato do serviço. Atualmente, a portabilidade de operações de crédito é regulamentada pela Resolução CMN n. 4.292/2013, que introduziu conceitos importantes e contornos bem definidos para esses contratos bancários. À época dos fatos, no entanto, essa espécie de transação se sujeitava à regulamentação bastante simplificada da Resolução CMN n. 3.401/2006, a qual exigia da instituição credora original apenas a garantia da possibilidade de quitação antecipada com recursos financeiros advindos de outras instituições financeiras, além de obrigá-la a compartilhar os dados bancários mediante requerimento e autorização do cliente titular. Por essa razão, afirma-se que a Resolução CMN n. 3.401/2006 cuidou de introduzir no Brasil a autodeterminação dos clientes em relação a seus dados bancários, consistindo importante experimento para a abertura bancária como instrumento de fomento da concorrência bancária. Ainda que de forma incipiente e impositiva, o regulamento introduziu norma relevante para o compartilhamento de dados bancários sob a base fundamental do livre consentimento e da autodeterminação dos consumidores, princípios atualmente muito debatidos sob o enfoque da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.709/2018), que entrou em vigor recentemente. Ademais, já esboçando o caminho legislativo que seria adotado, o Conselho Monetário Nacional evidenciou o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, o qual deve ser observado por todas as instituições financeiras envolvidas no compartilhamento de dados bancários. Logo, tanto o banco de origem quanto a instituição de destino, ao integrarem uma operação de portabilidade, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento de produtos/serviços, responsabilizando-se até que a operação se aperfeiçoe com a extinção do contrato original e a formação definitiva do novo contrato. Extrai-se daí a solidariedade das instituições financeiras envolvidas num contrato de portabilidade pelos danos decorrentes da falha desse serviço, em conformidade com o art. 7°, parágrafo único, do CDC. De fato, constitui dever de toda e qualquer instituição financeira a manutenção de quadro específico para detectar fraudes, em razão da natureza da atividade desenvolvida em mercado, a qual induz a responsabilidade pelo risco do empreendimento, como reiteradamente afirmado por esta Corte Superior, nos termos do Enunciado 479 da Súmula do STJ: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." Assim, reconhecida a solidariedade das instituições financeiras responsáveis objetivamente pelos danos decorrentes de fraude, impõe-se a elas o ônus de recompor todos os danos sofridos pelo consumidor, restituindo-lhe o status quo ante como decorrência automática da inexistência do contrato fraudado.

Tese Firmada: É dever das instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade de crédito apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a reponsabilidade solidária pelos danos decorrentes de falha na prestação do serviço.

Questão Jurídica: Portabilidade de operações de crédito. Regularidade do consentimento e da transferência. Dever dos envolvidos na cadeia de fornecimento. Defeito no serviço. Responsabilidade solidária das instituições financeiras envolvidas.

Ementa: RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PORTABILIDADE DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC.2015. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 284/STF. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS APLICADOS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU EM JULGAMENTO DE ACLARATÓRIOS. AFASTAMENTO PELO ACÓRDÃO DE ORIGEM. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. 3. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EXCLUSIVAMENTE EM CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS. REEXAME INVIÁVEL EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 7/STJ. 4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. SOLIDARIEDADE ENTRE OS INTEGRANTES DA CADEIA DE CONSUMO. FRAUDE RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. DEFEITO NO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS ENVOLVIDAS NA TRANSFERÊNCIA DA OPERAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE DADOS DO CONSUMIDOR. 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. Discute-se a responsabilidade civil das instituições financeiras envolvidas em operação de portabilidade de empréstimo consignado realizada mediante fraude. 2. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de violação do art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão tornou-se omisso, contraditório ou obscuro; bem como o recurso especial interposto sem a indicação precisa do dispositivo legal violado. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula n. 284/STF. 3. As questões relativas à responsabilização civil do Banco Cetelem S.A. ao dano moral e ao caráter protelatório de recurso foram apreciadas pelo Tribunal de origem por meio da exclusiva análise do contexto fático-probatório dos autos, de modo que a alteração das suas conclusões não prescinde do vedado reexame de fatos e provas (Súmula n. 7/STJ). 4. O instituto da portabilidade, regulamentado à época dos fatos pela Resolução CMN n. 3.401/2006, estabelecia o dever do credor original de assegurar a possibilidade de quitação da operação de crédito por outra instituição financeira, bem como com ela compartilhar os dados bancários necessários à transferência do crédito, mediante requerimento e autorização do cliente titular. 5. As instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade, ainda que concorrentes, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento, impondo-se a ambas o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a responsabilidade solidária em relação aos danos decorrentes de falha na prestação do serviço. 6. "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" (Súmula n. 479/STJ). 7. Reconhecida a fraude na assinatura do contrato que deu ensejo à operação de portabilidade, impõe-se a restituição do consumidor ao status quo ante, sem, contudo, se olvidar dos fatos ocorridos ao longo da tramitação processual. 8. No caso concreto, o consumidor manteve o pagamento das prestações mensais no decorrer do processo, de modo que a dívida originária estaria extinta pelo pagamento. Nessa hipótese, o restabelecimento do contrato original resulta na transferência para o consumidor de responsabilidade e encargo, que não lhe pertence, de regularizar a situação financeira decorrente da própria falha do serviço, o que nem mesmo é objeto da presente demanda. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ. REsp 1.771.984-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020 - Publicado no Informativo nº 682)