STF. ADPF 874 MC/DF

Tese Firmada: Em razão do contexto de anormalidade decorrente da pandemia da Covid-19, é descabida a exigência de “justificativa de ausência” às provas do ENEM 2020, como requisito para a concessão de isenção da taxa de inscrição para o ENEM 2021.

Questão Jurídica: COVID-19 e requisitos para isenção da taxa de inscrição do ENEM 2021

Ementa: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Medida Cautelar. Itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação. Exame Nacional do Ensino Médio. Isenção do pagamento da taxa de inscrição. Justificativa de ausência no ENEM 2020. Subsidiariedade. Cabimento da arguição. Direito à educação e garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino. Descumprimento. Medida cautelar deferida. 1. A relevância e a abrangência da controvérsia, bem como sua urgência, demandam a utilização da ADPF, único mecanismo judicial capaz de sanar a lesividade alegada de forma ampla, geral e imediata (ADPF nº 33/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 7/12/05). 2. Os itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação condicionam a obtenção de isenção da taxa de inscrição no ENEM 2021 por quem obteve essa isenção em 2020 e faltou às provas à justificativa da ausência mediante a apresentação de algum dos documentos previstos no Anexo I do edital. 3. Nos dias 17 e 24 de janeiro de 2021, quando foram aplicadas as provas do ENEM 2020, o Brasil passava pela segunda onda da pandemia da Covid-19, caracterizada por um cenário preocupante de contaminações, com elevadas médias diárias de novos casos e de óbitos. A esse contexto somaram-se os diversos problemas logísticos observados na aplicação das provas, o que resultou em taxas recordes de abstenção. 4. A norma questionada criou um óbice injustificado ao alcance da isenção da taxa de inscrição no ENEM 2021, visto que a ausência à prova anterior por temor quanto ao nível de exposição da própria saúde ou de outrem, ou por qualquer outro motivo relacionado ao contexto de anormalidade em que foram aplicadas as provas do ENEM 2020, são circunstâncias que não comportam qualquer tipo de comprovação documental, redundando tal comprovação em uma barreira à própria participação de candidatos de baixa renda no exame nacional. 5. O direito à educação (art. 6º, caput, e art. 205) compreende o acesso ao ensino superior, expressamente contemplado na Constituição de 1988, na qual se fixou que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino (art. 208, inciso V). Por meio do amplo acesso ao ensino superior, se implementa a igualdade de oportunidades políticas, sociais e econômicas, a inclusão social e a promoção da diversidade. 6. O Supremo Tribunal Federal, em mais de um julgado, validou políticas públicas voltadas a ampliar o acesso ao ensino superior, chancelando uma concepção de direito à educação superior cuja efetividade pressupõe medidas destinadas a corrigir os desníveis de oportunidades historicamente impostos a determinados grupos sociais e étnico-raciais, com vista à concretização da igualdade substancial. Precedentes: ADPF nº 186, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 20/10/14 (Reserva de vagas nas universidades públicas com base no critério étnico-racial); e ADI nº 3.330, Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe de 22/3/13 (Prouni). 7. Os itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação subvertem esse arcabouço normativo-constitucional ao criarem óbice injustificado à inscrição para o ENEM 2021 pela população de baixa renda, inviabilizando, com isso, o acesso dessas pessoas aos programas federais voltados à democratização do acesso às universidades, quais sejam, o Programa Universidade Para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu). 8. O ato questionado tem potencial de gerar retrocesso nos avanços alcançados no sentido da inclusão social e da promoção da diversidade no ensino superior, por deixar de fora estudantes pertencentes aos grupos sociais historicamente excluídos desse nível de ensino – população de baixa renda, negros, pardos e indígenas –, o que vai na contramão dos objetivos da República Federativa do Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos III e IV). 9. Medida cautelar concedida para se determinar a reabertura do prazo de requerimento de isenção de pagamento de taxa para inscrição no ENEM 2021 sem exigência de justificativa para o não comparecimento ao ENEM 2020, de quaisquer candidatos - nos termos do que já havia sido previsto no item 1.4.1 do Edital nº 55/2020 (digital) e do Edital nº 54 (impresso), de 28 de julho de 2020 –, devendo ser concedida a referida isenção aos estudantes que comprovarem a subsunção de seu caso em uma das hipóteses do item 2.6 do Edital nº 19/2021 do Ministério da Educação. (ADPF 874 MC, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-238 DIVULG 01-12-2021 PUBLIC 02-12-2021)